Moatize: Despedimentos da Vulcan "são estratégia"
17 de abril de 2025
A mineradora indiana Vulcan Moçambique, que explora as minas de carvão, no distrito de Moatize, na província central de Tete, outrora detidas pela Vale Moçambique, anunciou o despedimento de 350 trabalhadores.
É o que consta numa nota do comité sindical da mineradora de origem indiana, datada de 14 de abril, apontando para a Lei moçambicana do Trabalho, que determina que "o empregador pode rescindir um ou mais contratos de trabalho, com aviso prévio, desde que essa medida se funde em motivos estruturais, tecnológicos, ou de mercado", para justificar o despedimento.
À DW, Joaquim Samo, engenheiro de minas e presidente do Colégio de Engenharia de Minas e Geotecnia de Moçambique, na Ordem dos Engenheiros de Moçambique, alerta para as consequências da decisão da Vulcan. Acredita ainda que isso faz parte de uma estratégia de redução de custos de produção, para recorrer à contratação de "mão de obra barata".
DW África: Como é que olha para o despedimento destes 350 trabalhadores?
Joaquim Samo (JS): Nós estamos a ver apenas 350 pessoas, mas podemos multiplicar esse número por dois e serão 700 pessoas, contando que cada trabalhador tem a sua esposa ou marido. Depois vamos fazer outro cálculo, contando com os filhos dessas pessoas.
DW África: E uma família moçambicana tem, em média, cinco pessoas.
JS: Sim. Então, podemos fazer outro cálculo, e chegamos à conclusão de que, mais ou menos, 2.000 pessoas poderão ser afetadas diretamente. E devemos contar ainda os seus dependentes secundários, que podem ser seus pais, mães, avós. Nós temos de olhar as coisas nesta vertente.
DW África: Ou seja, para além de olhar para o mero número de 350, temos de olhar para o impacto social desta medida?
JS: Exatamente, e, aliás, há quem também está endividado com o banco. Então, são vários fatores.
DW África: Mas ao olhar para a nota sobre os despedimentos na Vulcan, não é apresenta uma explicação plausível. Isto não será uma manobra para não dizer às pessoas a principal razão desta decisão?
JS: É isso mesmo. Porque eu parto do princípio que a Vulcan, quando tomou a empresa da Vale, começou a reduzir custos, rescindindo contratos com as empresas subcontratadas.
DW África: Isso não terá também um impacto na sua própria produção?
JS: Ela não vai ser prejudicada, porque o que eles estão a fazer tem a ver com reduzir os custos e aumentar os lucros. É isso que estão a fazer. Eles não estão a olhar para fatores de recursos humanos ou sociais. Quanto mais não se cumprir alguns regulamentos de legislação, para eles é melhor.
DW África: Ou seja, estariam interessados em explorar mão de obra barata?
JS: Tocou num ponto fundamental. A Vulcan [deverá] contratar outras pessoas a custos baixos, ou seja, mão de obra barata. Porque a procura no mercado de trabalho é maior [do que a oferta]. Se for a olhar bem para o setor, vai perceber que há empresas de mineração que já estão fechadas, perderam o contrato com a ICVL [outra mineradora que explora minas de carvão em Benga, no distrito de Moatize]. Nesse caso, a Vulcan está a fazer isso porque sabe que a procura é maior, e a mão de obra fica a depender da proposta que o patronato vai lhe dar.
Aliás, ainda digo mais. Há trabalhadores indianos na Vulcan que estão a ganhar valores exorbitantes, 10 vezes mais do que o salário dessas pessoas afetadas pelos despedimentos, e eles não vão ser afetados por essa situação. Se o Governo, através da Direção do Trabalho, e os sindicalistas da Vulcan forem sérios, essas pessoas não vão ser despedidas.
DW África: Outra questão que salta à vista quando se fala da Vulcan é esse histórico de despedimentos e reduções de custos no passado. Lembramo-nos também, por exemplo, que, desde que ela chegou, vieram à tona críticas sobre a poluição ambiental, em Moatize. Esta é uma empresa que atua a seu bel-prazer?
JS: É uma pergunta muito, muito profunda. Eu acho que sim. A mineração a céu aberto tem os seus procedimentos, de detonação a céu aberto; há ainda processos de equipamento e carregamento de cargas, que devem obedecer a certos critérios ambientais. Mas eles não o fazem, tanto que a Vulcan já foi sancionada em tribunal. Foi obrigada a paralisar as secções que estão mais ao redor da população de Moatize, por incumprimento de alguns procedimentos para a proteção do meio ambiente e previstos na Lei de Minas.