Segurança da Kenmare acusada de violar direitos humanos
Sitoi Lutxeque (Nampula)
5 de setembro de 2018
Várias pessoas têm sido perseguidas e espancadas alegadamente por seguranças da Kenmare, que explora areias pesadas na província de Nampula, segundo a ONG Solidariedade Moçambique. A multinacional nega as acusações.
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A Solidariedade Moçambique está preocupada com o recrudescimento das violações dos direitos humanos em Topuito, no recém-criado distrito de Larde, província nortenha de Nampula. Segundo a organização, tem havido perseguição e espancamento de cidadãos na região por parte de seguranças da Kenmare, que controlam a exploração clandestina de minerais.
E já há mortes entre a população, afirma António Mutoa, diretor-executivo da organização que opera no norte de Moçambique: ''Trabalhamos com o Governo e as empresas para ver até que ponto os direitos humanos têm sido acautelados na exploração dos recursos minerais."
E Mutoa revela: "Infelizmente, há dois meses, em Topuito fomos surpreendidos com o baleamento mortal de duas pessoas daquela comunidade e isso nos constrangeu bastante. Na comunicação que tivemos com a própria empresa [para saber as causas] é que soubemos que membros das Forças Armadas estavam em patrulha na mineração''.
ONG indignada
O diretor questiona por que motivo uma empresa privada é guarnecida pelas Forças de Defesa do país, violando igualmente as convenções internacionais. E assegura que já pediu a intervenção urgente das entidades competentes para pôr fim à violência.
''Nós falamos com a Comissão Nacional dos Direitos Humanos e falamos também com a quinta comissão da Assembleia da República, porque nós estamos indignados. Esperávamos que a exploração de recursos minerais não fosse uma maldição, porque até este ponto para nós é complicado'', lamentou.
A Kenmare nega as alegadas perseguições e os espancamentos, mas admite uma morte na região. No entanto, diz que os seguranças da empresa não são responsáveis pelo que aconteceu.
Regina Macuacua é a responsável pela área social da mineradora, que explora areias pesadas no distrito há cerca de dez anos: "Nós não espancamos ninguém na comunidade, é uma pura mentira. Tivemos incidentes, sim, de segurança que foram devidamente comunicados e foram envolvidas as próprias comunidades e a Polícia, mas não há nenhum espancamento. Infelizmente, não sabemos onde é a que a Solidariedade foi buscar essas informações."
Mas Macuacua reconhece que "houve sim, infelizmente, um incidente em que foi baleada uma pessoa pelos militares e é um assunto conhecido e outro cidadão faleceu a fugir, estava a roubar combustível''.
Há mesmo militares a fazerem patrulha
Segurança da Kenmare acusada de violar direitos humanos
Mas há, de facto, militares a patrulhar as áreas de exploração da mineradora? Foi o que a DW África perguntou à responsável dos assuntos sociais da multinacional Kenmare.
''Temos seguranças nossos que são contratados na própria comunidade e que não têm sequer armas, os militares estão lá, não guarnecem as instalações da empresa, eles estão lá na base de um acordo assinado com a empresa [e o Ministério da Defesa Nacional] por causa dos problemas de pirataria que houve e, por isso, o Ministério da Defesa deslocou alguns dos seus efetivos justamente para olhar por estas questões'', conta Macuacua.
Por seu turno, Zacarias Nacute, porta-voz da Polícia, assume que "a Polícia da República de Moçambique a nível da província de Nampula já teve conhecimento da ocorrência de alguns casos de homicídio naquela região. No entanto é prematuro avançar que sejam casos perpetrados pela segurança da empresa Kenmare, mas a Polícia já está a investigar o caso e temos agentes a trabalhar no mesmo e assim que tivermos os resultados havemos de solicitar aos órgãos de comunicação socia para o devido esclarecimento''.
As riquezas minerais de Nampula
Em Moma, a província moçambicana de Nampula tem algumas das maiores reservas de areias pesadas do mundo, das quais se podem extrair minerais como a ilmenite, o zircão e o rutilo.
