Clemente Boca, ex-presidente do Conselho Municipal da vila de Massinga, no sul de Moçambique, foi condenado a dois anos de prisão e o juíz substituiu a pena pelo pagamento de uma multa.
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Na província de Inhambane, no sul de Moçambique, a condenação do ex-edil Clemente Boca continua a dar que falar e o tema tem gerado polémica uma semana depois de ter sido conhecida a decisão do tribunal.
Clemente Boca, antigo presidente do Conselho Municipal de Massinga, e outros dois réus - um vereador e um chefe da contabilidade da instituição - foram condenados no passado dia 28 de dezembro a dois anos de prisão por desviarem mais de dois milhões de meticais, o equivalente a mais de 21 mil euros.
Contudo, o juiz da causa, Carlos Pedro, converteu a pena em multas "à taxa diária de 5% de um salário mínimo da Função Pública" e os réus estão em liberdade.
A decisão não foi pacífica e não caiu no agrado de muitos na província. Enquanto que para alguns o importante é reaver o dinheiro, para outros a justiça foi demasiado branda e o tribunal provincial de Inhambane poderia ter ido mais longe na decisão.
"Ficarem na cadeia não é a solução"
Segundo Inácio Zunguze, residente em Massinga ouvido pela DW África, a população local ficou indignada com a decisão do juiz, na semana passada.
"A população esperava ouvir que ele e seus elementos já estão na cadeia, a pena não deveria ter sido convertida em multa. Ele devia ficar na cadeia. Mas, pelo menos, o nosso dinheiro vai ser recuperado", diz.
Para Rúben Jaime, outro residente de Massinga, recuperar o dinheiro desviado é mesmo o mais importante. "Por mim, as pessoas ficarem na cadeia não é a solução. Vale a pena ficar fora mas pagar o dinheiro. Se ficar na cadeia, depois não paga o que roubou", considera.
"Legislação devia ser mais rígida"
O tribunal justificou a substituição da pena de prisão por multa pelo facto de a condenação não ser superior a dois anos, de acordo com o artigo 112 do antigo Código Penal, que ainda vigorava durante o julgamento.
À DW África, o pesquisador do Centro de Integridade Pública (CIP) Baltazar Fael diz que a legislação devia ser mais rígida e que casos de corrupção devem ser tratados de outra forma.
"Não pode ser aplicada a suspensão da pena, a lei devia ser alterada para não permitir que, neste tipo de crime, se substituam as penas por multas", argumenta.
Henrique Massunda, advogado dos réus condenados, disse que por enquanto não vai remeter qualquer recurso, embora deixe uma ressalva: "Só se eventualmente eles entenderem que deve ser feito recurso, aí tenho de fazer a vontade deles", explica.
O fardo da Covid-19 para as famílias de Inhambane
Milhares de famílias estão a sofrer na província de Inhambane, no sul de Moçambique, desde que eclodiu a pandemia do novo coronavirus. Há pessoas sem emprego, em isolamento, obras paralisadas e os bens escasseiam.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Famílias sofrem por causa da Covid-19
Muitos habitantes da província moçambicana de Inhambane perderam os postos de trabalho por causa da crise provocada pela Covid-19, outros foram dispensados para cumprirem o isolamento social. Por outro lado, há obras paralisadas e faltam vários produtos, principalmente nas zonas rurais. Muita gente está a migrar para as cidades e vilas.
Foto: Luciano da Conceição/DW
A culpa é do coronavírus
Dulce Eugénio, mãe de dois filhos e residente no bairro Sarrene, na cidade de Maxixe, disse que antes da pandemia o negócio corria muito bem, mas depois ficou sem dinheiro: "Consegui comprar o meu terreno e já estava a construir a minha casa de blocos com este pequeno negócio de vender tomates, cebola, pepino e cenoura, mas essa doença veio atrapalhar toda a situação."
