O Movimento Democrático de Moçambique acusa o Governo de egoísmo e falta estratégia na procura de soluções para o terrorismo em Cabo Delgado. Partido adverte para a necessidade de capacitar militares na resposta à crise.
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Sande Carmona, porta-voz do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), considera que não há uma estratégia política nem militar em Moçambique para lidar com os ataques terroristas no norte do país.
A violência armada em Cabo Delgado está a provocar uma crise humanitária com cerca de duas mil mortes e 500 mil pessoas deslocadas, sem habitação, nem alimentos, concentrando-se sobretudo na capital provincial, Pemba.
Em entrevista à DW África, Sande Carmona diz que o Governo falhou ao não ter optado pelo diálogo com os cabecilhas dos ataques logo no início do conflito.
DW África: Como é que o MDM avalia a atuação do Governo moçambicano em relação ao conflito em Cabo Delgado?
Sande Carmona (SC): Lamentamos a falta de inteligência por parte do Governo para pôr fim a esta situação que já tirou a vida de centenas de moçambicanos e [provocou] milhares de refugiados.
DW África: O que quer dizer com falta de inteligência?
SC:Quando um povo elege um Governo, está a eleger soluções. Não está a eleger indivíduos para se sentarem na cadeira e começarem a lamentar, como faz o povo. Isso chama-se falta de inteligência, porque se o Governo tivesse inteligência já tinha acabado com a guerra em Cabo Delgado.
DW África: O que poderia ser feito para acabar com a guerra?
SC: Há vários caminhos. Logo quando a guerra teve início, solicitámos ao Governo para que encontrasse os cabecilhas destes movimentos para lhes perguntar o que queriam e para tornar público as suas necessidades. Isso não aconteceu. As armas nunca trouxeram paz em nenhuma parte do mundo. Há vários outros mecanismos que podem levar a nação a ter paz.
DW África: Quais seriam os caminhos possíveis para controlar a situação de Cabo Delgado?
SC: Se querem enveredar pela via da guerra, para eliminar os terroristas, deveriam utilizar a melhor estratégia militar possível, para que os terroristas que estão a invadir o país tenham de recuar ou tenham de ser exterminados. Mas a falta de estratégia militar deve estar a facilitar as manobras dos inimigos.
DW África: O Governo moçambicano tem feito vários pedidos internacionais de ajuda para Cabo Delgado. Como é que o MDM olha para estes pedidos?
SC: Ninguém pode sobreviver só de pedidos. Tem de ter a sua base, a sua estratégia e capacidade. Os outros deveriam servir para complementar. Se esperamos que os outros [países] venham fazer tudo o que deveríamos nós fazer, tenho a lamentar que não há boas recordações em torno disso. Se não, os outros também começarão a delapidar o pouco que ainda resta em Moçambique em nome da guerra e do apoio a Cabo Delgado.
DW África: O MDM acredita que a primeira opção tem de ser a capacidade interna?
SC: Sem dúvida. As nossas Forças de Defesa e Segurança têm de estar capacitadas e munidas de instrumentos capazes de repelir qualquer um que queira invadir o nosso país. Nenhum Governo do mundo toleraria que o seu próprio povo morresse quando há várias outras correntes que poderiam ser reunidas para discutir uma estratégia militar, política e social para pôr fim à guerra.
DW África: Enquanto MDM, que assessoria é que o partido poderia dar ao Governo para lidar melhor com este assunto?
SC: Se quiser o nosso apoio e assessoria, o Governo terá de pedir ao MDM e ao seu líder [Daviz Simango] para encontrar soluções para repelir os terroristas em Cabo Delgado. Se há egoísmo por parte do Governo, que pensam que são eles que mandam, o resultado é o que está a acontecer, quer na região centro, quer no norte do país.
DW África: Nunca chegou nenhum pedido do Governo ao MDM por causa da situação de Cabo Delgado?
SC: Que eu saiba, nunca chegou.
