John Kanyunyu | Blaise Dariustone | Tessa Walther | mjp
12 de dezembro de 2017
Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo promete proteger os civis, "mais do que nunca". Entretanto, chegaram à Tanzânia corpos dos 15 capacetes azuis mortos na semana passada no leste da RDC.
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Os soldados tanzanianos, vítimas daquele que é considerado o pior ataque contra uma missão de paz na história recente das Nações Unidas, foram recebidos esta segunda-feira (11.12) como "heróis". Para quinta-feira, está marcada uma cerimónia de homenagem em Goma, no leste da República Democrática do Congo (RDC).
A ONU quer aumentar a pressão sobre os grupos armados no país, mas a população questiona a capacidade da missão de paz, a MONUSCO, para se proteger a si mesma e à população civil. O ataque na semana passada, que além de 15 mortos deixou ainda cerca de 50 feridos, obrigou os capacetes azuis a abandonarem as suas posições, deixando para trás os civis - uma questão inquietante para Pamphile Mabalia Mantuba Ngoma, professor de Etnologia em Kinshasa.
"Qualquer força que tenha dificuldades em proteger-se a si mesma terá dificuldades a proteger da população", diz Ngoma.
As operações conjuntas da missão de paz e do Exército congolês foram entretanto retomadas na região e, segundo, a MONUSCO, a segurança foi reforçada.
"Os nossos soldados sofreram um ataque de dimensões incomparáveis, mas posso garantir que tudo está a ser implementado", afirma Charles Bambara, porta-voz da MONUSCO. "Todas as bases da missão foram reforçadas, helicópteros de ataque foram enviados para a região e, mais do que nunca, vamos cumprir a missão de proteger os civis, que nos foi dada pelo Conselho de Segurança da ONU."
Violência devido a instabilidade política?
Mas há uma outra questão ainda por responder: quem esteve por trás do ataque de sexta-feira? As investigações estão a decorrer, mas as suspeitas recaem já sobre os rebeldes ugandeses da Frente Democrática Aliada (ADF, na sigla em inglês). O grupo surgiu nos anos 90 pela mão de Jamil Mukulu, um antigo protestante ugandês que se converteu ao Islão, com o objetivo de criar um estado islâmico na região. Os 1.500 membros da Frente Democrática Aliada são, na maioria, muçulmanos e, durante muito tempo, tiveram o apoio do Governo ugandês. No entanto, nos últimos anos, "a ligação entre a ADF e o Uganda tem sido muito fraca", observa Phil Clark, politólogo na Universidade de Londres.
"A ADF está a aproveitar-se da instabilidade na RDC, particularmente devido ao adiamento das eleições e à incerteza quanto à demissão do Presidente Joseph Kabila. A grande questão é como é que de repente tiveram acesso a equipamento militar para levar a cabo este ataque. Será que estão a ser apoiados por outras autoridades da região? Não é claro."
MONUSCO reforça segurança na RD Congo
"Ineficácia" da MONUSCO
As ambições políticas do grupo vão bem mais longe que as dos outros rebeldes na região. A Frente Democrática Aliada quer, por exemplo, expulsar a ONU da República Democrática do Congo. Vários líderes africanos, incluindo o Presidente angolano, João Lourenço, tentam convencer a comunidade internacional a classificar a ADF como "organização terrorista".
Jean-Pierre Lacroix, vice-secretário da ONU para as Operações de Paz, afirma que a Frente Democrática Aliada tem uma agenda "extremista", mas também "está muito focada, tal como outros grupos na região, na exploração de recursos ilegais - e esta é uma área particularmente rica nestes recursos".
A exploração ilegal de recursos, bem como a violência contra civis por parte dos grupos rebeldes, é há vários anos a realidade da RDC, apesar da presença dos capacetes azuis no país, desde 1999. O mais recente ataque contra a ONU é mais uma prova da ineficácia da MONUSCO, segundo o politólogo Phil Clark.
A agravar a situação, os Estados Unidos planeiam reduzir o financiamento das missões de paz a nível mundial. "Qualquer redução no financiamento significa capacidades reduzidas para uma missão de paz já de si fraca, numa altura em que aumentam a instabilidade e a violência na RDC. A hipótese de reduzir os meios da ONU envia a mensagem errada à população; cria receio entre os congoleses", comenta Clark.
Presente na homenagem aos capacetes azuis tanzanianos, esta segunda-feira, o representante adjunto do secretário-geral das Nações Unidas, David Gressly, garantiu que o ataque não vai desencorajar a missão de paz na luta contra os grupos armados. A União Europeia classificou o ataque como inaceitável e pediu às autoridades congolesas uma investigação para encontrar os responsáveis.
Missões de paz da ONU em África
Os capacetes azuis da Organização das Nações Unidas têm intervido em vários países africanos. A MONUSCO, missão de paz da ONU na República Democrática do Congo, é a maior e mais cara de todas. Mas há várias.
