ONG querem regulador da comunicação social independente
Leonel Matias (Maputo)
11 de fevereiro de 2021
Sociedade civil moçambicana defende que entidade reguladora da comunicação social não deve ser tutelada pelo Governo. Parlamento aprecia nova proposta de lei.
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A nova proposta de lei em discussão remete ao Governo moçambicano a definição das atribuições, competências, organização e funcionamento da entidade reguladora da comunicação social.
No entanto, um grupo composto por seis organizações da sociedade civil considera que tal facto "coloca em risco os princípios de independência e separação de poderes, bem como de natureza constitucional do órgão de regulação", lê-se numa lista de contribuições submetida esta quinta-feira (11.02) ao Parlamento.
"Penso que é preciso insistir muito para que seja a Assembleia da República a criar este órgão regulador, para não permitir que haja qualquer tipo de tutela sobre este órgão", adverte Baltazar Fael, investigador do Centro de Integridade Pública (CIP), que frisa que não existe em Moçambique nenhum regulador que seja independente, uma vez que todos são tutelados por um ministro.
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"Grave recuo num direito fundamental"
O presidente do Instituto para a Comunicação Social da África Austral - MISA Moçambique, Fernando Gonçalves, manifesta preocupação pelo facto da proposta de lei da comunicação social omitir algumas disposições da atual lei de imprensa, que emanam da Constituição da República.
"Os órgãos de informação do setor público cumprem as suas obrigações livres de ingerência de qualquer interesse ou influência externa que possa comprometer a sua independência e guiam-se na sua atividade por padrões de alta qualidade técnica e profissional", cita Fernando Gonçalves.
O presidente do MISA Moçambique sublinha que esta disposição consta da atual lei porque a Constituição da República estabelece que, "nos meios de comunicação social do setor público, são assegurados a expressão e o confronto de ideias das diversas correntes".
Para este grupo da sociedade civil que agora se insurge, a supressão desta norma na nova legislação constitui, por isso, "um grave recuo num direito fundamental e traduz-se numa flagrante inconstitucionalidade".
Outra preocupação da sociedade civil está relacionada com a carteira profissional, um documento que vai passar a ser obrigatório para o exercício da atividade jornalística.
A proposta do Governo estabelece que compete ao Executivo regulamentar e aprovar a matéria sob proposta das associações socioprofissionais representativas da comunicação social. A sociedade civil considera, no entanto, que a regulação da carteira profissional deve ser por via de uma lei ordinária, por tratar de matérias de direitos fundamentais, e não por via de um decreto governamental.
O grupo propõe ainda que "jornalistas, editores e meios de comunicação não podem ser responsabilizados criminalmente por atos praticados no exercício das suas funções jornalísticas, a menos que tais atos sejam passíveis de processo penal".
Outras propostas
As sugestões em relação à proposta de lei do Governo, já agendadas para apreciação no Parlamento, não ficam por aqui.
A nova legislação prevê, por exemplo, que pelo menos 80% do capital investido nos média locais seja detido por moçambicanos residentes no país e os restantes 20% por estrangeiros. Mas, de acordo com o diretor executivo do MISA Moçambique, Ernesto Nhanale, "esse nível de distribuição de taxas de investimento é um pouco impeditivo para o desenvolvimento sobretudo do setor privado, que é, de facto, uma alternativa para o setor público da comunicação social".
O grupo da sociedade civil considera, no entanto, que há uma convergência de pontos de vista com as propostas de lei do Governo, que as organizações consideram oportunas, apesar da necessidade de se aprofundarem algumas matérias.
Países africanos que mais violam a liberdade de imprensa
Gana é o país africano mais bem classificado no "<i>Ranking</i> Mundial da Liberdade de Imprensa" dos Repórteres sem Fronteiras. A Eritreia é o pior em África e, a nível mundial, só é melhor que a Coreia do Norte.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
Eritreia - posição 179º lugar
A liberdade de imprensa é considerada "não existente". Em 2001, uma série de medidas repressivas contra <i>media</i> independentes levaram a uma onda de detenções. O Presidente Isaias Afeworki é visto como um “predador” da liberdade de imprensa e usa os meios de comunicação nacionais como seus porta-vozes. Escritores, locutores e artistas são censurados e a informação é escondida dos cidadãos.
