A TotalEnergies afirma que nunca foi informada de alegados homicídios cometidos por militares moçambicanos contra civis em 2021 junto ao projeto de exploração de gás natural que está a construir em Cabo Delgado.
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Em causa está um artigo divulgado na quinta-feira (26.09) no POLITICO, que denuncia abusos dos direitos humanos, em 2021, e homicídios cometidos por militares moçambicanos contra civis naquela província no norte do país.
Na resposta da multinacional francesa, a que a Lusa teve acesso, é referido que na sequência dos ataques terroristas na região foi feita evacuada Afungi, local do projeto, a 50 quilómetros da vila de Palma - atacada por terroristas de 24 de março a 05 de abril de 2021 - de todo o pessoal da companhia e das empresas subcontratadas, a partir de 27 de março de 2021.
Acrescenta que até novembro desse ano, naquelas instalações, após a retirada de 2.500 pessoas, não ficou presente nenhum trabalhador do consórcio Mozambique LNG, que a TotalEnergies lidera - que prevê um investimento de 20 mil milhões de dólares (17,9 mil milhões de euros) para exportar gás natural, parado desde 2021 -, e que o local ficou "sob o controlo das forças públicas de segurança de Moçambique".
No artigo do POLITICO é relatado que civis que tentavam escapar de um confronto entre os militares e os insurgentes afiliados ao braço africano do autoproclamado Estado Islâmico do Iraque e da Síria foram acusados de serem milicianos.
Os crimes terão sido cometidos no verão de 2021 e alegadamente os militares torturaram os homens de uma povoação, retendo-os em contentores de carga, onde os militares os "sufocaram, deixaram à fome, torturaram e finalmente mataram", sobrevivendo apenas 26 de um grupo que deveria ter entre 180 e 250 pessoas, segundo o POLITICO.
A petrolífera francesa refere que "durante o período entre abril e novembro de 2021, apesar de não ter presença física em Afungi", a Mozambique LNG manteve uma "comunicação próxima com as autoridades locais", com 1.200 chamadas telefónicas para líderes das comunidades e outros elementos locais, sendo que "em nenhum desses contactos foram descritos os eventos relatados".
A TotalEnergies acrescenta que, após os ataques terroristas em Palma, a Mozambique LNG "prestou ajuda de emergência e apoio humanitário às comunidades locais, através de ONG locais".
"Cerca de 400 toneladas de ajuda humanitária foram distribuídas às comunidades afetadas e aos deslocados internos (PDI) após os ataques e ao longo de 2021. Além disso, mais de 320 toneladas de alimentos foram distribuídas às PDI na área de Mocímboa da Praia e Afungi, e cerca de 200 toneladas de alimentos foram distribuídos aos centros de deslocados internos na parte sul da província (...) Foram distribuídas mais de 277 mil refeições a famílias vulneráveis nas áreas de Palma e Afungi".
"Durante este período, o Mozambique LNG manteve comunicações regulares com as ONG envolvidas nos programas de apoio comunitário e os alegados eventos nunca foram colocados", sublinha a informação.
A Comissão Europeia anunciou no sábado (28.09) que pediu "elementos de clarificação" por parte das autoridades de Moçambique sobre estas alegações.
"Aguardamos elementos de clarificação por parte das autoridades de Moçambique", disse à Lusa um porta-voz do executivo comunitário.
Sem colocar em causa a missão da União Europeia (UE) para instruir militares moçambicanos, a mesma fonte adiantou que o bloco político-económico "vai bater-se sempre pelo respeito pelos direitos humanos em Cabo Delgado".
A mesma fonte acrescentou que a missão de instrução de militares promovida pela UE, que é liderada por Portugal, a partir de Maputo, apenas começou em 2022, já depois dos acontecimentos denunciados.
No entanto, na missão de instrução da UE "a proteção da população civil e o cumprimento da lei humanitária internacional são pedras basilares", e é também um "elemento essencial do diálogo político com Moçambique".
O porta-voz reconheceu que até ao início da missão da UE não havia instrução dos militares sobre a proteção dos direitos humanos e do cumprimento da lei humanitária internacional, acrescentando que essa abordagem "foi recebida com apreço".
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.