Moçambique deve aplicar verbas do FMI na proteção social
Leonel Matias (Maputo)
12 de outubro de 2020
Fórum de Monitoria do Orçamento defende que o Governo de Maputo deve apoiar as famílias mais vulneráveis com verbas do novo alívio da dívida ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
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Moçambique vai beneficiar da segunda tranche do alívio da dívida - cerca de 13,4 milhões de dólares - ao Fundo Monetário Internacional por um período de seis meses.
A primeira tranche, igualmente de seis meses, é relativa ao período de 14 de abril a 13 de outubro de 2020. Em comunicado, o FMI esclarece que o perdão da dívida foi decidido no âmbito do fundo fiduciário para o alívio e contenção de catástrofes, visando ajudar o país a lidar com o impacto da pandemia da Covid-19.
Adriano Nuvunga, coordenador do Fórum de Monitoria do Orçamento, uma plataforma da sociedade civil que conta com mais de 20 organizações, considera este perdão "importantíssimo".
"Se Moçambique tivesse que tirar esse dinheiro para fazer o pagamento, estaria com a situação de contas muito mais complicada", garante.
Famílias vulneráveis sem apoios
Para Adriano Nuvunga, o donativo deverá ser alocado prioritariamente aos apoios sociais. "Tem que se encontrar maneira de dar Bolsa Família às pessoas mais vulneráveis, às famílias mais carenciadas. Desde que a Covid-19 se abateu sobre o país, [estas famílias] não tiveram qualquer tipo de apoio ou qualquer tipo de assistência", adverte o ativista.
Moçambique ultrapassou no domingo (11.10) um total de 10 mil casos positivos cumulativos da Covid-19, com 72 óbitos contabilizados, até esta segunda-feira. Por outro lado, milhares de trabalhadores ficaram desempregados por causa da pandemia que obrigou ao encerramento total ou parcial de várias empresas.
Adriano Nuvunga critica a forma como estão a ser geridos os fundos alocados ao país para ajudar a lidar com o impacto da Covid-19. "O dinheiro que, neste momento, foi doado, mesmo aquele que se obteve através de empréstimo do FMI, está a ser utilizado de forma corrupta", repreende. "A modalidade do ajuste direto que foi contratada e a falta de transparência está a propiciar grande corrupção ao nível dos principais ministérios", alerta. "O Ministério da Saúde e Ministério das Obras Públicas são aqueles que tem os grandes valores", acrescenta.
Desde 7 de setembro e por tempo indeterminado, Moçambique está em estado de calamidade pública, o que permitiu a reabertura de vários serviços, depois de quatro meses em estado de emergência.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)