Mogovolas tem sido alvo de frequentes ataques, saques e vandalismo de bens públicos e privados. Sociedade civil alerta para alastramento da insurgência para Nampula. Polícia moçambicana diz tratar-se de criminalidade.
Sociedade civil alerta para alastramento da insurgência para Nampula. Polícia diz tratar-se de criminalidade. Foto: Lutxeque Sitoi/DW
Publicidade
A Associação de Paralegais para Assistência no Apoio do Desenvolvimento Sustentável da Comunidade (APAADEC), uma organização não-governamental moçambicana de defesa das comunidades, denuncia fortes indícios de insurgência armada no distrito de Mogovolas, província de Nampula.
Em entrevista à DW, o ativista social e defensor dos direitos humanos e presidente da APAADEC, Sismo Muchaiabande, lembra que o discurso das autoridades locais face a estas situações se assemelha ao ouvido quando os ataques começaram em Cabo Delgado.
"Eu lembro-me muito bem quando as questões de Cabo Delgado deram o seu início; tinham caraterísticas iguais, [os indivíduos] eram chamados de bandidos e vândalos, mas que não tinham rostos", diz.
Rosa Chaúque, porta-voz da polícia em Nampula, diz não existir nenhum indício de insurgência.Foto: Lutxeque Sitoi/DW
Há bastante tempo que o distrito de Mogovolas tem sido alvo de ataques, saques e vandalismo de bens públicos e privados. Também ocorreram invasões de áreas de exploração mineira.
Em finais de 2024, hospitais foram destruídos, devido à desinformação da cólera. Alguns permanecem encerrados até hoje. Lojas e infraestruturas privadas foram também destruídas antes e depois das manifestações pós- eleições.
Não é por mero acaso. Mogovolas é rico em recursos minerais, mas as populações vivem na pobreza. Muchaiabande entende, também, que o Governo pode estar, de forma involuntária, a promover o terrorismo.
"O próprio Governo, em algum momento, tem sido o promotor do extremismo violento. O extremismo violento é caraterizado por ações nas quais criam um mau estar nas pessoas, criando desequilíbrio social, invadindo infraestruturas, destruindo economias e dizimando vidas", diz.
Como então? Luta antiterrorismo em Cabo Delgado corre bem?
06:51
This browser does not support the video element.
No final de abril, um grupo de 300 garimpeiros ilegais invadiu uma mina de ouro, concessionada a uma empresa estrangeira, no povoado de Maraca, posto administrativo de Iuluti. Mais uma situação que, para o ativista local, não pode ser ignorada.
Descontentamento com exploração mineira
"Mogovolas é uma zona mineira e a mineração é praticada nas machambas das pessoas. A pergunta que se faz é: qual foi o procedimento usado para que essas empresas mineradoras ocupassem essas áreas? Este é um problema que tem a ver com indemnizações, desenvolvimento local, prioridade no emprego para os nativos", frisa o defensor de direitos humanos, lembrando que "quando os recursos locais não beneficiam os donos, criam descontentamento. Causam fúria popular. E o Governo vê quem reivindica como o inimigo".
Para evitar o pior e combater preventivamente o possível extremismo violento, o ativista defende que o "Governo deve fazer uma intervenção pacífica". Deve "identificar as organizações da sociedade civil que têm capacidade de promover um diálogo construtivo junto das comunidades e criar mecanismos de apaziguar. Não se pode usar força", afirma.
À semelhança das primeiras declarações, aquando do início do terrorismo na província vizinha de Cabo Delgado, em 2017, também em Nampula as autoridades policiais desdramatizam a situação.
Publicidade
PRM: "Não podemos focar-nos na questão do terrorismo"
Rosa Chaúque, porta-voz da polícia em Nampula, diz não existir nenhum indício de insurgência. Segundo ela, "não podemos focar-nos na questão do terrorismo. Esses são indivíduos que se aproveitam para criar atos de desordem pública”.
