Gorbachev: Ocidente louva pacifista de um país em guerra
Lusa
31 de agosto de 2022
Vários líderes mundiais reagiram à morte de Mikhail Gorbachev, aos 91 anos, em Moscovo. Ocidente elogia o "exemplo" do estadista. Na Rússia, deputado comunista apelida-o de "traidor".
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A morte de Mikhail Gorbachev, em plena guerra entre a Rússia e a Ucrânia, continua a suscitar homenagens no Ocidente e reações mais comedidas em Moscovo, onde muitos o culpam pelo colapso da União Soviética.
Mikhail Gorbachev morreu na terça-feira à noite, aos 91 anos, na sequência de uma "longa e grave doença", segundo o Hospital Clínico Central de Moscovo, onde estava a ser tratado.
Louvado no Ocidente por ter posto fim à Guerra Fria, que opôs os blocos ocidental e soviético entre 1947 e 1991, a morte de Gorbachev ocorre numa altura em que a Rússia está em guerra com a Ucrânia, levando a comparações entre o seu pacifismo e o belicismo do líder russo.
Vladimir Putin divulga nota de condolências
Numa mensagem de condolências divulgada esta quarta-feira, o Presidente russo, Vladimir Putin, falou de "um político e estadista que teve uma grande influência na História mundial".
Já o deputado do partido no poder da Rússia Unida Oleg Morozov disse que Gorbachev prejudicou a Rússia e considerou uma "coincidência mística" que tenha morrido quando os soldados russos estão na Ucrânia a combater a "injusta ordem mundial".
Menos comedido, o deputado comunista Nikolai Kolomeitsev, denunciou Gorbachev como um "traidor que destruiu o Estado".
O jornalista russo Dmitry Muratov, também galardoado com o Nobel da Paz em 2021, destacou que o último líder da União Soviética preferia a paz ao poder pessoal.
Também o líder da oposição russa, Alexei Navalny, que está preso, destacou que Gorbachev "deixou o poder pacificamente e voluntariamente, respeitando a vontade dos eleitores".
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Ocidente tece elogios
Pela Europa e dos Estados Unidos da América as reações também foram surgindo. A ex-chanceler alemã Angela Merkel disse que o antigo líder soviético mudou a sua vida de uma forma fundamental.
"Nunca o esquecerei", afirmou Merkel sobre o homem que, em sua opinião, mostrou "como um estadista pode mudar o mundo para melhor".
O sucessor de Merkel, o social-democrata Olaf Scholz, recordou Gorbachev como um "reformador corajoso" que tornou possível a tentativa de estabelecer uma democracia na Rússia.
Em Itália, o primeiro-ministro Mario Draghi saudou a oposição de Gorbachev a "uma visão imperialista da Rússia" e o seu desejo de paz, que lhe valeu o Prémio Nobel.
O chefe do Governo espanhol, Pedro Sánchez, disse que Gorbachev "contribuiu de forma decisiva para o fim da Guerra Fria e para fazer da Europa, e do mundo, um lugar com mais paz e liberdade".
O secretário-geral da NATO, o norueguês Jens Stoltenberg, defendeu que a visão de Gorbachev "de um mundo melhor continua a ser um exemplo".
A Fundação Gorbachev disse que o antigo líder será enterrado no cemitério de Novodevichy, em Moscovo, ao lado da esposa, mas desconhece-se ainda a data e se terá um funeral de Estado.
Património ferrugento: socialismo em África
As relações entre África e o mundo socialista foram tema de uma mostra em Bayreuth. "Things Fall Apart" narra a história desde o início da União Soviética, passando pela desintegração do bloco socialista até ao presente.
Foto: Universität Bayreuth/Iwalewahaus
Correntes antigas - novas visões
Quando, nos anos 50 do século passado, os países africanos começaram a conquistar a independência, os ex-colonizadores já se encontravam no meio da guerra fria. Esta luta por ideologias também atingiu o continente africano. A União Soviética tentava angariar simpatias entre os jovens Estados independentes com slogans como "A África luta – A África ganha".
Foto: Universität Bayreuth/Iwalewahaus
Utopia ferrugenta
O amor fraternal entre a União Soviética e os Estados africanos só durou algumas décadas. Mas as consequências fazem-se sentir até hoje. Em 2006, o fotógrafo angolano Kilonji Kia Henda descobriu o pesqueiro Karl Marx num cemitério de navios no norte de Luanda. Era parte de uma frota pesqueira doada a Angola por Moscovo, mas que só operou durante poucos anos.
