Candidatura de Samora Machel Júnior às presidenciais de 2019 representaria uma afronta a FRELIMO, considera o sociólogo Elísio Macamo. E para o politólogo Pedro Nhacete representaria uma ameaça à coesão do partido.
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Depois que o Conselho Constitucional chumbou o seu projeto de se candidatar às eleições autárquicas no município de Maputo em outubro próximo, Samora Machel Júnior deixou clara esta semana a sua intenção de se candidatar às presidenciais de 2019.
O facto do filho do primeiro Presidente de Moçambique independente (Samora Machel) ter ousado decidir candidatar-se a edilidade, à margem do seu partido FRELIMO, já foi interpretado como sinal de revolta. Como as hostes do partido no poder iriam lidar com a sua candidatura, como independente, às presidenciais?
O sociólogo moçambicano Elísio Macamo considera que "neste momento, pela forma como a FRELIMO está a reagir à esta situação seria uma afronta."
E não acredita na vitória de "Samito": "Mas acho que a candidatura de Samora Machel Júnior não tem nenhuma hipótese. Ao nível da edilidade de Maputo ele teria tido grandes hipóteses, tenho a certeza disso, mas ao nível do país penso que tem poucas hipóteses, a não ser que crie o seu partido e comece a trabalhar... e daqui a dez ou quinze anos esteja em condições de fazer frente à FRELIMO."
De há alguns anos para cá, a FRELIMO tem dado sinais claros de uma fragmentação contínua, embora consiga sempre evidenciar sinais de maturidade ao passar, nos momentos mais importantes, uma posição única.
"Samito não tem hipóteses de vencer as presidenciais"
Ameaça à coesão
Uma eventual candidatura de "Samito" às presidenciais seria uma ameaça mais séria a coesão do maior partido do país? O politólogo Pedro Nhacete está certo que sim: "Eu penso que sim, porque sendo membro do partido e aparecer [como candidato à Presidente] estaria a criar-se um outro centro de poder. Então, penso que ameaça realmente a coesão."
Será que o controverso processo de candidatura de Samora Machel Júnior às eleições autárquicas terá servido de balão de ensaio para o candidato medir a temperatura, principalmente do eleitorado?
Macamo acha que não e justifica: "A impressão que tenho é que está a tirar consequências da experiência desagradável que teve com as estruturas locais do partido e ele deve estar a pensar, como qualquer outra pessoa com ambição política em Moçambique pensa, que a única forma de influenciar a política em Moçambique é a um nível muito mais alto do que aquele que neste momento ele se encontra."
Apoio de uma parte da FRELIMO até que ponto?
De lembrar que a ousadia de Samito em contrariar a batuta da FRELIMO garantiu-lhe muitas simpatias, inclusive da oposição. Por outro lado, esta figura respondia ao perfil de um candidato jovem muito desejado pelos maputenses.
Isso sem falar que Samito carrega um nome de peso da política moçambicana e a sua madrasta, também alto quadro da FRELIMO, já se manifestou incondicionalmente ao lado dele. Graça Machel é tida como integrante de uma das alas da FRELIMO que se opõe a ala que hoje lidera o partido.
Quanto a um possível apoio desta ala a Samito, para o politólogo Pedro Nhacete "isso está bem claro, que essa ala é tão forte, que foi uma ala que conviveu com o pai dele, o falecido Presidente Samora, que também sentiu um pouco de exclusão dentro do partido. Isso poderia desencadear algum mal estar dentro do partido, isso é uma realidade e ninguém pode esconder isso."
A posição da sua madrasta é vazia de sentido
Mas o sociólogo Elísio Macamo considera que "a posição da sua madrasta é vazia de sentido. Se um individuo leva dois anos a preparar-se e ela não sabe, durante anos, então não sei que tipo de relação essas pessoas têm e não sei que tipo de valor esta afirmação tem quando alguém diz olha, apesar de você não ter dito nada durante dois anos você é meu filho e vou apoiá-lo."
E Macamo minimiza: "Acho que a posição dessa senhora em relação aos planos de Samora Machel Júnior é completamente irrelevante, temos de olhar só para o que ele diz e faz e deixar de lados pessoas que agem por oportunismo, como parece ser o caso nesta situação."
