Moçambique: Trabalhadores relatam abusos em empresas de Tete
Jovenaldo Ngovene (Tete)
9 de novembro de 2022
Várias empresas privadas em Tete, no centro de Moçambique, são acusadas de cometer irregularidades contra os seus funcionários. Apesar das denúncias, os empregadores dizem ser problemas ultrapassados.
Publicidade
O secretário executivo da Organização Moçambicana dos Trabalhadores em Tete, Gento Joia, faz a menção de algumas irregularidades que assolam o tecido empresarial da província do centro de Moçambique.
"Existem contratos precários, regista-se a não obediência das formalidades legais nas rescisões dos contratos, empresas que admitem trabalhadores estrangeiros fora do âmbito de quota ou mesmo no âmbito de quota, mas ultrapassando o número, então isto não pode acontecer. É preciso sempre pegar na lei para poder admitir com enquadramento na lei laboral, existem empresas que devem ao instituto de segurança social", relata.
Recentemente a ministra do Trabalho e Segurança Social, Margarida Talapa, visitou a província, onde chamou a atenção para uma ilegalidade.
"Temos conhecimento de que há empresas que exigem testes de HIV-SIDA no recrutamento dos trabalhadores. Isto é contra lei", afirmou a ministra, ressaltando que "não se pode exigir a nenhum trabalhador um teste de HIV".
"E se tivermos dentro da empresa um funcionário que tenha HIV-SIDA, a obrigação da empresa é criar condições para podermos ajudar a esse trabalhador. Caros empresários, evitem exigir requisitos que não vêm na lei", apelou Talapa.
Irregularidades
Vários colaboradores, na sua maioria das empresas do ramo da mineração, foram contactados pela DW, mas recusaram gravar entrevista para protegerem os seus empregos, apesar de reconhecerem as injustiças.
Marcos Alberto, nome fictício de um antigo colaborador da mineradora Vulcan, que aceitou falar à DW, contou que há quatro meses integrou o grupo que protagonizou uma greve na empresa. Depois disso, ele e boa parte dos seus colegas foram obrigados a rescindir dos contratos devido à participação nas manifestações. O despedimento forçado levou-o a juntar-se a uma outra empresa que presta serviços à mesma mineradora.
Há uma semana, ele e vários companheiros de trabalho foram impedidos de trabalhar sem nenhuma explicação e mais uma vez vê a sua situação laboral instável. "Por enquanto paramos assim, ainda estamos a ver o que podemos fazer, se dá para levantarmos um processo porque não faz sentido, o problema é que não estão a falar o porquê", lamenta.
O boom do carvão em Moçambique
05:11
Apesar das queixas, Leonardo Cherida, da Vulcan, diz que o atual clima é satisfatório. "De forma resumida, estamos num ambiente tranquilo e estável e temos estado a trabalhar no dia-a-dia para entender e trabalhar em qualquer ponto que vem surgindo".
Publicidade
Ajuda aos trabalhadores
O representante da Confederação Das Associações Económicas de Moçambique (CTA) em Tete, Hermínio Nhantumbo, diz que existem poucos casos problemáticos a envolver colaboradores e empregadores, e diz que há abertura para qualquer situação que careça da sua intervenção.
Nhantumbo encoraja "as empresas a se filiarem na CTA, porque agora estamos dotados de um leque de serviços para ajudar na resolução dos problemas".
O jurista Roberto Aleluia lamenta a ação das empresas, mas atira a culpa à Inspeção Geral do Trabalho ao nível da província de Tete.
"Para acabar com isso, precisamos de uma inspeção de trabalho que faça o seu verdadeiro trabalho, que é de fiscalizar o cumprimento da legislação laboral nas empresas e não uma inspeção que a cada fim do mês vai para lá receber propinas", defende.
A DW contactou a Inspeção Geral do Trabalho nesta província, mas não obteve qualquer posicionamento da instituição.
Faces de Tete e do carvão de Moçambique
A vida mudou na província de Tete desde a chegada de empresas multinacionais para explorarem o carvão. Os ventos da mudança trouxeram, para alguns, oportunidades para melhorar de vida; para outros, novas preocupações.
Foto: DW/Marta Barroso
Coque, o trabalhador
Coque tem 28 anos. Trabalha há quatro anos na empresa mineira britânica Beacon Hill. Lá, amarra lonas nos camiões que transportam o carvão até ao vizinho Malawi. Tal como muitos jovens na região, dantes Coque fabricava tijolos que vendia no mercado local. Mas hoje, diz, vive melhor. Por camião recebe 800 meticais, cerca de 20 euros, que divide com o colega que estiver com ele no turno.
