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Moçambique: Zambeze arrasta 1.400 toneladas de culturas

Lusa
15 de novembro de 2020

Autoridades estimam que 559 famílias do distrito de Mutarara, na província de Tete, tenham sido afetadas. Agricultores continuam a arriscar cultivar em zonas de cheias por uma questão de sobrevivência.

Foto de arquivo (2008): Cheias no Vale do ZambezeFoto: picture-alliance/dpa/L. Bandeira

As autoridades moçambicanas estimam que se perderam 1.400 toneladas de diversas culturas agrícolas no centro do país, devido à subida do nível do rio Zambeze, após descargas anunciadas da barragem de Cahora Bassa, disse este domingo (15.11) à agência de notícias Lusa fonte oficial.

Os avisos que uma entidade oficial diz ter feito, parece não terem chegado a outra e, no final, centenas de famílias perderam o resultado da agricultura de subsistência - forma de vida da maioria dos moçambicanos. A insistente ocupação de zonas de cheia pela população é um problema antigo e a luta para as convencer a procurar outros locais repete-se todos os anos, mas sempre sem os resultados ideais.

"Quando abriram as comportas da barragem, as famílias foram apanhadas de surpresa: elas não tiveram como ir lá recolher toda a produção", disse Adérito Taminho, chefe da repartição de agricultura e pesca da Inspeção Nacional de Atividades Económicas (INAE) em Mutarara, província de Tete, interior centro de Moçambique.

Segundo aquele responsável, a abertura, desde outubro, das comportas da barragem, fez subir as águas, que retomaram as terras que periodicamente inundam quando o rio ganha corpo. O caudal subiu e, na sequência, as águas destruíram cerca de 640 hectares de culturas, entre milho, feijão e hortícolas, que correspondem a cerca de 1.400 toneladas de produtos.

A situação afetou 559 famílias do distrito de Mutarara, na província de Tete, que têm na agricultura a sua base de sobrevivência.

Barragem de Cahora BassaFoto: DW/M. Barroso

Atraso na comunicação

De acordo com a INAE, os gestores da bacia do Zambeze têm emitido comunicados para alertar aos agricultores, mas "desta vez [o comunicado] atrasou-se e a hidroelétrica, dentro do seu programa, abriu as comportas".

"O comunicado chegou depois do ocorrido. A maioria das famílias ainda tem algo para consumir, mas não será suficiente para aguentar até a próxima colheita", lá para abril de 2021, referiu.

O diretor geral da Administração Regional de Águas (ARA) do Centro, entidade que gere a bacia do Zambeze, disse à Lusa que o comunicado foi enviado "com muita antecedência". Custódio Vicente referiu que se trata "de uma operação regular e necessária", feita antes da época chuvosa, para aumentar a "capacidade de encaixe" da barragem.

"Duas semanas antes das descargas, em setembro, houve um trabalho de aviso e sensibilização à comunidade de que haveria esta operação. Anualmente fazemos [as descargas] para garantir que a barragem consiga suportar qualquer onda de cheias que venha a ocorrer", referiu.

A técnica segue um princípio simples: ganhar espaço, de antemão, quando a época das chuvas está a começar - decorrendo de outubro a abril. "Temos de evitar que os eventos coincidam, isto é, evitar que quando estiverem a ocorrer chuvas intensas também estejamos a fazer descargas, pois os impactos seriam muito maiores", acrescentou.

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Arriscar para sobreviver

Segundo Custódio Vicente, a comunidade desenvolve a agricultura ao longo do rio, em período seco, uma atividade que não devia ocorrer naquela região. "As referidas atividades [agrícolas] são feitas dentro do leito do rio e quando se abrem as comportas há essas consequências. A água está dentro do seu espaço e temos de nos habituar a dar espaço ao leito, ao rio", concluiu.

Várias autoridades provinciais, sobretudo no norte e centro do país, têm desenvolvido ações de sensibilização desde outubro para remover residentes em zonas de cheia dos principais rios moçambicanos. O atual período chuvoso, que começou a 1 de outubro, matou 22 pessoas e outras 16.057 foram afetadas, segundo dados anunciados pelo Governo.

Muitas famílias moçambicanas arriscam cultivar em zonas de cheias, junto aos principais rios, por uma questão de sobrevivência, explicaram à Lusa as autoridades que iniciaram novas ações de sensibilização para saída de locais de risco devido à nova época chuvosa.

A situação afeta sobretudo o centro e norte do país e as famílias que até acatam as recomendações, geralmente retornam às zonas de cheias para praticar a agricultura de subsistência - atividade da maioria da população do país.

Tem sido sempre assim, mesmo depois dos ciclones (Idai e Kenneth) que mataram quase 700 pessoas em 2019, disse hoje à Lusa fonte oficial. "Grande parte das famílias foram retiradas nos anos anteriores e já conhecem o histórico de ocorrência de determinados fenómenos, como cheias, naquelas zonas. As famílias já sabem, mas voltam porque é a base da sua subsistência", disse Nelson Ludovico, delegado do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) na Zambézia.

"Mesmo com o reassentamento, na época seca eles estão lá", nas zonas de risco. 

Os agricultores até ficam "de forma quase permanente naquelas regiões e não é possível evitar, porque é onde tem a base de subsistência", referiu Alberto Armando, delegado do INGC em Nampula.

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