Há um silêncio à volta do caso de violência contra garimpeiros das minas de rubis que aconteceu em 2017. Mas em Londres um ação judicial contra a Gemfields, acionista maioritária da empresa envolvida, já está em curso.
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A empresa britânica Gemfields está a ser processada em Londres por mais de 100 garimpeiros moçambicanos, acusada de violação dos direitos humanos.
Em causa estão duas situações: uma de maus tratos, perpetrados pela polícia, que tiveram lugar em julho de 2017, e que resultaram em quatro mortos e vários feridos e ainda casos de violações sexuais. E a segunda tem a ver com a apropriação ilegal de terras.
Em Ntoro, uma das regiões onde se exploram os rubis, a população não vê com bons olhos a Montepuez Ruby Mining, detida em 75% pela empresa britânica.
Mussa Manuel é um dos descontentes e conta: "Em 2012 e 2013 a empresa e o Governo vieram falar connosco, a alegar que o terreno faz parte da zona de concessão mineira da empresa Ruby Mining. E depois a empresa veio inscrever-nos a todos para poderem reassentar-nos, construirmos as nossas casas. E depois disso, em 2014, no dia 16 de junho, vimos o branco com polícias, seguranças da empresa com máquinas que vinham destruir as nossas casas, sem que primeiro tivessem cumprido com os direitos que a empresa nos prometeu."
A quantas anda o caso em Moçambique?
A Leigh Day, escritório de advocacia especializado em direitos humanos, representa as vítimas. Denúncias feitas por jornalistas e ativistas no terreno permitiu a ação dos advogados. Mas em Moçambique, onde aconteceram as violações, não são conhecidas ações judiciais.
A Polícia garante que o caso já passou para as mãos da Procuradoria-Geral da República. A DW África procurou a PGR, mas de momento o organismo está sem porta-voz e tentativas de contactar o gabinete de informação foram sem sucesso.
Em meio a dificuldades CNDH faz o seu trabalho
Mas ouvimos a Comissão Nacional dos Direitos Humanos, o presidente Luis Bitone revela: "Quando tomamos conhecimento, primeiro tivemos dificuldades financeiras de viajarmos de imediato para o local. Mas depois conseguimos, deslocamos para lá uma equipa de cinco comissários e eles trabalharam nas minas com as autoridades locais para produzirem um relatório e identificarem os possíveis autores."
"E o que estamos a fazer agora é discutir esses resultados para depois produzirmos as nossas recomendações concretas sobre o caso", garante Bitone.
E sobre a forma como o caso está a ser tratado pelas autoridades moçambicanas, o presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos reconhece que "é um problema estrutural, a morosidade processual é um problema constatado quase sempre em relatórios oficiais como não oficiais. A justiça deve começar a ser célere para responder a essas situações de violações graves dos direitos humanos. Portanto, não é um caso isolado."
Gemfields reage
Depois dos maus tratos, a Gemfields disse em comunicado que a Montepuez Ruby Mining tomou medidas, trabalhando em estreita colaboração com as autoridades e dando assistência humanitária a garimpeiros e membros da comunidade.
A mineradora garantiu ainda que oferece formação em direitos humanos aos colaboradores, à polícia moçambicana e às forças governamentais. A Gemfields já fez saber que é contra a violência e que se vai defender contra as acusações.
Gemfields processada no Reino Unido. E em Moçambique?
Intimidação
E a violência não é o único problema das comunidades onde se exploram as pedras preciosas, agora elas sentem-se intimidadas com a presença permanente da polícia.
Mussa Manuel, que vive em Ntoro, desabafa: "Há um acampamento de polícias, não andamos à vontade, parece que estamos fechados. Estamos limitados, quem nos vai ajudar a circular livremente?"
"Por isso nós na comunidade estamos mal, conseguimos circular, mas há revistas aos bolsos e até a hora limitada para andar. Se andares de qualquer maneira à noite terás problemas com a polícia. Assim não estamos a conseguir fazer as nossas atividades como antigamente", lamenta Manuel.
