Eventual julgamento de Mondlane será no Tribunal Supremo
24 de julho de 2025
A legislação que regula o Conselho de Estado em Moçambique, que o político Venâncio Mondlane, acusado de crimes de desobediência e terrorismo nas manifestações pós-eleitorais, vai integrar, prevê que os seus membros sejam julgados pelo Tribunal Supremo.
A Lei 5/2005, que regula a organização daquele órgão e define os estatutos dos seus membros, consultada hoje pela Lusa, refere, no seu artigo 15, que estes conselheiros têm imunidade e, no número um, que "nenhum membro do Conselho de Estado pode ser detido ou preso sem autorização do Conselho, salvo por crime punível com pena de prisão maior e em flagrante delito".
O número dois define que, quando "instaurado procedimento criminal contra algum membro do Conselho de Estado e indiciado este definitivamente por despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de crime punível com pena de prisão maior, o Conselho delibera se aquele deve ou não ser suspenso para efeito de seguimento do processo".
No caso de Venâncio Mondlane, acusado de cinco crimes, estes têm moldura penal de mais de 20 anos de prisão efetiva.
"O membro do Conselho de Estado goza de foro especial e é julgado pelo Tribunal Supremo, nos termos da lei", estabelece-se ainda no mesmo artigo, no número três, enquanto o artigo 16 estipula que os conselheiros "não podem ser testemunhas, declarantes ou peritos, sem autorização do Conselho".
Acusações graves
A primeira reunião com a atual composição do Conselho de Estado, para o mandato que se inicia este ano na sequência das eleições gerais de 09 de outubro de 2024 ainda não se realizou -- agendada inicialmente para 24 de junho e cancelada depois -, mas Venâncio Mondlane, como segundo candidato mais votado ao cargo de Presidente da República tem lugar por inerência naquele órgão consultivo do chefe de Estado, conforme prevê a Constituição.
O Ministério Público (MP) moçambicano acusa Venâncio Mondlane de ter apelado a uma "revolução" nos protestos pós-eleitorais, provocando "pânico" e "terror" na população, responsabilizando-o pelas mortes e por mergulhar o país no "caos".
No despacho de acusação, entregue na terça-feira na Procuradoria-Geral da República (PGR), em Maputo, ao ex-candidato presidencial, e a que a Lusa teve acesso, o MP recorre, como grande parte da prova, aos apelos à contestação, greves, paralisações e de mobilização para protestos feitos nos diretos de Venâncio Mondlane nas redes sociais, ao longo das várias fases da contestação ao processo eleitoral de 2024 em Moçambique.
"Os factos praticados pelo arguido colocaram em causa, de forma grave, bens jurídicos fundamentais, tais como a vida, a integridade física e psíquica das pessoas, a liberdade de circulação, a ordem, segurança e tranquilidade públicas, bem assim o normal funcionamento das instituições públicas e privadas", lê-se.
O MP imputa a Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados eleitorais, a "autoria material e moral, em concurso real de infrações", os crimes de apologia pública ao crime, de incitamento à desobediência coletiva, de instigação pública a um crime, de instigação ao terrorismo e de incitamento ao terrorismo.
Crise e pacificação
Moçambique viveu desde as eleições de outubro um clima de agitação social, com manifestações e paralisações convocadas por Mondlane, que rejeita os resultados eleitorais que deram vitória a Daniel Chapo, apoiado pela FRELIMO, partido no poder, como quinto Presidente.
Segundo organizações não-governamentais que acompanham o processo eleitoral, cerca de 400 pessoas morreram em resultado de confrontos com a polícia, além de destruição de património público e privado, saques e violência, conflitos que cessaram após encontros entre Mondlane e Chapo em 23 de março e em 20 de maio, com vista à pacificação.
Segundo a acusação, "em consequência dos seus pronunciamentos, vários cidadãos ficaram privados dos serviços básicos, os serviços públicos e privados ficaram paralisados" e "a onda de protestos e violência decorrentes das orientações dadas pelo arguido originou a morte de vários cidadãos, destruição de bens públicos e privados, provocando sentimento de insegurança pública, pânico, terror na população em geral".
A Constituição define o Conselho de Estado como um "órgão político de consulta do Presidente", que o preside, integrando por inerência o presidente da Assembleia da República, o primeiro-ministro, o presidente do Conselho Constitucional, o provedor de Justiça, antigos Presidentes da República e do parlamento, entre outras personalidades escolhidas pelo chefe de Estado e pelo parlamento.