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SERNIC tutelado pela PGR "parece um pouco perigoso"

14 de maio de 2025

Parlamento deverá apreciar amanhã a proposta de lei para revisão do funcionamento do Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC). Este deverá ser tutelado pela PGR, mas já são apontados eventuais riscos disso.

Generalstaatsanwaltschaft von Mosambik I Procuradoria Geral de Moçambique
Foto: Roberto Paquete/DW

A proposta de lei para a revisão do funcionamento do SERNIC, submetida na última sexta-feira (09.05) pelo Presidente da República, Daniel Chapo, visa, entre outros objetivos, tornar o órgão uma polícia judiciária, conferir-lhe maior autonomia institucional e, talvez o ponto mais marcante, colocá-lo sob a tutela da Procuradoria-Geral da República (PGR).

"Ainda na perspetiva de conferir maior autonomia funcional ao SERNIC, propõe-se o reforço das competências do diretor-geral do SERNIC, atribuindo-se-lhe os poderes que atualmente são do órgão de tutela", lê-se no documento assinado pelo PR. 

A lei em causa é a Nº2/2017, de 9 de janeiro, e o documento justifica o motivo da alteração nos seguintes moldes: "Volvidos alguns anos da atuação do SERNIC no figurino institucional atual, levantaram-se alguns constrangimentos inerentes à sua natureza, organização e funcionamento diante dos desafios de investigação criminal e das mudanças operadas na estrutura do judiciário e da legislação". 

Embora a proposta atenda a uma reivindicação antiga de diversos setores da sociedade, há quem duvide da sua eficácia na resolução dos problemas estruturais que afetam o organismo. Em entrevista à DW, o jurista João Nhampossa argumenta que, antes de qualquer reforma, é imprescindível combater a corrupção que permeia as instituições envolvidas.

Nhampossa sublinha ainda o crescente descrédito do SERNIC, intensificado pelas violações de direitos humanos registadas durante os protestos pós-eleitorais. 

João Nhampossa, advogadoFoto: Amós Zacarias

DW: Pela primeira vez Daniel Chapo está a ser aplaudido pelos críticos por esta decisão há muito desejada...

João Nhampossa: Eu devo admitir que há uma necessidade profunda e muito esperada de transformação na estrutura funcional do SERNIC, da Polícia da República de Moçambique (PRM) no seu todo. Esta ideia de reestruturar é boa. Agora, como se está a reestruturar? Aqui é que temos que parar e refletir. [Além de] ver até que ponto isto vai de acordo com o interesse público, com os interesses de toda a população que muito tem reclamado da Polícia da República de Moçambique, que é vista como a maior cara da violação de direitos humanos no país.

DW África: Quais seriam os ganhos de se ter um SERNIC tutelado pela PGR?

JN: Primeiro, há uma ideia de que há um ganho, porque será um SERNIC mais investigativo, com aquela vertente da PGR, que tem a função de controlo da legalidade, da ação penal. Mas, para mim, aí é que está o problema. Essa prerrogativa da ação penal, de controlar e gerir a ação penal e todas as ações a SERNIC, como um braço integrado na PGR, parece um pouco perigoso, observando a estrutura real que vivemos. É que muito se reclama da polícia, que prende para investigar, que prende arbitrariamente. E a PGR era vista como a garantia dos direitos fundamentais do cidadão, da liberdade e da aplicação da lei.

A PGR tem uma das primeiras funções é garantir a legalidade, o controle da legalidade da PGR, isto é a SERNIC, é a Polícia. Esta prende para investigar, prende arbitrariamente, não leva a cabo como deve ser a sua atividade. Pelo menos tínhamos a possibilidade de recorrer à procuradoria para colmatar essa violação. Mas se casalamos estes dois órgãos e a SERNIC que comete esse erro... Eu não estou a ver a mesma pessoa a resolver o erro que ela própria está a cometer. É como se estivesse a dar "uma carta branca" para o SERNIC continuar a fazer os seus trabalhos que fazia arbitrariamente, dentro de uma PGR que vai ficar um pouco fragilizada. Isso porque a SERNIC pertence a ela própria, está integrada em si mesma.

DW África: E essa esperança de uma Polícia Judiciária que possa, de facto, fazer um trabalho eficiente e sem interferências, então morre na praia, como se diz?

JN: Em termos em termos realísticos, não estamos a criar uma Polícia Judiciária, estamos apenas a integrar no Ministério Público (MP) ou na Procuradoria. Mas ela não vai se transformar automaticamente numa Polícia Judiciária, que é outra coisa, que tem que ter uma outra estrutura, outro funcionalismo. Eu não quero acreditar, até porque não é o que se está a pretender agora. Pode ter essa ideia, mas entendo ser uma falsa ideia de que, ao integrar a SERNIC na PGR, estaremos a criar uma Polícia Judiciária.

DW África: A SERNIC está altamente descredibilizada. Esta é uma simples mudança de tutela que lhe permitiria apenas um "auto-branqueamento" de imagem? 

JN: Acho que é isso. Isto tem de fazer parte de um pacote de reestruturação ou de reformas de toda a administração da justiça. Quero acreditar que é o primeiro passo, mas tem de se ver como isso vai-se articular com os outros órgãos. A própria PGR precisa de ser reestruturda em termos de seriedade e ação. A PGR agora é forte cpntra os fracos e fraca contra os fortes, à semelhança dos tribunais. O que quero dizer com isso? A PGR  de hoje instaura processos criminais, persegue pessoas que não estão ligadas ao partido no poder [FRELIMO], tudo o resto a PGR vai atrás com muita força. Todos os dias, desde que Moçambique entrou em crise eleitoral, com manifestações, quase todos os dias recebemos informações de que a Polícia anda nos bairros a matar e a prender pessoas e não há uma atitude forte da PGR, não há uma atitude forte dos tribunais.

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