A realidade violenta e racista dos bairros dos arredores de Lisboa será discutida no evento que apresentará filmes de realizadores negros, que geralmente não têm espaço no circuito comercial.
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A violência e o racismo sofridos por migrantes africanos residentes em Portugal serão debatidos na segunda Mostra Internacional de Cinema na Cova da Moura, que arranca esta quarta-feira (26.07) no concelho de Amadora, nos arredores de Lisboa.
Até sábado (29.07), sob a temática "África e as suas Diásporas", o evento apresentará produções de realizadores negros e afrodescendentes que não encontram lugar na maioria das salas dos cinemas comerciais.
Em entrevista à DW, Maíra Almada, curadora do evento, considera que esta é uma oportunidade para se discutir a organização da comunidade negra que reside na capital portuguesa.
"A mostra fala muito de como precisamos, de uma forma ou de outra, de se organizar coletivamente enquanto população negra. Porque noutros espaços do poder a gente não está a conseguir aliados, não está a conseguir inserção na sociedade", diz.
Filmes das diásporas
Alguns dos filmes a exibir até o dia 29 despertam para o debate do racismo, que, em Portugal, atinge principalmente a população de bairros degradados, como o de Cova da Moura, constituído na sua maioria por imigrantes oriundos dos países africanos de língua portuguesa. Em bairros como este, a violência policial é uma realidade enfrentada pela população.
Entre os filmes que retratam esta problemática estão o curta-metragem "Cidade de Deus" (Brasil / 2002) e a longa-metragem "Febre Amarela" (Yellow Fever), da queniana Ng'endo Mukii. Para Maíra Almada, a não exibição de filmes como estes no circuito comercial também é resultado do racismo ainda latente na sociedade portuguesa.
Violência policial e injustiça
E o racismo institucional na sociedade portuguesa – sobretudo as narrativas de excecionalidade que existe por parte da polícia sobre o bairro da Cova da Moura – inquieta jovens como Jakilson Pereira, membro diretivo da Associação Cultural Moinho da Juventude.
Segundo ele, "algumas destas narrativas nem [sequer] nasceram com más intenções. Mas, ao longo do tempo os agentes policiais perceberam que a excecionalidade dentro do Estado de direito pode ser também algo bem explorado".
26.07.17 Racismo em Portugal (online) - MP3-Mono
Pereira diz que "durante muitos anos [os polícias] exploraram esse campo e viram que aqui podiam fazer tudo e mais alguma coisa e nunca serem questionados. Porque quando são questionados encostam-se aos esteriótipos e à estigmatização do bairro para se defenderem".
Jakilson Pereira lembra a barbárie praticada contra jovens do bairro em fevereiro de 2015 e a recente acusação (sem precedente), pela investigação judicial, de 18 agentes policiais, incluindo o chefe da esquadra de Alfragide (arredores de Lisboa), indiciados pelos crimes de tortura, sequestro, injúria e ofensa à integridade física qualificada, agravados pelo ódio e discriminação racial contra seis jovens da Cova da Moura.
"Nós estamos a falar em pleno século XXI. Num Estado de direito aquilo que aconteceu é inaceitável, porque aqueles que supostamente estão todos os dias a fiscalizar para fazer cumprir a lei, quando são os primeiros a tornarem-se justiceiros populares e os primeiros a ter uma posição inaceitável. E no primeiro passo deste processo mostra claro que a acusação parte de uma base racial. A acusação fala em jovens negros", destaca Pereira.
Omissão do Estado
Tomando em conta o acontecido na Cova da Moura, a DW ouviu também Mamadou Ba, dirigente da SOS Racismo. Para ele, o Estado português esteve tempo demais "mudo, surdo e cego" em relação à problemática da violência policial com motivações racistas nos bairros habitados por afrodescendestes.
Mamadou Ba diz que é preciso "um caminho de combate firme contra o racismo institucional, nomeadamente junto das forças de segurança pública", e garantir "que as vítimas de abuso e violência policial com motivações racistas são efetivamente protegidas".
Para o ativista, os casos sistemáticos de violência nesses bairros de Lisboa "têm a ver com uma cultura de impunidade que grassa dentro das forças de segurança, nomeadamente na forma como se relacionam com as comunidades negras em Portugal".
Documentos da vergonha: Peças da escravatura expostas em Portugal
O Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa, apresenta até dezembro a exposição "Escravatura: Memória Africana", que remonta a história até a abolição dos escravos em Portugal.
Foto: DW/J. Carlos
No Museu Nacional de Arqueologia
Ao todo são 43 as instituições, entre museus, bibliotecas e arquivos histórios de Lisboa que conjugaram esforços para mostrar ao público as memórias da escravatura negra em Portugal. Com esta exposição, aberta ao público até dezembro, a organização procura relançar a discussão sobre o tráfico, o combate e a abolição da escravatura, no âmbito dos eventos da Capital Ibero-Americana de Cultura 2017.
Foto: DW/J. Carlos
Coleiras de escravo
Durante 400 anos, Portugal teve um papel central no processo de tráfico de escravos. Neste projeto do Gabinete de Estudo Olisiponenses são apresentados alguns dos instrumentos da repressão e da escravatura, a exemplo destas coleiras de escravo em liga de cobre, do século XVIII. Fazem parte de 30 conjuntos de peças saídas do acervo diversificado do Museu de Arqueologia.
