Morte recente de um cidadão ganês num aeroporto de São Paulo trouxe à tona o aumento de pedidos de refúgio no Brasil. O caso levou também o Ministério da Justiça a mudar as regras sobre passageiros em trânsito no Brasil.
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O ganês Evans Ossêi Ússu tinha como destino final o México. Foi deportado e, tendo feito escala no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, no Brasil, para lá foi reenviado. Evans viajava para fazer uma cirurgia na coluna, mas como não conseguiu entrar no México, solicitou refúgio no Brasil com este propósito a 8 de agosto.
À espera do processamento do seu pedido no aeroporto, o seu quadro de saúde piorou e, quando foi encaminhado ao hospital, já era tarde demais. O ganês faleceu a 13 de agosto.
A sua prima, Priscilla Ossêi Wussu, contou à DW que Evans pediu quatro vezes para ser levado para um hospital.
"Sabe quando é que o levaram para o hospital? Quando as pessoas pretas no aeroporto começaram a manifestar-se. Ele disse ao meu tio que estavam a fazer manifestações em massa, por isso estavam a prepará-lo para o hospital. E essa foi a última conversa. Não voltámos a saber nada dele. As autoridades ignoraram o meu primo. Isto é racismo a sério", lamenta.
Contactado pela DW, o aeroporto disse que passageiros que aguardam admissão pela Polícia Federal ficam sob os cuidados das companhias aéreas até à conclusão do processo. Informou ainda que, ao ser acionada, a sua equipa providenciou imediatamente atendimento e encaminhou o passageiro ao Hospital Geral de Guarulhos.
Já a companhia aérea LATAM informou que, no dia 11 de agosto, quando Evans passou mal, solicitou atendimento ao serviço médico do aeroporto, tendo acompanhado a remoção e o internamento do passageiro e contactado as autoridades.
Quando questionada pela DW, a Polícia Federal não entrou em detalhes sobre o caso.
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Ministério da Justiça altera regras
A seguir ao que aconteceu em São Paulo, o Ministério da Justiça determinou que qualquer "passageiro em trânsito que desembarcar na área internacional dos aeroportos, e que não tiver visto de entrada no Brasil, terá de seguir viagem para o destino final da sua passagem ou retornar à localidade de origem do voo".
Em nota, o Ministério justificou que o país tem sido "rota de organizações criminosas que atuam com contrabando de migrantes", que desistem do destino final e pedem refúgio no Brasil com o objetivo de "seguir rota rumo ao norte das Américas, principalmente os Estados Unidos e Canadá".
O defensor público federal Murillo Ribeiro Martins considera a medida ilegal. "O próprio Estatuto dos Refugiados traz uma previsão que o facto de um migrante ter ingressado de forma irregular no país não é motivo para impedimento da solicitação de refúgio. A lei garante isso e os tratados internacionais que o Brasil assinou também garantem essa possibilidade de solicitar refúgio", explicou à DW.
Segundo a Polícia Federal, em 2021, a média anual de pedidos de asilo no aeroporto de Guarulhos era de 1.400. Até agosto deste ano foram registados 7.156 pedidos - ou seja, houve um aumento de mais de 500%.
Entre os processos de cidadãos de países africanos com origem em Guarulhos e atualmente em andamento, somalianos, camaroneses, ganeses e etíopes são a maioria.
"Precisamos de justiça"
Segundo Murillo Ribeiro Martins, a Defensoria abriu uma ação cível para apurar as responsabilidades de todos os envolvidos no caso de Evans. As polícias civil e federal abriram inquéritos criminais.
"E é justamente com esse objetivo, de se pensar na responsabilização dos culpados e consequentemente de trazer uma reparação e eventualmente se pensar em medidas de não repetição. Na visão da Defensoria Pública, o falecimento do senhor Evans é algo que poderia ter sido evitado, mas facto é que o encaminhamento dele ao hospital se deu de forma tardia", afirma o defensor público.
Evans teve uma infeção urinária que evoluiu para infeção generalizada. Priscilla Ossêi Wussu afirma veemente que a família irá pedir uma reparação.
"Precisamos de justiça. Não queremos que isto volte a acontecer a ninguém. Também precisamos de uma indemnização para a família, porque era ele que tomava conta dos seus irmãos. Ele adotou três crianças da sua irmã mais velha", destacou.
Os novos migrantes africanos do sul do Brasil
O estado brasileiro do Rio Grande do Sul é conhecido pela imigração alemã. Mas, nos últimos anos, foi destino de migrantes africanos que lá procuram uma vida melhor. Vivem à margem da sociedade e queixam-se de racismo.
Foto: DW/L. Nagel
O sonho de todos os migrantes é o mesmo
Vendedores ambulantes do Senegal no bairro Sarandi em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Óculos de sol são vendidos a preços baixos. No Brasil podem ganhar três ou até quatro vezes mais do que no seu país de origem. O sonho deles é o mesmo dos imigrantes alemães, italianos e poloneses, que chegaram há quase dois séculos em terras gaúchas: trabalhar e viver em paz no Brasil.
