A morte de Afonso Dhlakama tem implicações profundas em todo o processo político nacional, considera Silvestre Baessa. Para o especialista em boa governação, instala-se assim um clima de incerteza no país.
Publicidade
O líder do maior partido da oposição em Moçambique morre num momento político delicado no país, em que o seu partido RENAMO e o Governo da FRELIMO estão a alcançar consensos no contexto das negociações de paz que opõe as duas partes. O processo negocial estava a ser liderado pessoalmente por Dhlakama e o Presidente moçambicano Filipe Nyusi. A DW África conversou com especialista moçambicano em boa governação Silvestre Baessa sobre o assunto.
DW África: O que pode representar a morte do líder da RENAMO no contexto das negociações de paz?
Silvestre Baessa (SB): Essa morte tem implicações profundas em todo o processo político nacional. Primeiro perde-se um ator fundamental. Penso que nos outros anos ficou claro que o esforço do presidente da RENAMO em busca de uma paz efetiva e o Acordo que se assinou resulta muito do seu empenho. As condições em que se encontrava extremamente difíceis que um líder, um ator principal num processo tenha conseguido em certa medida controlar esse processo e fazer o encaminhamento do qual hoje celebramos, com todas as críticas que se podem fazer em relação à essa proposta.
Por outro lado, este ator saindo de cena e conhecendo a história da RENAMO não estou em crer que o presidente tenha pensado num substituto, que possa facilmente e rapidamente dar seguimento a isto. Penso que isso há-de ser um grande desafio, o próprio Presidente da República vai sentir muito a ausência do líder, até porque Afonso Dhlakama era o seu maior aliado neste projeto de paz ambicioso dentro do próprio partido e da sociedade para a realização deste Acordo. Sem esta figura naturalmente instala-se um clima de incerteza no país. Penso que a reação mais imediata vai ser a suspensão de todo este processo negocial. Acho que a RENAMO vai precisar de ter o seu tempo para alinhar as suas ideias, apesar do assunto já estar na mesa de negociações e no Parlamento e tudo indicar que nos próximos tempos teríamos uma decisão final do Parlamento. Creio que a morte abre duas possibilidades: tanto uma RENAMO fragilizada agora, mas também perigosa sem líder que tenha capacidade de estabelecer o seu controlo.
DW África: Podemos considerar que este é o risco de se personalizarem assuntos de interesse nacional?
"Morte de Dhlakama pode desencadear a suspensão do processo negocial"
SB: Sem dúvida. Todo esse processo negocial foi feito a partir, por um lado, pelo Presidnete da República na cidade com toda uma equipa de contacto, de diálogo, de apoio, e depois tínhamos o líder da RENAMO isolado nas matas com dificuldades de comunicação com a parte política da RENAMO, mas estou em crer que os termos como se chegaram aos acordos foram muito personalizados, então é natural que dentro da RENAMO neste momento não haja muita gente com o conhecimento suficiente para perceber como é que se chegou [ao Acordo] e o que é que está implicíto dentro de cada um dos pontos do Acordo. Então, é um risco que se corre com a personalização do poder, mas era o Acordo possível dentro das condições existentes. Ele continuava a explorar o seu maior trunfo que era manter uma força armada e que para tal tinha de estar fora do contacto mais urbano, onde ele teria todo o contacto, onde a RENAMO política teria um contacto maior e estar melhor informada sobre os avanços nesse Acordo.
O eterno segundo lugar: uma vida na oposição em África
Não são apenas os presidentes que não mudam durante décadas nalguns países africanos. Também os chefes da oposição ocupam o cargo toda a vida, vedando o caminho às novas gerações. Conheça alguns eternos oposicionistas.
Foto: Reuters
O guerrilheiro moçambicano
Afonso Dhlakama é um veterano entre os oposicionistas africanos de longa duração. Em 1979 assumiu a liderança do movimento de guerrilha Resistência Nacional Moçambicana, RENAMO. Este tornou-se num partido democrático. Mas Dhlakama é famoso pelo seu tom combativo. Por vezes ameaça pegar em armas contra os seus inimigos. E concorreu cinco vezes sem sucesso à presidência do país.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Morgan Tsvangirai - o resistente
O ex-mineiro tornou-se num símbolo da resistência contra o Presidente vitalício do Zimbabué, Robert Mugabe. Foi detido, torturado, sofreu fraturas do crânio e uma vez tentaram, sem sucesso, atirá-lo do décimo andar de um edifício. Após as controversas eleições de 2008, o líder do Movimento pela Mudança Democrática chegou a acordo com Mugabe sobre uma partilha do poder.
Foto: Getty Images/AFP/J. Njikizana
O primeiro jurista doutorado na RDC
Étienne Tshisekedi foi nomeado ministro da Justiça antes de terminar o curso. Só mais tarde se tornou no primeiro jurista doutorado da República Democrática do Congo. Teve vários cargos na presidência de Mobuto, mas tornou-se crítico do regime. Foi preso e obrigado a abandonar o país. Liderou a oposição de 2001 até a sua morte em fevereiro de 2017. Perdeu as eleições de 2011 contra Joseph Kabila.
Foto: picture alliance/dpa/D. Kurokawa
Raila Odinga: a política fica em família
Filho do primeiro vice-presidente do Quénia, Raila Odinga nunca escondeu a ambição de um dia assumir a presidência. Foi deputado ao mesmo tempo que o pai e o irmão. Mas não se pode dizer que seja um militante fiel de algum partido: já mudou de cor política por quatro vezes. Após a terceira derrota nas presidenciais de 2013, apresentou queixa em tribunal contra o resultado e ... perdeu.
Foto: Till Muellenmeister/AFP/Getty Images
O Dr. Col. Kizza Besigye do Uganda
Besigye já foi um íntimo de Museveni, para além do seu médico privado. Quando começou a ter ambições de poder, transformou-se no inimigo número um do Presidente do Uganda. Foi repetidas vezes acusado de vários delitos, preso e brutalmente espancado em público. Voltou a candidatar-se nas presidenciais de maio de 2016, durante as quais ocorreram novamente distúrbios violentos.
Foto: picture-alliance/dpa/D. Kurokawa
Juntos por um novo Chade
Saleh Kebzabo (esq.) e Ngarlejy Yorongar são os dois rostos mais importantes da oposição no Chade. Embora sejam de partidos diferentes, há muitos anos que lutam juntos pela mudança política no país. Mas desavenças no ano de eleições 2016 enfraqueceram a aliança. A situação beneficiou o Presidente perene Idriss Déby, que somou nova vitória eleitoral.
Foto: Getty Images/AFP/G. Cogne
O Presidente autoproclamado
Desde o início da sua atividade política que Jean-Pierre Fabre se encontra na oposição do Togo. O líder da “Aliança Nacional para a Mudança” concorreu por duas vezes à presidência. Após a mais recente derrota, em abril de 2015, rejeitou os resultados do escrutínio e autoproclamou-se Presidente. Sem sucesso.
O pai foi Presidente do Gana na década de 70. Nana Akufo-Addo demorou muitos anos até seguir-lhe as pisadas. Muitos ganeses não levam muito a sério as tentativas desesperadas para chegar à presidência, tendo dificuldades em identificar-se com este membro das elites. Mas em novembro de 2016, Akufo-Addo candidatou-se pela terceira vez e venceu as eleições. Desde janeiro de 2017 é Presidente do Gana.