Foto: picture-alliance/AA/S. Mohamed
RD Congo: a maior missão da ONU
Desde 1999, que a Organização das Nações Unidas (ONU) tenta pacificar a região oriental da República Democrática do Congo (RDC). A missão conhecida como MONUSCO conta com cerca de 20 mil soldados e um orçamento anual de 1,4 mil milhões de euros. Ainda que esta seja a maior e mais cara missão da ONU, a violência no país persiste.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Darfur: impotente contra a violência
A UNAMID é uma missão conjunta da União Africana e da ONU na região de Darfur, no Sudão, considerada por alguns observadores um fracasso. “O Conselho de Segurança da ONU deve trabalhar mais arduamente para encontrar soluções políticas, em vez de gastar dinheiro no desdobramento militar a longo prazo”, afirmou o especialista em segurança, Thierry Vircoulon.
Foto: picture-alliance/dpa/A. G. Farran
Sul do Sudão: fechar os olhos ao conflito?
A guerra civil no Sul do Sudão já fez com que, desde 2013, mais de quatro milhões de pessoas abandonassem as suas casas. Alguns estão abrigadas em campos de ajuda da ONU. Mas, quando os confrontos entre as forças do Governo e os rebeldes começaram na capital Juba, em julho de 2016, os capacetes azuis não foram bem sucedidos na intervenção.
Foto: Getty Images/A.G.Farran
Mali: mais perigosa missão da ONU no mundo
As forças de paz da ONU no Mali têm estado a monitorizar o cumprimento do acordo de paz realizado entre o Governo e a aliança dos rebeldes liderada pelos tuaregues. No entanto, grupos terroristas como o AQMI continuam a levar a cabo ataques terroristas que fazem com que a Missão da ONU no Mali (MINUSA) seja uma das mais perigosas do mundo. A Alemanha cedeu mais de 700 militares e helicópteros.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
RCA: abusos sexuais fazem manchetes
A missão da ONU na República Centro-Africana (MINUSCA) não ajudou a melhorar a imagem das Nações Unidas no continente africano. As tropas francesas foram acusadas de abusar sexualmente de crianças pela campanha Código Azul. Três anos depois, as vitimas não têm ajuda da ONU. Desde 2014, 10 mill soldados e 1800 polícias foram destacados para o país. A violência diminuiu, mas a tensão mantém-se.
Foto: Sia Kambou/AFP/Getty Images
Saara Ocidental: Esperança numa paz duradoura
A missão da ONU no Saara Ocidental, conhecida por MINURSO, está ativa desde 1991. Cabe à MINURSO controlar o conflito existente entre Marrocos e a Frente Polisário que defende a independência do Saara Ocidental. Em 2016, Marrocos, que ocupa este território desde 1976, dispensou 84 funcionários da MINURSO após um discurso do secretário-geral da ONU que o país não aprovou.
Foto: Getty Images/AFP/A. Senna
Costa do Marfim: um final pacífico
A missão da ONU na Costa do Marfim cumpriu o seu objetivo a 30 de junho de 2016, após 14 anos. As tropas têm vindo a ser retiradas, gradualmente, o que, para o ex secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, significa “um ponto de viragem das Nações Unidas na Costa do Marfim”. No entanto, apenas depois da retirada total das forças e a longo prazo é que se saberá se a missão foi ou não bem sucedida.
Foto: Getty Images/AFP/I. Sanogo
Libéria: missão cumprida
A intervenção da ONU na Libéria chegou ao fim. Desde o fim da guerra civil, que durou 14 anos, que a Missão da ONU na Libéria (UNMIL) tem assegurado a estabilidade na Libéria e ajudado a construir um Estado funcional. O Governo do país quer agora garantir a segurança da Libéria. O país ainda está a lutar com as consequências de uma devastadora epidemia do Ébola que o assolou.
Foto: picture-alliance/dpa/K. Nietfeld
Sudão: Etiópia é promotora da paz?
Os soldados da Força de Segurança Interina da ONU para Abyei (UNISFA) patrulham esta região, rica em petróleo, e que, tanto o Sudão, como o Sudão do Sul, consideram ser sua. Mais de quatro mil capacetes azuis da Etiópia estão no terreno. A Etiópia é o segundo maior contribuinte para a manutenção da paz no mundo. No entanto, o seu exército é acusado de violações de direitos humanos no seu país.
Foto: Getty Images/AFP/A. G. Farran
Somália: Modelo futuro da União Africana?
As forças de paz da ONU na Somália estão a lutar sob a liderança da União Africana numa missão conhecida como AMISOM. Os soldados estão no país africano para combater os islamitas al-Shabaab e trazer estabilidade ao país devastado pela guerra. Etiópia, Burundi, Djibouti, Quénia, Uganda, Serra Leoa, Gana e Nigéria contribuem com as com suas tropas para a AMISOM.