Foto: Universität Bayreuth/Iwalewahaus
Guerra por procuração em África
Os murais desbotados de Leonid Brejnev, Fidel Castro e Agostinho Neto (centro), o primeiro Presidente de Angola, documentados pela fotógrafa sul-africana Jo Ractliffe, recordam a História socialista de Angola. Na guerra civil, o Governo foi assistido por tropas de Cuba e armas da União Soviética. O outro lado recebia apoio financeiro e armamento da África do Sul e dos Estados Unidos da América.
Foto: Universität Bayreuth/Iwalewahaus
Homenagem a um ícone do anti-imperialismo
Também Patrice Lumumba, o primeiro chefe do Governo da República Democrática do Congo, simpatizava com o socialismo. Uma crise no jovem Estado levou-o a pedir ajuda à União Soviética, o que conduziu à sua queda do poder e ao seu assassínio às mãos dos serviços secretos belgas. A União Soviética honrou o ícone da luta africana pela independência com um selo.
Foto: Universität Bayreuth/Iwalewahaus
Convidados, mas nem sempre bem-vindos
Moscovo convidava jovens africanos para estudarem na Universidade Patrice Lumumba desta cidade. Os estudantes eram muitas vezes mais atraídos pelas despesas pagas do que pela ideologia. Mas eram continuamente confrontados com racismo, contra o qual protestavam. A primeira manifestação pública na União Soviética pós-Estaline no final dos anos 50 foi um protesto de estudantes africanos.
Foto: Universität Bayreuth/Iwalewahaus
Brejnev: engajamento em solo africano
A União Soviética não poupou esforços nem custos para disseminar a sua ideologia em África. Uma visita de Leonid Brejnev à Guiné em 1957 ficou documentada em filme. O realizador Alexander Markov enquadrou este trabalho propagandístico num documentário mostrado no Festival do Cinema de Berlim em 2015.
Foto: Universität Bayreuth/Iwalewahaus
Unidos no espaço sideral
Propaganda na forma de som e imagem era fácil de transportar, e, por isso, muito popular. A imagem estereotipada de crianças de três continentes tinha por objetivo demonstrar que só a união tornava o progresso possível. Pode ser que a esperança de participar numa missão espacial tenha motivado muitas crianças.
Foto: Universität Bayreuth/Iwalewahaus
Aplausos para o socialismo
A Etiópia, sede da Organização da União Africana (OUA), era considerada a chave para o continente. O regime militar de Mengistu Hailemariam devia muito à União Soviética. À frente do edifício da organização foi colocada uma estátua gigantesca de Lenine. Um monumento a Marx (imagem), doado pela extinta República Democrática Alemã, ainda pode ser visto no parque universitário de Addis Abeba.
Foto: Getty Images/AFP/A. Joe
Legado da era socialista
Muitos políticos africanos continuam a recorrer à estética socialista. Este monumento de bronze de nome "Renascimento Africano" foi encomendado em 2010 pelo Presidente senegalês, Abdoulaye Wade. O conceito e a execução ficaram a cargo de uma empresa da Coreia do Norte que já forneceu construções gigantescas à Etiópia e outros 20 Estados africanos.
Foto: picture-alliance/dpa
A estética do realismo socialista
Em 2005, o Presidente do Botswana, Festus Mogae, inaugurou esta instalação tripla, que representa os três chefes ("Three Dikgosi") considerados os precursores do Estado atual. O autor desta obra que é expressão de uma estética totalitária é o sul-coreano Onejoon Che. A estética do realismo socialista ainda tem muitos adeptos entre os poderosos em África.
Foto: Universität Bayreuth/Iwalewahaus
O que resta do espetáculo
O Burkina Faso é considerado a última tentativa de estabelecer um socialismo de cunho africano. Na capital do filme africano, Ouagadougou, são exibidos filmes de realizadores que estudaram em Moscovo, como Ousmane Sembène. O oficial socialista Thomas Sankara foi um impulsionador importante do festival de cinema FESPACO. O fotógrafo Isaac Julien (2005) retrata um cinema vazio.
Foto: Iwalewahaus/Isaac Julien
Brevemente em África?
A mostra ambulante "Things Fall Apart" foi concebida em Londres e na cidade alemã de Bayreuth, onde esteve patente até 18 de setembro. A partir de Dezembro poderá ser vista por dois meses em Budapeste. E depois? A Casa Iwalewa em Bayreuth negoceia atualmente uma possível exibição em países africanos. O sonho socialista permanece uma utopia também em África.