O desterro forçado dos deslocados em Cabo Delgado
São mais de 450 mil no norte de Moçambique. O terrorismo cortou-lhes as raízes e tomou-lhes o chão. Os deslocados internos procuram vingar noutras paragens. E Pemba tem sido lugar de eleição. Sobreviverão na nova terra?
Foto: Privat
A dor da perda e da impotência
Um olhar que diz mais do que mil palavras, a imagem poderia ser "sem legenda". Foi depois de um ataque à aldeia "Criação", Muidumbe, a primeira investida terrorista ao distrito, em novembro de 2019. Os insurgentes começaram os seus ataques em Cabo Delgado em outubro de 2017.
Foto: Privat
Histórias de vida reduzidas a cinzas
Desde então, a matança e destruição passaram a ser visitas assíduas da região. Como ninguém quer ser anfitrião, os aldeões fugiram. Em finais de outubro, Muidumbe e outros distritos sangraram de novo e a população fugiu. Muidumbe está praticamente nas mãos dos terroristas, tal como Mocímboa da Praia, desde agosto.
Foto: Privat
Quase todos os caminhos vão dar a Pemba
O único desejo destes residentes de Mueda é conseguir um canto no camião para chegar à capital provincial de Cabo Delgado. Mas a disputa entre pessoas e os seus próprios pertences ameaça deixar alguém para trás. Desde meados de outubro, Pemba recebeu cerca de 12 mil deslocados. Inicialmente, recebia à volta de mil deslocados por dia.
Foto: Privat
Quando o mato passa a ser melhor que o lar
Para muitos em Cabo Delgado, ter um teto deixou de ser sinónimo de segurança. Conseguir manter a vida, mesmo sem casa, passou agora a ser a meta. Os bichos passaram a ser mais cordiais que os irmãos terroristas, as estrelas melhores que o teto e os arbustos melhores que as paredes. Famílias procuram refúgio nas matas, onde caminham por dias dominados pelo medo, sem comida e sem norte.
Foto: Privat
Um abraço amigo em Pemba
Estes deslocados chegam de Quissanga. Mas também chegam à praia de Paquitequete, Pemba, deslocados vindos de vários lugares. Todos tentam escapar ao terror. Muitos fixam-se aqui, onde recebem apoio de ONGs, associações, indivíduos e do Governo. Há até quem abra as portas da sua casa para os receber, mesmo não os conhecendo.
Foto: Privat
Crise humanitária faz brotar solidariedade infinita
A falta de quase tudo faz despertar solidariedade que chega de todo o lado. Para quem está longe, uma angariação de fundos e bens materiais é a opção. Já cuidar dos deslocados na praia de Paquitequete, atendendo-os nas suas necessidades, é o que faz quem está no terreno. Na praia, há jovens que chegam de madrugada para dar amor a quem precisa.
Foto: Privat
Uma fuga rodeada de perigos
O medo é tanto que nem a sobrelotação parece intimidar os deslocados internos. No começo de novembro, mais de 40 pessoas morreram a tentar chegar a Pemba num naufrágio entre as ilhas do Ibo e Matemo.
Foto: Privat
Pemba a rebentar pelas costuras
O "boom" de deslocados é tão grande que o sistema de serviços básicos para a população, como água e saneamento, está no limite. Antes desta nova vaga de deslocados, a capital de Cabo Delgado tinha 204 mil habitantes. Agora, tem mais de 300 mil.
Foto: DW/E. Silvestre
Começar nova vida noutro chão
O Governo criou um comité de gestão para esta crise humanitária. Afirma que está a criar novas aldeias, centros de reassentamento, infrastruturas e a parcelar terras para acomodar os deslocados. Embora esteja garantida a segurança, as suas raízes estão noutro chão.
Foto: Privat
Que futuro?
Por enquanto não há resposta. Mas há deslocados que se vão "desenrascando" para sobreviver. Muitos dizem que não querem viver de mão estendida. Por exemplo, quem tem barco vai à pesca ou trasporta mercadorias. Outros entretêm-se a jogar futebol. Vão cuidando das suas vidas. Mas para os que não têm alternativas, que são a maioria, correrão riscos de entrar para o mundo do crime?