E finalizando o sociólgo menciona um ponto, que a seu ver, é positivo no aspirante a candidato: "O que acho importante nele é que ele tem consciência da importância que o seu nome tem e teve a coragem de usar esse nome para articular esse descontentamento dentro da FRELIMO em relação a certas formas de gerir o partido."
“A Palavra e o Gesto” de Samora Machel
Na Fundação Mário Soares, em Lisboa, estão expostas as fotografias de Samora Moisés Machel, líder da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). As imagens são do fotógrafo moçambicano Kok Nam (1939-2012).
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Dos primeiros retratos do Presidente
O conceituado fotojornalista moçambicano, Kok Nam, registou as imagens e os gestos que tornaram lendária a figura e o carisma do primeiro Presidente da República de Moçambique. Machel foi Presidente de 25 de junho de 1975 a 19 de outubro de 1986.
Os registos fiéis de Kok Nam
A exposição, inaugurada no dia 24 de novembro, abre com esta imagem de 1985 em que o Presidente moçambicano falava à população. No verso Kok Nam escreveu “The maestro of the mass rally” (O maestro do comício de massas). Após a independência, em 1975, com a fuga generalizada dos quadros brancos, Machel lançou programas de reorganização económica, com o apoio dos países socialistas.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Graça Machel: primeira-dama
Em 1976, casa com Graça Simbine, que entrara em 1969 para a organização clandestina da FRELIMO. Além de primeira-dama, Graça Machel foi ministra da Educação até 1989. Uma das figuras mais conhecidas da História africana, Graça Machel é a única mulher que foi primeira-dama de dois países. Depois da morte de Samora, casou com Nelson Mandela, primeiro Presidente da África do Sul do pós-apartheid.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Político frontal e didático
Frontal, direto, seguro de si e desafiador no discurso à população: esta foto de 1983 captou um dos gestos típicos do político. Samora convencia pela simplicidade com que abordava os assuntos mais complexos do país e dos moçambicanos. Foi assim que conquistou a adesão das populações às suas mensagens e doutrina.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
A mobilização dos jovens
Nascido a 29 de setembro de 1933, em Xilambene, na província de Gaza, Machel viria a assumir-se como um combatente pela liberdade. O seu objetivo era dar continuidade à luta iniciada pelo seu antecessor, Eduardo Mondlane, assassinado em fevereiro de 1969, e que fundou a FRELIMO em junho de 1962. Nesta foto, Machel dirige-se aos jovens militares na base de Nachingwea (1974).
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Unir todos os moçambicanos
Conversa com uma cidadã moçambicana (1983). Samora sabia escutar a voz do povo. Das suas frases, esta proferida em setembro 1973 expressa bem uma das suas maiores preocupações: "Unir todos os moçambicanos, para além das tradições e línguas diversas, requer que na nossa consciência morra a tribo para que nasça a Nação.”
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Capacidade de diálogo
A unidade da Nação ainda hoje é uma prioridade defendida pela FRELIMO, no poder desde 1975. Samora afirmou que "O povo não é um conjunto de raças. É um conjunto de homens iguais". Perante o olhar atento de populares e da imprensa, o líder conversa com uma senhora, dando provas da sua capacidade de diálogo no período de transição entre a dominação colonial e a independência de Moçambique.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Atenção à saúde dos moçambicanos
Samora Machel em visita a uma unidade hospitalar moçambicana em 1983. Machel dizia que o doente era sagrado para o hospital: "Um enfermeiro, um servente, um médico, não conhecem a vingança na sua missão. O pessoal médico não discrimina doentes", dizia. Gostava de dar orientações em todos os setores e momentos da vida moçambicana.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
A ligação ao bloco soviético
Samora Machel tratou sempre de privilegiar a relação com o bloco socialista, que apoiou a luta de libertação das antigas colónias portuguesas. Kok Nam registou o Presidente à partida para uma visita à então União Soviética. Esta desempenhou um papel relevante nos chamados países da “Linha da Frente” de luta contra o regime do apartheid da África do Sul.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Morte em Mbuzini
Samora Machel morreu em 19 de outubro de 1986, quando o avião em que seguia se despenhou em Mbuzini, na vizinha África do Sul, na fronteira com Moçambique. Regressava a Maputo vindo de uma cimeira na Zâmbia, com os presidentes de Angola, Eduardo dos Santos, e do Zaire, Mobuto Sese Seko, entre outros. A exposição em Lisboa assinala os 30 anos da sua morte.