Sociedade civil fora do debate sobre Fundo Soberano?
28 de março de 2019
Um futuro Fundo Soberano em Moçambique deve incluir membros da sociedade civil e do setor privado para assegurar a independência de influências políticas, defende o Observatório do Meio Rural (OMR).
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Em entrevista à DW África, João Mosca, diretor-executivo do Observatório do Meio Rural (OMR), uma organização não-governamental moçambicana, defende a participação da sociedade civil, juntamente com o setor privado, o banco central e o Governo, na gestão de um futuro Fundo Soberano em Moçambique para assegurar maior transparência e independência de influências políticas.
DW África: Como a sociedade civil moçambicana deverá participar na gestão desse futuro Fundo Soberano?
João Mosca (JM): Em Moçambique, são necessários mecanismos de checkedand balanced [mecanismos de fiscalização], juntos das instituições de monitorização das instituições públicas e outras acerca da transparência na governação e também na constituição das próprias instituições. Neste caso, o Fundo Soberano poderá vir a ser uma nova instituição junto do Banco Central de Moçambique. É considerando a situação de não-transparência e de má-governação no que diz respeito a fundos, que a sociedade civil moçambicana, particularmente, o Observatório do Meio Rural, sugeriu que os órgãos sociais do Fundo Soberano sejam constituídos por uma variedade de agentes económicos, sociais e da sociedade civil, de forma a evitar, tanto quanto possível, essa possibilidade de acontecer situações de não-transparência em termos de má utilização dos recursos de todo país. Esse é basicamente o nosso ponto de partida para fundamentar a importância do Fundo Soberano ter nos seus órgãos sociais diferentes instituições representativas e de várias segmentações da sociedade.
DW ÁFRICA: Quais são as bases que norteiam a criação do Fundo Soberano em Moçambique?
JM: Por enquanto não existe nada de concreto. A primeira discussão foi feita na terça e naquarta-feira (26/27.03). A sociedade civil foi convidada, parcialmente, apenas para discussões técnicas e nós, o Observatório do Meio Rural e o Centro de Estudos Económicos e Sociais, recusamos esse convite, porque, primeiro, recebemos um convite para dois dias, depois disseram que era só para um dia para discussões técnicas. Recusamos essa mudança no convite. Portanto, não existem ainda coisas concretas. Já fizemos uma proposta na qual justificamos a possibilidade de criação de um Fundo, como poderia ser gerido, quais seriam as hipotéticas possibilidades de uso dos recursos que teriam peso na economia e sociedade moçambicana e permitir uma boa e transparente utilização dos recursos. Também alertamos para alguns riscos que poderão acontecer.
DW ÁFRICA: Quais são medidas que se deve tomar para evitar maus exemplos de outros países na gestão do Fundo Soberano? Há esse risco em Moçambique?
JM: A Sociedade Civil está a lançar um debate público que começou esta semana. Não sei que dimensão este debate poderá vir a ter. O Centro de Integridade Público (CIP) também está envolvido e cidadãos individuais com conhecimento neste assunto. Para já, sentimos algum encerramento por parte do Banco de Moçambique para abertura do debate às organizações de solidariedade civil, daí termos sido convidados de uma forma restrita. Por outro lado, o Presidente da República, Filipe Nyusi, no seu discurso inaugural de workshops sobre o Fundo Soberano, manifestou a sua preocupação no que refere exatamente a esse ponto dos desvios de fundos e a sua gestão. Referiu-se a isso de uma forma absolutamente clara e direta. Naturalmente, sendo Moçambique e Angola países que têm situações e problemas semelhantes quanto a questões de transparência e de governação, partidarização das instituições etc., esse risco está também em Moçambique. Agora, é importante que antecipadamente os mecanismos de check and balance e de monitorização de diferentes organizações junto do fundo, e particularmente junto do Banco de Moçambique, sejam estruturados para que isso possa ser evitado o quanto antes possível.
Moçambique: Sociedade civil fora dos debates para criação de Fundo Soberano?
DW ÁFRICA: Quem está a impedir a participação da sociedade civil, Governo ou Banco de Moçambique?
JM: O Banco de Moçambique impôs está restrição. O Governo é da opinião que o debate seja alargado à sociedade civil. Inicialmente, não havia alguma previsão da participação da sociedade e foi através do ministro da Economia e Finanças que foram conseguidos os convites, embora restritos. Num posicionamento conhecido nesta quarta-feira (27.03.) sobre a matéria, assinada pelo seu diretor-executivo, o economista João Mosca, o Observatório do Meio Rural assinala que um fundo soberano alimentado por receitas dos recursos minerais, nomeadamente gás natural, deverá ser composto por elementos da sociedade civil, setor privado, banco central e Governo. As funções de gestão do fundo devem ser realizadas por entidades subcontratadas e independentes, deixou claro o Observatório do Meio Rural. O fundo deve prestar contas publicamente perante a sociedade, sujeitar-se a um controlo democrático e responder a questões colocadas por instituições públicas, privadas, sociedade civil e pessoas singulares.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.