Consensos alcançados entre o Presidente de Moçambique e líder do maior partido da oposição, a RENAMO, parecem acomodar os interesses das partes. A revisão pontual da Constituição do jeito que pretendem levanta questões.
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A DW África conversou sobre os consensos alcançados nas negociações de paz entre o Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) com o jurista Vicente Manjate, advogado e especialista em direitos humanos e direitos fundamentais.
DW África: É caso para se afirmar que a intenção de revisão constitucional não passa de um plano "a dois"?
Vicente Manjate (VM): Penso que é a dois porque são os dois presidentes dos maiores partidos nacionais que chegaram a esse acordo. E sem dúvidas que antes ou mesmo depois de ter apresentado a proposta em formato adequado à Assembleia da República pode-se esperar debates que poderão envolver outros setores da cidade. Mas por enquanto é a dois, que o chefe de Estado representa também todos os moçambicanos, mas também o presidente do partido FRELIMO está a negociar com o líder de um partido. Acredito que é a dois, foram os dois líderes, embora isto seja uma comissão de trabalho.
DW África: A indicação, por exemplo, do presidente da autarquia ao invés da eleição direta, como acontece até agora, é vista como um retrocesso na democratização do país, porque, por exemplo, exclui a possibilidade da candidatura de independentes...
VM: Eu acredito que essa proposta será uma das poucas que não poderá passar. Essa alteração foi uma designação do presidente do município e não pode ser acordada nem pelo chefe de Estado [e nem pelo líder] da RENAMO, nem pelo deputados pura e simplesmente. Para que seja alterada essa forma de designação é necessária que haja uma revisão da Constituição. Entretanto, como o sufrágio universal direto e pessoal para indicação do presidente do município é um dos limites materiais da revisão da Constituição, a proposta de lei de revisão da Constituição deve, antes de ser apresentada à Assembleia da República, previamente ser levada a referendo. O que significa que esse aspeto em particular deverá ser levado a referendo caso se pretenda implementar. E atentendo que as propostas de revisão constitucional devam ser submetidas à Assembleia da República com uma antecedência mínima de 90 dias a data de início do debate, não acredito que até outubro se consiga obter essa aprovação.
DW África: A proposta de indicação do governador pelo Presidente da República e a prestação de contas do governador à Assembleia Provincial parece permitir o equilíbrio de poderes entre a FRELIMO e a RENAMO, pelo menos neste momento. Mas para que isso aconteça a Assembleia Provincial também tem de ter o poder. Facto que até agora no contexto moçambicano não acontece. As assembleias não têm tanto poder assim...
Moçambique: Questionamentos sobre o consenso
VM: Pois, não têm. Será um impacto neste momento nos termos em que as disputas políticas e eleitorais que nós vivemos permitiram este equilíbrio de forças. Entretanto, isto poderá suscitar em algum momento alguma ingovernabilidade a nível das províncias. Por um lado, ainda não temos os poderes dos governadores provinciais. Não sabemos o que vai alterar em concreto nas suas competências. Se o governador provincial continuará a ser o representante do chefe de Estado a nível local e com todos os poderes que tinha. Parece que não, porque haverá um secretário de Estado. Entretanto, não tem um estatuto deste de secretário de Estado e as competências concretas que ele terá.
Neste preciso momento o que ocorre é que a Assembleia Provincial poderá já não aprovar os planos anuais, os planos económicos sociais dos governos provinciais e, entretanto, ter um poder de fiscalização. E se consideramos que o governo provincial implementa os planos centralmente definidos, a questão que se coloca é o que eles estarão a fiscalizar e que poderes terão sobre o governador provincial ou sob o governo provincial se só fiscalizam um plano que nem se quer aprovaram. Portanto, há de facto um esvaziamento dos poderes da assembleia. Embora poderão adquirir a possibilidade de indicarem o governador. E outra questão que se coloca é: esta proposta é vinculativa ao Presidente? E se o Presidente recusar a indicar aquele cidadão ou indivíduo que tenha sido proposto pela assembleia provincial, o que acontece? E se recusar duas, três, quatro vezes, o que acontece? Dissolve-se a Assembleia? Há várias questões que ainda têm que ser melhoradas para avaliarmos a regularidade deste governo.
Moçambique: Guerra civil com pausas de paz
A paz nunca foi uma certeza em Moçambique. Ela apenas tem intercalado confrontos militares desde a independência. Acordos de paz mal concebidos parecem estar na origem dos conflitos. Mas há novos bons sinais à vista.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
O começo da guerra civil
A guerra entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO começou em 1977, isso cerca de dois anos após a proclamação da independência do país. A RENAMO contestava a governação da FRELIMo e queria democracia. Este movimento tinha o apoio da ex-Rodésia e da África do Sul, dois vizinhos de Moçambique. A guerra matou milhões de moçambicanos e quase paralisou a economia do país.
