UE prepara programa para desencorajar radicalização
Lusa
15 de outubro de 2020
A intenção da UE é de "encorajar e apoiar o desenvolvimento de uma abordagem integrada para lidar com a violência armada". Terá a chamada "abordagem de três elos".
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A União Europeia (UE) defende uma abordagem alargada aos problemas de violência armada na província moçambicana de Cabo Delgado. O grupo já está a preparar um programa com "o objetivo de desencorajar o recrutamento e a radicalização, e que visa fomentar a coesão social", disse à Lusa um porta-voz do corpo diplomático europeu.
O Serviço Europeu de Ação Externa apontou que o alto representante, Josep Borrell, respondeu na semana passada ao pedido de assistência que lhe foi dirigido em setembro pelas autoridades moçambicanas, dando conta da intenção da UE de "encorajar e apoiar o desenvolvimento de uma abordagem integrada para lidar com a violência armada em Cabo Delgado".
Essa abordagem, precisou esta quinta-feira (15.10) o porta-voz, terá em conta os aspetos humanitário, de desenvolvimento e de segurança, a chamada "abordagem de três elos", e sempre "respeitando os padrões internacionais de direitos humanos e o Estado de Direito".
Projetos com compahias de gás europeias
Lembrando que UE e Moçambique já abriram um diálogo político focado nessas três vertentes, que proporcionará "a oportunidade de discutir opções concretas de assistência", o mesmo porta-voz sublinhou que já está em marcha assistência humanitária e a nível de cooperação ao desenvolvimento para a região de Cabo Delgado, com programas em curso que constituem "pilares importantes da resposta da União Europeia".
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"Entre as ações concretas em curso, há um programa com o objetivo de desencorajar o recrutamento e a radicalização, e que visa fomentar a coesão social", apontou, acrescentando que "o apoio da UE também inclui projetos para a juventude e sociedade civil, para o reforço de capacidades e para a criação de emprego".
A mesma fonte referiu ainda que "está também a ser preparado, com companhias de gás europeias, um projeto de educação e formação vocacional, para garantir que a população local beneficia do desenvolvimento do setor".
Vítimas de ataques em Cabo Delgado em fuga pela vida
01:49
O pedido de Moçambique
A 16 de setembro, a ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Moçambique, Verónica Macamo, escreveu um ofício ao Alto Representante da UE para a Política Externa, Josep Borrell, pedindo apoio na logística e no treino especializado das forças governamentais para travar as incursões armadas de grupos classificados como terroristas em Cabo Delgado.
A resposta europeia chegou às mãos das autoridades moçambicanas a 9 de outubro, através do embaixador da UE em Maputo, Antonio Sánchez-Benedito Gaspar, na qual Josep Borrell confirmou que o bloco europeu vai ajudar o país a fazer face à crise na região de Cabo Delgado.
Antonio Sánchez-Benedito Gaspar explicou na ocasião que a ideia é fortalecer as capacidades de resposta de Moçambique, esclarecendo, no entanto, que "não está na agenda a vinda de militares europeus ao país".
A província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, é palco há três anos de ataques armados desencadeados por forças classificadas como terroristas.
A violência provocou uma crise humanitária com mais de mil mortos e cerca de 250.000 deslocados internos.
Quais as motivações dos ataques armados em Cabo Delgado?
Há mais de nove meses que o norte de Moçambique tem sido palco de violentos ataques armados. Suspeitas há muitas e até já há um estudo, mas até hoje não está claro quem são os atacantes e nem o que os move.
Foto: Privat
Mocímboa da Praia: Era uma vez um lugar pacato...
Até 5 de outubro de 2017 a província de Cabo Delgado vivia na tranquilidade, pelo menos aparentemente. Mas desde essa data tudo mudou quando cerca de 30 homens armados desconhecidos atacaram três postos da polícia do distrito de Mocímboa da Praia, matando cinco pessoas, entre elas polícias, e ferindo mais de dez. Na altura a Polícia disse que estava a investigar o caso.
Foto: DW/G. Sousa
O alastramento dos ataques
Dois meses depois Mocímboa viveu novos ataques e desde essa altura os ataques armados têm vindo a alastrarar-se muito rapidamente para outros distritos. Palma começou a ser alvo a partir de janeiro de 2018.