Foto: DW/J. Carlos
Grilhetas e algemas
Neste núcleo estão reunidas grilhetas de mãos ou de pés e algemas. Pertencem a um conjunto de instrumentos de sujeição que terão sido utilizados para prender escravos. É provável que para este fim fosse utilizado o mesmo tipo de instrumentos usados por condenados ou por pessoas em qualquer outra condição de captura e aprisionamento.
Foto: DW/J. Carlos
Coleira de pescoço
Esta coleira de pescoço em ferro é constituída por dois aros idênticos, articulados através de um encaixe em elo para permitir mobilidade, rematados por terminais de forma ovalada e vazada, por onde passaria uma corrente ou um sistema de fecho. Peças como esta encontram-se em pinturas em vários países europeus, mas muitos poucos museus têm o objeto, segundo a curadoria da exposição.
Foto: DW/J. Carlos
Algemas de mão
À medida que fixamos o olhar em cada uma das composições da exposição procuramos imaginar ou entender como era o dia-a-dia dos escravos, a maneira como viviam, mas sobretudo o sofrimento pelo qual passaram, presos a algemas como estas. Feitas em ferro, são constituídas por dois aros com estrangulamento mediano e extremidades extravasadas, rematadas por terminais em argola.
Foto: DW/J. Carlos
Cruzeta e manilhas
Nesta vitrina mostra-se um conjunto de objetos que integraram os sistemas pré-monetários utilizados na África subsariana, no âmbito das trocas comerciais em geral e também no comércio e tráfico de escravos realizado a partir do século XVI, na costa ocidental africana. Em cima, vê-se uma cruzeta de cobre que servira de meio de troca no tráfico de escravos.
Foto: DW/J. Carlos
Objetos de troca comercial
As manilhas, feitas em ligas de bronze, eram produzidas em diversas cidades da Inglaterra, França e Alemanha. Semelhantes na forma a braceletes, adorno muito apreciado entre as populações africanas como símbolo de estatuto, riqueza e poder, as manilhas-braceletes também se tornaram num dos objetos de troca mais difundidos no comércio entre a Europa, África e as Américas.
Foto: DW/J. Carlos
Soldados e mulher de tanga
Abstraindo-se dos elementos com cunho de escravização, a coleção mostra várias figuras de cerâmica pintada, representando soldados africanos e mulheres negras de tanga com cestos portugueses, colares e outros adornos, como missangas, usados também como acessórios rituais ou como moeda no comércio de escravos e de outras mercadorias.
Foto: DW/J. Carlos
Documentos valiosos
Além das mais de 200 peças, há documentos valiosos relacionados com a escravatura. Em primeiro plano, vê-se um manuscrito de 1579. Ao lado, a obra de Manuel Heleno, que escreveu sobre os escravos de Portugal, na sua tese de doutoramento em Ciências Históricas apresentada na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1933).
Foto: DW/J. Carlos
Grilhão ou prisão de escravos
Este é um dos objetos que evoca a escravatura no Museu de Etnologia. Trata-se de um grilhão ou prisão dos escravos, uma das raras peças existentes em Portugal que ilustra uma particular violência e desumanidade. Aprisionando conjuntamente punhos e tornozelos, resulta na imobilização e subjugação total do escravo. Um dos testemunhos de uma história sombria.
Foto: DW/J. Carlos
Tambor proibido
Dando um salto ao Museu da Música, o tambor africano distingue-se entre as peças ali expostas. É um instrumento de percussão disseminado pelo continente africano, habitualmente associado a danças e rituais religiosos. Mas, no período da escravatura, era muitas vezes proibido o seu uso por receio de estar associado a formas de comunicação entre escravos ou para atacar os donos brancos.
Foto: DW/J. Carlos
Do tráfico à abolição
O tráfico de escravos africanos adquiriu grande amplitude com a fixação dos primeiros entrepostos portugueses na África Ocidental, na primeira metade do século XV. No entanto, a decisão de Marquês de Pombal de libertar todos os escravos que entrassem no Reino encontrou oposição dos traficantes. A Marinha Portuguesa teve de envolver-se na abolição do tráfico de escravos nos domínios de Portugal.
Foto: DW/J. Carlos
O combate à escravatura
Aos poucos o tráfico de escravos foi encontrando resistência, conforme relatam os muitos documentos expostos no Arquivo Histórico Cordoaria Nacional. Aqui está o modelo de corveta mista “Rainha de Portugal”, navio da Marinha Portuguesa que prestou serviço ao longo do último quartel do século XIX, na costa ocidental de África, sobretudo em ações de vigilância e interceção do tráfico negreiro.
Foto: DW/J. Carlos
Abolição definitiva
O decreto de 25 de fevereiro de 1869 aboliu a escravidão em todas as colónias portuguesas. Os escravos existentes passariam a libertos, tendo tal condição cessado definitivamente em 1878. Este é o símbolo do fim da escravatura numa das praças de Lisboa, em homenagem a Sá da Bandeira, figura que se destacou pelos esforços incessantes a favor do movimento abolicionista.