Pacote de desmilitarização dos homens da RENAMO pode colocar negociações de paz em risco. Analistas e jornalistas não acreditam em grandes avanços nos próximos meses.
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Depois do partido FRELIMO boicotar a sessão extraordinária na Assembleia da República, na semana passada, o deputado e delegado provincial da RENAMO em Inhambane, Carlos Maela, convocou a imprensa para informar o que considera uma interferência política por parte da FRELIMO, ao querer colocar em risco o processo de negociações entre as duas formações políticas.
Maela considera uma chantagem a exigência de desarmamento dos homens da RENAMO antes da aprovação do pacote legislativo sobre as autárquicas, porque não faz sentido este tipo de requerimento, sabendo que já foram realizados escrutínios com homens da RENAMO armados.
"Achamos que é uma chantagem mas não sabemos se eles querem que a RENAMO esteja desarmada até ao processo eleitoral, porque sabemos que este processo está a ser tratado ao mais alto nível”, diz.
Moçambique: Risco de retrocesso nas negociações de paz?
O delegado provincial pede ainda que se recue na decisão.
"Apelamos à FRELIMO que recue no seu posicionamento, porque já se realizaram quatro eleições municipais com a existência da ala militar da RENAMO e ninguém reclamou. O que vai ser a seguir cabe à direção máxima orientar as províncias”, acrescentou Carlos Maela.
Reintegração de guerrilheiros tarda
Para o analista e delegado provincial da Associação dos Deficientes de Moçambique (ADEMIMO), Manuel Bulafo, no seio das duas formações políticas existem pressões e é por isso que o líder da RENAMO ainda continua a viver na serra da Gorongosa. O analista acredita que é uma forma de exigir, por parte do Governo, uma decisão sobre a reintegração social dos guerrilheiros, visto que em 1992 este assunto não ficou totalmente solucionado.
Segundo Manuel Bulafo, o chefe de Estado é quem deve resolver o problema. Posteriormente, a solução deve ser acatada pelo Parlamento, sem qualquer tipo de interferências no processo.
"O facto (de Ossufo Momade estar na Gorongosa) é para pressionar as autoridades a tomarem uma posição. Não é ele que diz que a RENAMO está a sentir-se mal por ver o processo de desmobilização a decorrer numa fase muito lenta. Os guerrilheiros, devem gozar uma vida plena fora do mato, e se o chefe de Estado anunciou isto, é porque tem toda capacidade para decidir ".
Andaqui Albino, jornalista em Inhambane, disse à DW que o discurso do Presidente da República, proferido na última segunda-feira (25.05), sobre a desmilitarização da RENAMO pode não vir a acontecer até outubro próximo. Albino espera, contudo, que haja um entendimento, o mais rápido possível, para que seja evitada retoma de hostilidades armadas.
"Trata-se de um processo que faz parte do pacote de descentralização e a questão da situação política tem que encontrar um entendimento, por parte tanto da RENAMO como da própria FRELIMO, para não haver hostilidades militares, porque o povo
moçambicano quer a paz”, disse o jornalista.
Acordo de Paz de 1992 ainda por cumprir
José Manteiga, Deputado da RENAMO na Assembleia da República e membro da Comissão Política disse à DW que, antes de morrer o Afonso Dhlakama, tudo já estava garantido para o enquadramento dos homens armados da sua formação política nos vários ramos das Forças Armadas e de Segurança de Moçambique, com base no acordo geral de paz assinado em Roma, em 1992, mas depois houve um retrocesso.
Agora, espera que o Presidente Filipe Nyusi avance com este processo, algo que já devia ter acontecido.
"Esses homens já deviam ser sido enquadrados. Aliás, o Presidente da República já devia ter dado passos mais concretos de modo concluir este processo sobre as questões militares”, afirmou José Manteiga.
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.