Foto: DW/Estácio Valoi
Marcha contra um "Islão que não existe"
Uma semana depois do primeiro ataque Mocímboa da Praia marchou pela paz. A iniciativa juntou líderes de diferentes religiões, cristã e muçulmana, estes últimos a maioria na região. Os atacantes, que se dizem muçulmanos, defendem uma visão radical do Islão. As autoridades do distrito consideram que esse é um "Islão "que não existe", e acusam "os bandidos" de usaram a religião como "capa".
Foto: Estácio Valoi
Os indícios que não terão sido tomados a sério
Já em 2016 supostos pregadores do Islão foram expulsos do país por estarem ilegais no país. Também já foi intercetado um angariador de crianças a cujos pais era prometida educação e bons tratos. Mas o destino, passando por Nampula, eram escolas corânicas com o fim de radicalização. Há também detenções de pessoas que propagam a insurgência contra as instituições do Estado.
Foto: Colourbox/krbfss
Detenções e excesso de zelo
Cinco dias após o início dos ataques, a Polícia já tinha detido 52 pessoas, o que assustou alguns líderes religiosos. Mas havia outros líderes que eram a favor, justificando a necessidade de denunciar malfeitores para "purificar fileiras", mesmo que isso leve a excesso de zelo. Mas a Polícia ainda não sabe dizer quem são os atacantes, justificando sempre que está a trabalhar no assunto.
Uma das maiores reservas de gás de mundo está em Cabo Delgado. Em Palma as multinacionais operam no setor. Em Mocímboa da Praia há minas de rubis que são bem cotados nos mercados internacionais. O IESE, MASC e um líder muçulmano realizaram um estudo na sequência dos ataques e concluiram preliminarmente que o objetivo dos atacantes é garantir o tráfico dos inúmeros recursos da região.
Foto: ENI East
Erik Prince, o salvador da pátria?
Empresário norte-americano na área de segurança tem interesses nas empresas envolvidas nas dívidas ocultas. Uma delas a Proindicus, criada para garantir a segurança nas águas moçambicanas. Por outro lado acredita-se que tenha criado uma empresa de segurança e estaria a contar como pagamento pelos serviços os dividendos do gás. Eric Prince já prestou serviços para o Governo dos EUA no Iraque.
Foto: Imago/UPI Photo
Deslocados internos: Existem ou não?
O medo dos violentos ataques fez com que a população fugisse. Mas as autoridades locais garantem que ela regressa às suas comunidades graças à patrulha feita pelo exército e afirmam que são poucas as deslocações. Entretanto, não há números exatos. Quem está a lidar com esses deslocados são as autoridades locais. Até ao momento nenhuma agência da ONU ou ONG humanitária foram chamados a intervir.
Foto: Privat
Participação das FDS na reconstrução
Embora as FDS, Forças de Defesa e Segurança, não consigam impedir as ações dos atacantes elas garantem o patrulhamento depois dos ataques. Também auxiliam diretamente na reconstrução das casas incendiadas pelos atacantes. Isso, segundo as autoridades, permite o retorno da população às suas aldeias.
Foto: Borges Nhamire
Participação das comunidades
Supõe-se que os jovens que integram os grupos armados sejam recrutados nas comunidades. As autoridades pedem, por isso, que as populações se mantenham vigilantes e denunciem qualquer ilícito ou movimentação suspeita.
Foto: Privat
Governador visita comunidades
Os assassinatos tornam-se cada vez mais bárbaros. Há decapitações com recurso à catanas e nem as crianças escapam. Na sequência do recrudescimento dos ataques e do nível de violência o governador da província de Cabo Delgado, Júlio Parruque, visitou familiares das vítimas.
Foto: Privat
Presidente de Moçambique em Cabo Delgado
A 29 de junho de 2018 o Presidente Filipe Nyusi esteve nos distritos alvo dos ataques. Pouco antes disso o estadista tinha sido criticado por alguns setores por nunca se ter pronunciado publicamente sobre os ações violentas. Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção contra ataques e mostrou abertura, convidando os atacantes para dialogar.
Foto: privat
Um mar de gente para ouvir Nyusi
Em Cabo Delgado, Filipe Nyusi foi ouvido por milhares de pessoas a quem exortou para que se distanciem de crenças religiosas que estariam na origem da instabilidade: "Estão a recrutar pessoas nos distritos costeiros. Estão a ir também a Nampula recrutar pessoas para vir morrer aqui. Não deixem que isso aconteça. Estão a semear luto nas vossas famílias. E são jovens que vocês conhecem, denunciem".