O Centro de Integridade Pública (CIP) alerta para o risco de corrupção na atribuição de subsídios às populações carenciadas em Moçambique. Há pessoas a receber apoios em duplicado e cidadãos à espera há vários anos.
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O Centro de Integridade Pública (CIP) teme que as verbas destinadas à proteção social, no âmbito da Covid-19, não estejam a chegar "na totalidade" aos beneficiários mais carenciados. A organização não-governamental (ONG) tem conhecimento de vários casos de má gestão na atribuição do subsídio social básico no distrito de Matutuíne, na província de Maputo, sul do país.
A ONG esteve no terreno a investigar a atribuição de apoios financeiros às populações e encontrou casos de cidadãos que não recebiam ajuda há seis meses. A DW África falou com a investigadora do CIP Celeste Banze, uma das autoras do relatório elaborado pela organização no final da visita ao distrito.
DW África: A que se deve este atraso na atribuição de apoios aos cidadãos mais carenciados?
Celeste Banze (CB): O CIP recebeu a denúncia de que havia indícios de má gestão dos fundos do Instituto Nacional de Ação Social (INAS) em Matutuíne. Fomos lá para averiguar e o que nós percebemos é o que acontece em todo o país. O INAS, por ser o parente pobre do Orçamento do Estado no setor social, tem muitas carências. Uma delas é não ter recursos humanos suficientes para garantir que as suas atividades ao nível local sejam implementadas no tempo necessário.
Por exemplo, os beneficiários do programa de Subsídio Social Básico deveriam receber mensalmente o subsídio. O que acontece é que há sempre atrasos. O que fomos constatar em Matutuíne é que há até seis meses de atraso. Quando estivemos lá, percebemos que só na semana anterior é que tinham ido para lá os técnicos do INAS da província de Maputo para poder pagar o subsídio [referente] a três meses. Ainda iam ficar a dever [outros] três meses.
DW África: O CIP constatou que há técnicos a trabalhar no local sem recursos e, por vezes, até sem conhecimentos suficientes. Como é que é possível isto acontecer, sobretudo numa época de pandemia em que as pessoas estão mais necessitadas?
CB: O INAS usa muito os "permanentes", que são pessoas locais que têm conhecimentos sobre como se vive na comunidade e apoiam o INAS no processo de identificação dos beneficiários e distribuição de recursos. Esses "permanentes" algumas vezes fazem seleção de beneficiários sem efetivamente receberem formação por parte do INAS. Nós recebemos queixas dos próprios beneficiários a dizer que há beneficiários registados em duas comunidades e a receberem benefícios de ambas.
DW África: Ou seja, se o processo continuar a ser gerido dessa forma, há aqui um campo fértil para a corrupção e uso indevido de fundos do Estado?
CB: É isso mesmo. No âmbito da Covid-19, é importante que os critérios de seleção dos beneficiários estejam bem identificados. Se não estiverem claros, vai acontecer que pessoas sem necessidade beneficiem desses recursos em detrimento de pessoas que realmente precisam. Em Matutuíne, nós vimos [o caso de] uma senhora com deficiência que disse que está há três anos na lista de espera do INAS. Mas há pessoas que estão em duas listas e estas pessoas prejudicam aquelas que realmente precisam.
É importante, acima de tudo, aumentar os recursos do INAS, mas também maximizar e melhorar o uso desses recursos. Isso passa pela expansão de delegações distritais do INAS, aumento de recursos humanos... E o investimento no INAS não pode ser só no período da Covid-19. O INAS precisa há muito tempo de ter mais do que 2% ou 3% da despesa total, que é alocada à instituição. É importante rever isso porque estamos num contexto em que o país está a ser assolado por várias calamidades. Temos o conflito em Cabo Delgado, que precisa do INAS, temos a situação do Idai, que precisa do INAS, a Covid-19, o conflito na zona centro...
DW África: Já enviaram essas recomendações ao próprio INAS? Tiveram alguma resposta?
CB: Mandámos uma carta, mas não conseguimos resposta. O que vamos fazer é encaminhar a análise para o INAS e colocarmo-nos abertos para qualquer tipo de assessoria que o CIP possa dar. Podemos conversar e ir discutindo formas de fazer advocacia para que mais recursos sejam alocados ao INAS.
Idosos abandonados em Inhambane
Maltratados, acusados de feitiçaria e sem apoio. Em Moçambique, muitos idosos são rejeitados pelos familiares, vivem sem abrigo e passam a maior parte do dia nas ruas a pedir esmola. Governo diz que faltam fundos.