Foto: picture-alliance
Sudão - 174º lugar
Na capital Cartum, pratica-se a chamada “censura pré-publicação". O Governo detém jornalistas arbitrariamente e interfere abertamente na produção de notícias. A "Lei da Liberdade de Informação de 2015" é vista como uma outra forma de exercer controlo governamental sobre a informação pública. Os jornalistas têm de passar por um teste e obter uma permissão para trabalhar.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Burundi - 159º lugar
Repressão estatal contra a liberdade de imprensa e intimidação de jornalistas é comum no país. <i>Media </i> controlados pelo Estado substituem cada vez mais estações de rádio independentes, depois de a maior parte delas ter sido forçada a fechar, após uma tentativa de golpe de estado há três anos. Centenas de jornalistas fugiram do país desde 2015. Na foto, protesto de jornalistas no país.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
República Democrática do Congo - 154º lugar
Defensores dos <i>media</i> falam em jornalistas mortos, agredidos, detidos e ameaçados desde que Joseph Kabila sucedeu ao pai na presidência do país em 2001. Orgãos de comunicação internacionais queixam-se que o Governo interfere nos sinais de rádio ou corta mesmo a transmissão. Protestos da oposição levaram as autoridades a interromper ou cortar o acesso à Internet.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Suazilândia - 152º lugar
Esta monarquia absoluta tem a reputação de obstruir o acesso à informação e impedir os jornalistas de fazerem o seu trabalho. Os <i>media</i> estão sujeitos a leis restritivas e repórteres são frequentemente chamados a tribunal pelo seu trabalho. Auto-censura é comum. Um editor saiu recentemente do país depois de fazer uma reportagem sobre negócios obscuros ligados ao Rei Mswati III (na foto).
Foto: picture-alliance/dpa
Etiópia - 150º lugar
O Governo tem uma mordaça sobre os órgãos de comunicação e os jornalistas trabalham sobre condições muito restritivas. Com a Eritreia, este país tem uma das mais altas taxas de jornalistas detidos na África subsariana. Na foto, o jornalista etíope Getachew Shiferaw, que foi condenado a 18 meses de prisão por ter falado com um dissidente.
Foto: Blue Party Ethiopia
Sudão do Sul - 144º lugar
Os jornalistas são obrigados pelo Governo a evitar fazer cobertura do conflito. Órgãos de comunicação internacionais denuciaram casos de assédio e foram banidos deste jovem país, onde pelo menos 10 jornalistas foram mortos desde 2011. Na foto, dois jornalistas do Uganda que tinham sido detidos por autoridades no Sudão do Sul.
Foto: Getty Images/AFP/W. Wudu
Camarões - 129º lugar
O Governo chamou às redes sociais uma “nova forma de terrorismo”, e bloqueia frequentemente o acesso às mesmas. Emissões de rádio e televisão foram bloqueadas duas semanas em março, durante o período eleitoral. Jornais que publicam conteúdos que desagradam políticos no poder são banidos e jornalistas e editores são detidos.
Foto: picture alliance/abaca/E. Blondet
Chade - 123º lugar
Os jornalistas arriscam-se a detenções arbitrárias, agressões e intimidações. Nos últimos meses, o Governo tem vindo a reprimir plataformas de <i>social media</i> e ciber-ativistas. A Internet tem estado bloqueada no país desde 28 de março, no seguimento de um “apagão” da Internet devido a manifestações da sociedade civil e protestos dos órgãos de comunicação num chamado “dia sem imprensa”.
Foto: UImago/Xinhua/C. Yichen
Tanzânia - 93º lugar
Críticos dizem que o Presidente John Magufuli tem vindo a atacar a liberdade de expressão deliberadamente, desde que tomou posse em 2015. Jornalistas foram presos ou dados como desaparecidos. Orgãos de comunicação social foram fechados ou impedidos de publicar durante longos períodos de tempo. Leis que podem ser usadas contra os <i>media</i> foram apertadas.