Foto: DW/Petra Aschoff
Cadeia de riquezas minerais
Em Moma, a província moçambicana de Nampula tem algumas das maiores reservas de areias pesadas do mundo, das quais se podem extrair minerais como a ilmenite, o zircão e o rutilo. As areias pesadas da região são parte de uma cadeia de dunas que se estendem desde o Quénia até Richards Bay, na África do Sul. Em Moma, exploram-se os bancos de areia de Namalote e as dunas de Topuito.
Foto: Petra Aschoff
Areias para diferentes indústrias
Unidade de lavagem de areias pesadas da mineradora irlandesa Kenmare, um dos chamados "megaprojetos" estrangeiros em Moçambique. A ilmenite, o zircão e o rutilo, extraídos das areias, são usados, respetivamente, na indústria de pigmentos, cerâmica e na produção de titânio. O rutilo, um óxido de titânio, é fundamental para a produção do titânio usado para a construção de aviões.
Foto: Petra Aschoff
Lucro após prejuízo
Os produtos são transportados através de um tapete rolante até um pontão no Oceano Índico. Segundo media moçambicanos, a extração de areias pesadas na mina de Topuito, em Moma, resultou num lucro de 39 milhões de dólares no primeiro semestre de 2012. No mesmo período de 2011, a empresa registou prejuízo de 14 milhões por causa da baixa dos preços devido à crise económica mundial.
Foto: Petra Aschoff
Problemas trabalhistas?
O semanário moçambicano Savana repercutiu, em outubro de 2011, a decisão do ministério do Trabalho de suspender 51 trabalhadores estrangeiros em situação ilegal na Kenmare. Segundo o Savana, na mesma altura, a Inspeção Geral do Trabalho descobriu que 120 trabalhadores indianos estavam para ser recrutados pela Kenmare. O recrutamento foi cancelado.
Foto: Petra Aschoff
Mudança de aldeia
Para poder explorar as areias pesadas em Nampula, entre 2007 e 2010 a mineradora irlandesa Kenmare transferiu as moradias de centenas de pessoas na localidade de Moma, no norte do país. A empresa prometeu acesso à água, casas melhores e postos de saúde. Na foto, nova escola primária para a população local.
Foto: Petra Aschoff
Acesso à água
Em 2011, o novo bairro de Mutittikoma, em Moma, ainda não tinha um poço d'água. Esta é transportada até o vilarejo com um camião cisterna. O acesso à água também é garantido com uma tubulação que a Kenmare instalou ali. Porém, como a mangueira só deixa correr um fio d'água, as mulheres que vêm buscá-la esperam no sol durante horas a fio para encher baldes e recipientes.
Foto: Petra Aschoff
Responsabilidade social
Uma casa construída pela Kenmare para a população desalojada por causa da exploração das areias pesadas em Moma. No início de setembro, Luísa Diogo, antiga primeira-ministra de Moçambique, disse que o país deve estar "muito atento" para que os grandes projetos de recursos naturais – como carvão e gás – beneficiem as populações. Ela também defende renegociação de contratos multinacionais.
Foto: Petra Aschoff
Em busca do brilho
Para além das areias pesadas, o solo da parte sul da província moçambicana de Nampula oferece mais riquezas. Na foto: garimpeiros à procura da pedra preciosa turmalina em Mogovolas. Os garimpeiros recebem cerca de um euro por dia para cavar buracos com vários metros de profundidade. As pedras são vendidas a um comerciante intermediário.
Foto: Petra Aschoff
Verde raro
As pedras de turmalina costumam ter várias cores. Uma das mais conhecidas é a verde. Mas existe outro verde precioso que se torna cada vez mais raro em Mogovolas: o da vegetação. Os buracos cavados pelos garimpeiros podem não ter pedras, mas permanecem após a escavação e sofrem erosão. As plantas não são plantadas novamente, apesar de a recomposição da vegetação ser prevista pela lei.