As riquezas minerais de Nampula
Em Moma, a província moçambicana de Nampula tem algumas das maiores reservas de areias pesadas do mundo, das quais se podem extrair minerais como a ilmenite, o zircão e o rutilo.
Foto: DW/Petra Aschoff
Cadeia de riquezas minerais
Em Moma, a província moçambicana de Nampula tem algumas das maiores reservas de areias pesadas do mundo, das quais se podem extrair minerais como a ilmenite, o zircão e o rutilo. As areias pesadas da região são parte de uma cadeia de dunas que se estendem desde o Quénia até Richards Bay, na África do Sul. Em Moma, exploram-se os bancos de areia de Namalote e as dunas de Topuito.
Foto: Petra Aschoff
Areias para diferentes indústrias
Unidade de lavagem de areias pesadas da mineradora irlandesa Kenmare, um dos chamados "megaprojetos" estrangeiros em Moçambique. A ilmenite, o zircão e o rutilo, extraídos das areias, são usados, respetivamente, na indústria de pigmentos, cerâmica e na produção de titânio. O rutilo, um óxido de titânio, é fundamental para a produção do titânio usado para a construção de aviões.
Foto: Petra Aschoff
Lucro após prejuízo
Os produtos são transportados através de um tapete rolante até um pontão no Oceano Índico. Segundo media moçambicanos, a extração de areias pesadas na mina de Topuito, em Moma, resultou num lucro de 39 milhões de dólares no primeiro semestre de 2012. No mesmo período de 2011, a empresa registou prejuízo de 14 milhões por causa da baixa dos preços devido à crise económica mundial.
Foto: Petra Aschoff
Problemas trabalhistas?
O semanário moçambicano Savana repercutiu, em outubro de 2011, a decisão do ministério do Trabalho de suspender 51 trabalhadores estrangeiros em situação ilegal na Kenmare. Segundo o Savana, na mesma altura, a Inspeção Geral do Trabalho descobriu que 120 trabalhadores indianos estavam para ser recrutados pela Kenmare. O recrutamento foi cancelado.
Foto: Petra Aschoff
Mudança de aldeia
Para poder explorar as areias pesadas em Nampula, entre 2007 e 2010 a mineradora irlandesa Kenmare transferiu as moradias de centenas de pessoas na localidade de Moma, no norte do país. A empresa prometeu acesso à água, casas melhores e postos de saúde. Na foto, nova escola primária para a população local.
Foto: Petra Aschoff
Acesso à água
Em 2011, o novo bairro de Mutittikoma, em Moma, ainda não tinha um poço d'água. Esta é transportada até o vilarejo com um camião cisterna. O acesso à água também é garantido com uma tubulação que a Kenmare instalou ali. Porém, como a mangueira só deixa correr um fio d'água, as mulheres que vêm buscá-la esperam no sol durante horas a fio para encher baldes e recipientes.
Foto: Petra Aschoff
Responsabilidade social
Uma casa construída pela Kenmare para a população desalojada por causa da exploração das areias pesadas em Moma. No início de setembro, Luísa Diogo, antiga primeira-ministra de Moçambique, disse que o país deve estar "muito atento" para que os grandes projetos de recursos naturais – como carvão e gás – beneficiem as populações. Ela também defende renegociação de contratos multinacionais.
Foto: Petra Aschoff
Em busca do brilho
Para além das areias pesadas, o solo da parte sul da província moçambicana de Nampula oferece mais riquezas. Na foto: garimpeiros à procura da pedra preciosa turmalina em Mogovolas. Os garimpeiros recebem cerca de um euro por dia para cavar buracos com vários metros de profundidade. As pedras são vendidas a um comerciante intermediário.
Foto: Petra Aschoff
Verde raro
As pedras de turmalina costumam ter várias cores. Uma das mais conhecidas é a verde. Mas existe outro verde precioso que se torna cada vez mais raro em Mogovolas: o da vegetação. Os buracos cavados pelos garimpeiros podem não ter pedras, mas permanecem após a escavação e sofrem erosão. As plantas não são plantadas novamente, apesar de a recomposição da vegetação ser prevista pela lei.