Acabar com a guerra era o obetivo deste acordo, alcançado em 1984. Foi assinado entre os antigos Presidentes de Moçambique e da África do Sul, Samora Machel e Peter Botha, respetivamente. Ficou acordado que Pretória deixava de apoiar a RENAMO e Maputo parava o apoio ao ANC. Este último que lutava contra o Apartheid. Mas ninguém respeitou o acordo.
Foto: Avant Verlag/Birgit Weyhe
Acordo Geral de Paz de Roma
Colocou finalmente fim a guerra em 1992. Foi patrocinado pela Comunidade Santo Egídio, instituição católica italiana. Nessa altura o país já estava devastado e tinha transitado do sistema socialista para o da economia de mercado. Afosno Dhlakama, líder da RENAMO, e Joaquim Chissano, ex-Presidene de Moçambique, assinaram um acordo que pôs fim a uma guerra de 16 anos.
Eleições: nova era de desentendimentos
Em 1994 o país dava os seus primeiros passos rumo a democracia: início do multipartidarismo e realização das primeiras eleições, patrocinadas pela ONU. O primeiro Presidente eleito do país foi Joaquim Chissano. A RENAMO contestou, mas acabou por aceitar os resultados eleitorais.
Foto: Getty Images/AFP/Gianluigi Guercia
Eleições 1999: RENAMO revolta-se
Nas segundas eleições, em 1999, Joaquim Chissano e a FRELIMO voltaram a ganhar. Mas o processo foi novamente marcado por graves irregularidades, a RENAMO diz que houve fraude e contestou com mais veemência. E no ano 2000 apoiantes da RENAMO manifestaram-se em Montepuez província de Cabo Delgado, contra os resultados. Cerca de 700 manifestantes terão sido detidos e mortos por asfixia nas celas.
Foto: Marc Dietrich-Fotolia.com
Rastilho para o barril de pólvora já arde
As sucessivas irregularidades nas eleições, a lei eleitoral desajustada e difícil integração dos ex-guerrilheiros da RENAMO no exército nacional foram os principais pontos que aumentaram a tensão com o Governo. A falta de confiança que caracteriza a relação entre as partes aumentou.
Foto: Gerald Henzinger
As armas falam novamente
Em 2013 a polícia e homens da RENAMO confrontaram-se. Era o início dos conflitos armados. Nesse ano a RENAMO recusa a aprovação da Lei Eleitoral e não participa nas autárquicas. Há um interregno no conflito para a realização de eleições gerais em 2014. A RENAMO perde e acusa a FRELIMO de fraude. O país volta a ser palco de guerra. RENAMO exige governar as seis províncias onde diz ter ganho.
Foto: Fernando Veloso
Guebuza e Dhlakama: o braço de ferro até ao fim
Em setembro de 2014 o Presidente Armando Guebuza e o líder da RENAMO chegam a acordo para por fim ao conflito armado. Abriu-se assim caminho para as eleições gerais, onde a RENAMO participou. Mas as negociações entre os dois homens nunca foram fáceis. Para começar os encontros foram poucos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Na guerra vale tudo
Em Setembro de 2015 Dhlakama sofreu dois atentados. Um deles contra a coluna em que viajava, de Manica a Nampula. Afonso Dhlakama saiu ileso, mas segundo relatos morreram várias pessoas. Mais tarde várias viaturas da comitiva do líder da RENAMO foram queimadas. Dhlakama acusou a FRELIMO pelos atentados.
Foto: DW/A. Sebastião
Cerco a casa de Afonso Dhlakama
Em outubro de 2015 a guarda pessoal do líder da RENAMO foi desarmada pelas forças governamentais durante um cerco à sua residência na cidade da Beira. O Governo pretendia um desarmamento forçado dos homens da RENAMO. O desarmamento da maior força da oposição é um dos pontos controversos nas negociações de paz.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Diálogo de paz pouco frutífero
Infindáveis rondas marcaram as negociações de paz. E em paralelo as armas falavam nas matas, membros da RENAMO eram assassinados a média de um por mês em 2016. Observadores e mediadores, nacionais e internacionais, entraram e saíram do barulho sem conseguir muito. Houve também adiamentos de rondas e algumas pausas no processo.
Foto: Leonel Matias
Dhlakama e Nyusi: maior proximidade, bons sinais
Em agosto de 2017 o Presidente Nyusi deslocou-se à Gorongosa, bastião da RENAMO, para se encontrar com Dhlakama. Os dois líderes acordaram sobre os próximos passos no processo de paz. Esperavam um acordo de paz até ao final de 2017, mas tal não deverá acontecer. Entretanto, Dhlakama está satisfeito com o andamento das negociações. O sigilo entre os dois parece ser o segredo de um bom entendimento.