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Morreu Daviz Simango, edil da Beira

mp | mjp | Arcénio Sebastião (Beira) | Lusa
22 de fevereiro de 2021

Edil da Beira estava em tratamento na África do Sul, onde acabou por sofrer uma paragem cardíaca. Em todo o país, multiplicam-se os votos de pesar pela morte do fundador do Movimento Democrático de Moçambique.

Mosambik Maputo 2014 | Daviz Simango, MDM
Foto: Gianluigi Guercia/AFP/Getty Images

O presidente do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), Daviz Simango, morreu esta segunda-feira (22.02), na África do Sul, depois de sofrer uma paragem cardíaca. A causa da morte foi avançada pelo seu partido, que remeteu para mais tarde quaisquer pormenores sobre o internamento de Simango no país vizinhho, que já durava há mais de uma semana. 

A saúde do edil da cidade da Beira teve complicações no sábado (13.02), quando foi transferido de helicóptero para tratamento na África do Sul.

O MDM, terceiro partido do Parlamento, pediu calma aos militantes e apoiantes, sublinhando que "a dor é grande" com a morte do líder e fundador. A primeira declaração oficial após o óbito foi feita por José Domingos, secretário-geral do MDM, na sede nacional do partido, em Maputo. 

Moçambique perdeu "um grande homem" que "estava a fazer a sua parte para o equilíbrio da democracia no país", frisou. O dirigente considerou inoportuno debater a sucessão de Simango, pedindo "calma" aos membros e simpatizantes da força política. "A dor é grande", vincou, concluindo tratar-se de "uma perda para todo o povo moçambicano". 

"A perda de um irmão"

A sua morte colheu de surpresa várias individualidades no município e no país. O governador de Sofala e a secretária de estado na província, Stella Pinto, já lamentaram o desaparecimento físico de Daviz Simango.

Os partidos políticos falam na morte de um parceiro indispensável na luta pela democracia moçambicana. Angelina Chumali, primeira secretária da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) na província, manifestou "a solidariedade da FRELIMO em Sofala para com o MDM e a família Simango neste momento de dor e consternação".

"O edil da Beira, além de presidente do MDM, era membro do Conselho de Estado", frisou.

"Perdeu a vida um dirigente destacado na arena política nacional, que vinha desenvolvendo um papel profundo na consolidação da democracia moçambicana", declarou, por sua vez, Roque Silva, secretário-geral da FRELIMO, em conferência de imprensa, em Maputo.

João Marata, delegado da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) na Beira, relembra Daviz Simango como um parceiro ideal na luta pela democracia moçambicana: "Para nós, significa a perda de um irmão, de um dirigente que em vida deu tudo para o bem dos beirenses".

O principal partido da oposição considera que o país perdeu uma "referência do pluralismo político", com a morte do líder do MDM. "Recebemos esta notícia com pesar e consternação, porque morreu um compatriota que era uma referência do pluralismo político em Moçambique", disse à agência Lusa o porta-voz da RENAMO, José Manteigas.  
 

 

Daviz Simango nos trabalhos de reconstrução da Beira após a passagem do ciclone Idai, em 2019.Foto: DW/A. Kriesch

O primeiro independente a chegar a autarca 

O edil da Beira fica na história como o primeiro candidato independente a chegar à presidência de um município no país. Daviz Simango foi eleito autarca da Beira, centro de Moçambique, primeiro em 2003 como candidato da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), principal partido da oposição, ao qual se juntou a convite do falecido líder da organização, Afonso Dhlakama.

No entanto, em 2008, a curta carreira política de Daviz Simango parecia ter acabado, quando Afonso Dhlakama recuou na decisão de o recandidatar à presidência do município da Beira, optando por Manuel Pereira, um influente deputado da RENAMO.  Confrontado com a mudança de posição do líder da RENAMO, Daviz Simango tomou a decisão ousada de avançar como independente, vencendo com larga margem a presidência de uma das principais cidades moçambicanas, à frente dos candidatos da RENAMO e da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder.  

Em 2009, Daviz Simango fundou o MDM, com o qual concorreu às presidenciais e legislativas desse ano. Ficou em terceiro lugar nas presidenciais e conseguiu eleger oito deputados à Assembleia da República (AR), acabando com a bipolarização entre a FRELIMO e a RENAMO - a que o MDM se referia como "coligação Frenamo" -, no Parlamento.  

Daviz Simango voltou a concorrer às eleições gerais de 2014 e 2018, renovando o terceiro lugar e, com o seu partido, elegendo deputados. 

Ao nível do poder autárquico, voltou a vencer no município da Beira em 2013 e 2017, tornando-se o autarca com mais anos na presidência de um município em Moçambique. 

Daviz Simango na campanha para as presidenciais.Foto: DW/C. Matsinhe

Engenheiro, político, pastor

Licenciado em Engenharia Civil pela Universidade Eduardo Mondlane, o líder do MDM nasceu na política. Tanto o pai, Uria Simango, como a mãe, Celina Muchanga, foram destacados dirigentes da FRELIMO e ambos terão sido executados em campos de reeducação do partido, sob acusações de traição. 

"A história moçambicana é contada de acordo com os interesses de três, quatro ou cinco pessoas" e, portanto, "é uma mentira", criticou, em entrevista à DW África, defendendo a criação de uma comissão de verdade, seguindo o modelo adotado pela África do Sul depois do 'apartheid', para investigar "sem reservas" os períodos da luta de libertação nacional e da guerra civil. 

Mas o ADN de Simango não era feito de política, incluía também profundas convicções religiosas de origem protestante. Era casado com a filha de um pastor e o seu pai, além de vice-presidente da FRELIMO, foi também reverendo da Igreja de Cristo Unida.  

"Ando sempre com a Bíblia na minha pasta e, quando tenho tempo livre, procuro ler alguns versículos e participo em grupos de orações", disse, numa entrevista à Lusa. 

É como uma "missão" que Simango encarava a política. "Muitas vezes pergunta-se como se chega a político. Não sei, se calhar é o destino que Deus nos atribui. Cada um de nós, na Terra, tem uma missão e eu tenho a minha", assumiu. 

Além dos pais, os "líderes tolerantes", como Martin Luther King Jr., eram a sua referência.  "No meu país, ainda falta essa arte [do perdão]", lamentou, assinalando: "Temos famílias, em Moçambique, que não se cumprimentam, porque uma é do partido no poder e outra do partido na oposição, e isso é extremamente mau."  

Artigo atualizado às 20h25 (CET) de 22 de fevereiro de 2021, com as reações dos dirigentes políticos na Beira e no país.