Foto: DW/L. Nagel
Senegaleses são maioria entre os africanos
A Associação dos Senegaleses de Porto Alegre tem cerca de 200 membros. A sede da associação fica na zona norte da cidade, em um apartamento, onde há reuniões e orações em conjunto. Em 2014, mais de mil senegaleses pediram refúgio no Brasil. O refúgio só é concedido quando há provas de perseguição política, étnica ou religiosa.
Foto: DW/L. Nagel
Convívio entre os migrantes senegaleses
Duas vezes por mês, na cidade de Porto Alegre, dezenas de imigrantes senegaleses se reúnem nesta "mesquita" improvisada em um apartamento para realizar suas orações. Em dezembro, a comunidade senegalesa comemora a festividade religiosa "Grand Magal Touba", entoando cantigas e poemas escritos pelo líder muçulmano senegalês Cheikh Ahmadou Bamba.
Foto: DW/L. Nagel
Comunicação com a família
O imigrante Omar Doingue fala todos os dias pela Internet com familiares em África, a partir de Porto Alegre, onde vive há poucos meses. A maioria dos senegaleses no Brasil é de classe média urbana, muitos têm ensino médio ou superior. Mesmo assim, em muitos casos, acabam por se dedicar ao comércio informal.
Foto: DW/L. Nagel
Rapper angolano faz sucesso no Brasil
Geraldino Canhanga do Carmo da Silva, conhecido como o rapper "Kanhanga", nasceu na cidade do Lobito, em Angola. Escolheu a cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, para estudar e seguir a carreira de músico. Vive no Brasil desde 2005 e denuncia, através da música, o racismo e a descriminação de que os negros são alvo.
Foto: Kanhanga
Cantar contra a discriminação
Na foto, o rapper angolano canta para população no centro de Porto Alegre. Kanhanga diz ter sido vítima de discriminação quando, em 2014, foi preso por engano. Numa canção, o músico angolano afirma: "Tira as algemas de mim, tira as algemas de mim, polícias racistas bem longe de mim".
Foto: Kanhanga
Guineense chamado de "macaco"
Francisco Ialá, natural de Bissau, vive em Porto Alegre desde junho de 2005. Já foi vítima de racismo e chamado de "macaco" quando morava em uma República de Estudantes. "Depois de formado, vou cursar mestrado em Direito Internacional e lutar por justiça aqui (no Brasil) e no meu país", disse.
Foto: DW/L. Nagel
Não saiu sem ser atentido pelo governador
Em protesto contra o racismo, o guineense Francisco Ialá permaneceu durante horas em frente ao Palácio Piratini, sede do governo do Rio Grande do Sul. O objetivo era ser atendido pelo governador José Ivo Sartori (à direita na foto). Depois de passar um dia inteiro em frente ao Palácio, finalmente Francisco logrou seu objetivo.
Foto: DW/L. Nagel
Aulas para crianças carentes
Além de estudar Direito, Francisco Ialá treina judô, pelo menos quatro vezes por semana, na cidade de Porto Alegre. O imigrante guineense dá aulas a crianças e jovens carentes. O exercício se tornou um aliado na luta pela inclusão social de pessoas em situação de vulnerabilidade.
Foto: DW/L. Nagel
Trabalho voluntário
"Chico", como Francisco Ialá é chamado pelos alunos, trabalha voluntariamente em uma escola pública localizada na zona norte de Porto Alegre. O guineense ensina, pelo menos duas vezes por semana, a disciplina de Direitos Humanos em Educação para as crianças.
Foto: DW/L. Nagel
Auxiliar em vez de enfermeiro
O enfermeiro Moussa Sene, de 34 anos, é natural de Rufisque, Senegal. Veio para o Brasil em março de 2014 com a esperança de exercer sua profissão. Atualmente, Moussa tem trabalho oficial com carteira assinada, conforme as leis brasileiras do trabalho. No entanto, trabalha como auxiliar de serviços gerais em uma distribuidora de refrigerantes em Sapucaia do Sul, Rio Grande do Sul.
Foto: DW/L. Nagel
Remessas para ajudar a família em África
O senegalês Moussa Sene vive num quarto alugado numa pensão na cidade de Novo Hamburgo, 40 km ao sul de Porto Alegre. Paga mensalmente 300 reais (68 euros) pela hospedagem e envia para o Senegal cerca de 600 reais (136 euros) para o sustento de sua família. Moussa é casado, tem dois filhos e sonha em trazer a família para viver no Brasil.
Foto: DW/L. Nagel
Manter os costumes religiosos
Mesmo distante de casa, Moussa Sene mantém as tradições. Como muçulmano fiel, o senegalês reza cinco vezes por dia. Guarda um exemplar do livro sagrado dos muçulmanos, o Alcorão, no seu quarto.
Foto: DW/L. Nagel
Promessas não cumpridas
Em outubro de 2015, o enfermeiro senegalês ficou conhecido nacionalmente por salvar a vida de uma passageira dentro de um trem em São Leopoldo, Rio Grande do Sul. A idosa teve um mal súbito e desmaiou. Moussa socorreu a vítima. Após o episódio, várias promessas de trabalho em hospitais e clínicas surgiram, no entanto nada foi concretizado. Moussa segue sua batalha por um trabalho de enfermeiro.