Foto: DW/L. da Conceição
Viver na rua sem abrigo e comida
Isabel Bato vive há cinco anos nas ruas da cidade de Maxixe, na província de Inhambane. Os familiares rejeitaram-na, alegando que estava a enfeitiçar os filhos e netos para que não tivessem sucesso nos seus trabalhos e negócios. Sem apoio do Governo, a idosa vive pedindo esmola nas lojas dos comerciantes locais.
Foto: DW/L. da Conceição
Caminhar sem destino
Como muitas pessoas da terceira idade, Jortina João caminha pelas ruas do distrito de Morrumbene a pedir ajuda às pessoas. É "caminhar sem ter destino e descanso", diz. Se ficar sentada, ninguém a apoiará com alimentação e roupas, sublinha.
Foto: DW/L. da Conceição
Pedir ajuda
Nos mercados, lojas e mercearias, os idosos pedem ajuda todos os dias para conseguir algo para comer, mas nem todos satisfazem os seus pedidos. Abandonada pela família, Joana de Vaz precisa de sair para pedir ajuda, mas nem sempre sai satisfeita. "Às vezes, recebo dois quilos de arroz, um pouco de óleo, mas muitas pessoas não são solidárias", conta.
Foto: DW/L. da Conceição
Olhar de fome
Tal como outras idosas no interior da província de Inhambane, Joana Wacitela passa fome devido à seca que assola esta região de Moçambique. A colheita não foi boa na sua machamba: "Estou a passar mal de fome, estou a pedir ajuda". Segundo o governo provincial, o apoio não chega a todos os idosos devido à falta de fundos.
Foto: DW/L. da Conceição
Poucos idosos recebem apoio
A Associação dos Aposentados de Moçambique (APOSEMO), o Instituto Nacional de Ação Social (INAS) e a Associação Gupuanana em Inhambane confirmam que os apoios direcionados aos idosos não chegam a todos. Em Inhambane, nem metade das pessoas da terceira idade beneficia dos programas sociais básicos. Estas pessoas são cada vez mais excluídas.
Foto: DW/L. da Conceição
Cesta básica com poucos produtos
O artigo 5º da Lei 03/2014, aprovada pelo Parlamento moçambicano, estabelece que cabe às famílias, à comunidade, à sociedade e ao Estado assegurar o direito à alimentação da pessoa idosa. Em Moçambique, algumas pessoas da terceira idade recebem uma cesta básica, mas com pouquíssimos produtos, como óleo, açúcar, arroz e sal.
Foto: DW/L. da Conceição
Amizade para sempre
Apesar de tantas dificuldades, os idosos gostam de fazer novas amizades enquanto a vida lhes permite. Sitoe Manuel e Ernesto José enfrentam juntos os problemas e reclamam do pouco apoio que recebem do INAS. "Mesmo com dificuldades, temos que ter fé e recordar os bons momentos que passámos. A amizade faz bem a uma pessoa", dizem.
Foto: DW/L. da Conceição
Sem alternativas
Japao Boane perdeu o emprego de motorista por causa da sua idade. Sem ter outra alternativa para se sustentar, decidiu abrir uma pequena banca em frente à sua residência para vender pequenos produtos, como rebuçados e bolachas. Ele diz sentir-se excluído da sociedade.
Foto: DW/L. da Conceição
Investir em pequenos negócios
Joana Chaquir luta todos os dias para sobreviver. Os filhos não lhe dão nenhum apoio. Ela decidiu começar um negócio para vender caldo e alface no mercado distrital de Morrumbene, em Inhambane. Com o que vende, consegue comprar um copo de arroz, meio litro de óleo e arroz.
Foto: DW/L. da Conceição
A perder as forças para trabalhar
Hawa Leka recebe um subsídio de 300 meticais fornecido pelo INAS. Com o dinheiro, começou a vender camarão e peixe seco em Inhambane. Ela afirma que está a perder as forças a cada dia que passa e não sabe o que será do seu futuro, caso não consiga mais trabalhar.
Foto: DW/L. da Conceição
Idosos assassinados pelos familiares
Araujo Nhanice, líder comunitário do povoado de Guicico, no distrito de Morrumbene, não recebe apoio do Governo e não sabe porquê. Ele alerta que, na sua comunidade, os casos de assassinato de idosos prosseguem e que os principais autores são familiares das vítimas.
Foto: DW/L. da Conceição
Esperança em dias melhores
Embora passem muitas dificuldades no dia-a-dia, os idosos de Inhambane ainda têm esperança de que melhores momentos virão. O rosto, no entanto, não esconde as marcas do sofrimento.