Foto: Luciano da Conceição/DW
"Coronavírus trouxe mais fome"
Com o confinamento obrigatório decretado em abril de 2020, a situação da fome agravou em Inhambane. Os cidadãos consideram que a pandemia do novo coronavírus "trouxe mais fome e miséria às comunidades". O desespero continua a imperar.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Viver de hortaliças é para quem pode
Há cada vez mais pessoas desempregadas, muitas famílias tiveram de adaptar as receitas em casa e passaram a consumir mais verduras, por exemplo. Mesmo assim, nem todos conseguem comprar, porque as hortaliças também já começam a escassear. Marta Alberto diz que não foi registada para receber o subsídio da Covid-19, concedido pelo Estado, e pede ajuda.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Produção agrícola em queda
Não é só a pandemia que tem sido um problema. Não tem chovido e muitas pessoas abandonaram a atividade agrícola. Os camponeses pedem ao Estado sementes, que estão cada vez mais caras no mercado. Em Inhambane, nem todos os camponeses vão receber o subsídio de dois mil meticais mensais (cerca de 23 euros) para suprir as suas necessidades durante seis meses.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Abandonada pela família e sem apoio
Joana Cândido foi abandonada pela família. Vivia com os netos, mas, com a pandemia, o filho solicitou aos netos que residissem juntos noutro bairro, deixando assim a idosa à sua sorte. Com problemas na perna e dores constantes na coluna, não lhe é fácil ter três refeições por dia. Afirma que não foi selecionada pelo Instituto Nacional de Ação Social (INAS) para receber o subsídio da Covid-19.
Foto: Luciano da Conceição/DW
"Estamos a sofrer e precisamos de apoio"
Laura Simão foi registada pelo INAS, na cidade de Maxixe, mas ainda não recebeu o dinheiro e afirma não ter comida suficiente. Em situação semelhante estão muitas outras pessoas carenciadas, que foram inscritas mas ainda não receberam os subsídios.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Excluída dos apoios, com a panela vazia
Maria João revela que não foi contemplada pelos apoios da Covid-19. Ficou surpreendida, porque não trabalha, tem filhos a seu cargo e a panela vazia. E pede apoio ao Estado.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Enganar a fome
Teresa António trabalhava como doméstica em Inhambane, numa residência, mas, com a pandemia, teve de deixar de trabalhar para os seus patrões. Agora desempregada, diz que é difícil ter arroz na mesa e, muitas vezes, tem de misturar o arroz com tapioca (farinha de mandioca) para conseguir enganar a fome.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Vender mangas para sobreviver à pandemia
Cândida Maurício fazia venda ambulante no centro da cidade da Maxixe, mas - impossibilitada de continuar o negócio na rua por causa da pandemia - teve de se adaptar. Faz agora revenda de mangas na sua residência, mas soma prejuízos e não recebe apoio do Governo.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Perdeu o emprego com a Covid-19
Com o encerramento dos estabelecimentos comerciais em cumprimento do decreto do estado de emergência, João Saul foi demitido do serviço de guarda. Afirma que a pandemia lhe trouxe efeitos negativos que jamais irá esquecer. Sobrevive com o subsídio que recebe por ser desmobilizado - não superior a 50 euros - valor que considera insuficiente.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Sonho perdido?
Nina Cumbe concluiu o 12º ano de escolaridade em Inhambane, em 2019. Antes da eclosão da pandemia, queria concorrer a uma escola técnica profissional, mas não conseguiu, porque muitos estabelecimentos de ensino tiveram que encerrar com a declaração do estado de emergência no país. Agora, tenta ganhar a vida fazendo tranças a amigas.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Resta fé e esperança
No meio de tanto sofrimento provocado pela pandemia do novo coronavírus, as famílias estão a lutar para superar a crise. Ilda Joaquim, residente de Inhambane, afirma que o confinamento social agravou a maneira de viver e que está a ser difícil adaptar-se às novas medidas. Reza muito para que consiga ultrapassar esta crise, porque está difícil receber apoios.
Foto: Luciano da Conceição/DW
À espera de dias melhores
Antes da chegada do novo coronavírus, Maria Alberto fazia trabalhos para terceiros e produzia mandioca para fabricar e vender farinha. Hoje, é uma simples dona de casa que deixa as panelas limpas à espera que o marido traga alguma coisa dos seus biscates diários. Lamenta o sofrimento provocado pela Covid-19, mas vive na esperança de que tudo voltará à normalidade.