Foto: Marta Barroso
Paulo, o diretor de operações da Vale
Apesar dos enormes incentivos fiscais de que gozam as empresas dos megaprojetos em Moçambique, como a brasileira Vale, Paulo Horta diz que um projeto de mineração como o de Moatize gera uma cadeia produtiva tão grande que a população local beneficia em grande medida com a sua vinda para Tete: através da criação de outras empresas, serviços, tributos gerados por terceiros e criação de empregos.
Foto: DW/Marta Barroso
Gomes António, vítima de maus tratos
Gomes António Sopa foi espancado e detido pela polícia na sequência da manifestação de 10 de janeiro de 2012, quando os habitantes de Cateme bloquearam a passagem do comboio que transportava carvão das minas até ao porto da cidade da Beira. Muitas das promessas feitas pela Vale, responsável pelo reassentamento de centenas de famílias, continuam por cumprir. Ainda hoje, Gomes António sente dores.
Foto: Marta Barroso
Duzéria, a curandeira
Os habitantes do Centro de Reassentamento de 25 de Setembro, no distrito de Moatize, queixam-se de que muitos aspetos culturais não foram respeitados durante o processo de reassentamento pelas empresas mineiras. A curandeira do bairro, por exemplo, diz que no planeamento do complexo não se teve em conta a construção de uma casa para o seu espírito.
Foto: Marta Barroso
Lória, a rainha
Provavelmente Lória Macanjo e a sua comunidade deverão ser reassentadas brevemente: a multinacional Rio Tinto está já a operar um mina de carvão em Benga, perto da sua aldeia, Capanga. Também aqui, debaixo da terra que herdou do pai, a empresa mineira descobriu carvão. Mas a rainha sabe do destino dos que já se mudaram e recusa-se a deixar a sua casa.
Foto: DW/Marta Barroso
Olivia, a cabeleireira
Olivia (esq.) tem 29 anos e veio em 2008 do seu país, o Zimbabué, fugindo à crise financeira que lá se vive. Tete é agora a terra das grandes oportunidades, tinham-lhe dito. Hoje, é cabeleireira no Mercado Primeiro de Maio e, tal como a amiga Faith (dir.) faz trabalhos de manicure. Diz que, por dia, consegue 500 a 1000 meticais, entre 15 e 25 euros. Com esse dinheiro consegue sustentar-se.
Foto: DW/Marta Barroso
Guta, o empresário
Ao todo, Guta emprega 130 homens nas áreas de carpintaria e construção civil na cidade de Tete. Diz que desde a chegada das grandes empresas à região não sentiu grandes alterações no seu negócio. Os projetos de mineração requerem quantidades às quais não consegue responder. Uma vez, conta, a Vale pediu que fornecesse, juntamente com outra carpintaria da cidade, 5000 portas em 60 dias.
Foto: DW/Marta Barroso
Canelo, o vendedor de amendoins
Canelo diz que tem 11 anos. E diz também que frequenta a segunda classe. Todas as tardes vende amendoins no centro de Tete. "Para ajudar a mãe que não tem trabalho." O pai também está desempregado. Canelo é uma de muitas crianças que vendem amendoins na cidade. Um saco pequeno fica por dois meticais, cerca de cinco cêntimos de euro, o maior custa cinco meticais, treze cêntimos de euro.
Foto: DW/Marta Barroso
Catequeta, o ativista
Manuel Catequeta mudou-se para Tete em 2001. O ativista dos direitos humanos sabe o que custa viver com a subida constante do custo de vida. O seu salário não lhe permite luxos. A sala de sua casa "de dia é sala, de noite vira quarto". Mas mudar de casa, para já, está fora de questão. Hoje em dia, uma boa casa na capital provincial passa dos 5.000 dólares, cerca de 4.000 euros, por mês.
Foto: DW/Marta Barroso
Júlio, o otimista
O músico Júlio Calengo vê oportunidades de negócio, agora que em Tete há tantas empresas novas. O seu objetivo é, em breve, montar uma empresa de limpeza: tanto nos escritórios das empresas mineiras como nos das firmas que entretanto apareceram na cidade. Interessados não vão faltar, diz Júlio. O que é preciso é ter criatividade e, claro, dinheiro.