"Mas também queremos apelar a toda população para que se mantenha vigilante e colabore com as autoridades para que possamos eliminar esses grupos que têm criado terror”, disse.
Rosa Chaúque acrescenta ainda que as autoridades estão e vão continuar a trabalhar nas comunidades para manter a ordem e tranquilidade públicas.
Nampula: "Terra prometida" não consegue albergar mais "peregrinos"
Nampula tornou-se, desde o início dos ataques terroristas em Cabo Delgado, uma das "terras prometidas" para os refugiados. Muitos deslocados querem agora fixar ali residência, mas há dificuldades por falta de espaço.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Dificuldades em acolher mais pessoas
Muitos deslocados querem fixar residência em Nampula, uma cidade desenvolvida e calma no norte de Moçambique. No entanto, sentem fortes dificuldades devido à falta de terras disponíveis. O Governo local tenta encontrar soluções, que muitas vezes não são as que os habitantes mais gostam.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Há novas construções em zonas de risco
O fluxo populacional que a cidade de Nampula está a conhecer nos últimos anos, principalmente desde os conflitos em Cabo Delgado, tem contribuído para o aumento da construção de habitações em locais de risco. Até 2017, a cidade contava com mais de 700 mil habitantes, mas atualmente, de acordo com fontes do município, estima-se que sejam cerca de 900 mil.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Vende-se terreno: uma violação da lei que é ignorada
Em Moçambique, de acordo com a lei, a terra não pode ser vendida. Os terrenos são propriedade do Estado e cabe ao mesmo atribuí-los aos cidadãos. No entanto, as vendas ocorrem com regularidade. Em Nampula, em todos os bairros, incluindo os que estão em expansão, os terrenos são vendidos com um olhar indiferente por parte das instituições que velam pela legalidade.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
“Conflito por terras” entre mortos e vivos
A procura de espaço para viver está a originar o aumento de conflitos. Na zona do Muthita, no bairro de Mutauanha, a população invadiu áreas de reserva para construção de diversas infraestruturas do município. Esta imagem mostra uma disputa de terra num cemitério comunitário, entre os mortos e os cidadãos que o invadiram, tirando o sossego dos defuntos.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Naphutha: um rio resistente
O Rio Naphuta é fundamental no abastecimento de água da população do bairro de Mutauanha. Contudo, a sua existência é cada vez mais difícil. O rio sofre uma forte pressão humana, devido às construções de moradias e alterações climáticas.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Moradores unem esforços e abrem estrada
Na Unidade Comunal Muthita, no bairro de Mutauanha, os moradores decidiram unir-se. Recorrendo a enxadas, ancinhos, entre outras ferramentas de trabalho agrícola, decidiram abrir estradas. Embora de dimensões reduzidas, estes caminhos em terra batida permitem a mobilidade de viaturas pequenas.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Terras “sem ninguém”
A cidade de Nampula é a maior do norte de Moçambique. Na sua área ainda permanecem vastas terras férteis e intactas. Contudo, muitos cidadãos preferem ignorá-las devido à falta de condições mínimas. Em algumas destas zonas não ocupadas têm sido feitas delimitações de terrenos, mas a distribuição dos mesmos não tem sido frequente.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Nem tudo é negativo
A lotação da cidade moçambicana de Nampula não está apenas a criar pesos negativos. Os bairros de expansão da cidade estão também a conhecer novas e melhores moradias. Há nestes bairros luz e água. No entanto, a oferta desta última, por parte do Fundo de Investimento e Património do Abastecimento de Água (FIPAG), não dura as 24 horas do dia.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Fábricas consomem mais terras
O “boom” populacional na cidade não está a travar o desenvolvimento. Nos últimos anos, a cidade tem vindo a conhecer um aumento de novas infraestruturas económicas e vários investimentos que consomem extensas terras. Ao longo da Estrada Nacional número 1, desde a entrada até à saída da cidade, há novas construções de indústrias a surgirem.