Motim revela problemas de fundo na Costa do Marfim
Jane Ayeko-Kümmeth | AFP | Reuters | EFE | gs
17 de maio de 2017
Governo da Costa do Marfim chegou a acordo com soldados que se amotinaram desde sexta-feira. Analista diz que o país ainda não conseguiu digerir as consequências da última crise eleitoral.
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O consenso entre o Governo e os soldados amotinados, alcançado esta terça-feira (16.05.), permite o regresso à normalidade nas principais cidades do país.
Três pessoas morreram e nove ficaram feridas devido ao motim, segundo o Executivo. Na sexta-feira passada, os militares tomaram o controlo da entrada sul de Bouaké, expulsando os polícias, e os protestos espalharam-se a outras localidades. Em Abidjan, lojas e bancos fecharam as portas.
Os soldados amotinados fazem parte dos cerca de 8400 ex-rebeldes que apoiaram o atual Presidente, Alassane Ouattara, durante a crise eleitoral de 2010-2011 e que depois foram integrados no exército.
Após um anterior acordo desmentido pelos militares, o ministro da Defesa costa-marfinense garantiu que desta vez é a valer. Alain-Richard Donwahi frisou ainda que os soldados merecem ser pagos pela sua intervenção durante a crise. "Este acordo foi alcançado pacificamente e será definitivo. Tem de ser implementado por todas as partes", afirmou o governante, sem avançar detalhes.
Soldados recebem milhões de francos
O sargento Cissé Fousseni, porta-voz dos soldados amotinados em Bouaké, disse estar satisfeito com a solução encontrada e confirmou o regresso dos militares aos quartéis.
"Abrimos um corredor na estrada e estamos com os nossos colegas da polícia. Vamos para os quartéis, o nosso lugar é lá e não aqui", anunciou Fousseni.
Segundo fontes militares, citadas pela imprensa, o Governo terá acordado em pagar imediatamente aos soldados cinco milhões de francos CFA (cerca de 7,600 euros) e dois milhões adicionais até ao final do próximo mês.
Motim revela problemas de fundo na Costa do Marfim
Em janeiro, noutro motim, os soldados exigiram o pagamento do equivalente a 18 mil euros por pessoa. Na altura terão recebido 7.500 euros e o próximo pagamento, que estava previsto para este mês, foi posto em causa, o que deu origem ao motim.
Problemas por resolver
As somas prometidas aos soldados vão pesar nas contas do principal produtor mundial de cacau, cujo preço está em queda nos mercados internacionais. Além disso, teme-se nova turbulência, já que os funcionários públicos da Costa do Marfim exigem há meses aumentos salariais.
A Costa do Marfim tem tido problemas em reintegrar ex-soldados na vida civil e em digerir as consequências da última crise eleitoral, afirma o analista Paul Melly.
"O problema fundamental é que algumas das mais duras consequências da crise de 2010-2011 foram relegadas para segundo plano, enquanto o Governo se concentrou particularmente na retoma da economia", pois essa poderia ser uma causa de conflito, explica o especialista do instituto britânico de análise política Chatham House.
À descoberta da Costa do Marfim
Uma exposição recente no Kunsthalle, um dos principais museus da cidade de Bona, na Alemanha, convidou os visitantes a conhecer os "Mestres Africanos - A Arte na Costa do Marfim", através de máscaras e esculturas.
Foto: DW/Birgit Görtz
Uma tradição viva
As máscaras e esculturas de madeira são há séculos o ponto de partida para a arte da África ocidental. No bazar de Co Cava, no bairro de Treichville da capital, Abidjan, os comerciantes vendem artesanato de todas as regiões da Costa do Marfim e dos países vizinhos. Os preços são acessíveis e a qualidade é elevada. Mas são todas peças modernas.
Foto: DW/Birgit Görtz
"Muito, muito antigo"
"Não, aqui não há antiguidades", diz Lorenz Homberger, desmascarando, em menos de nada, a afirmação contrária do comerciante. O especialista em arte africana do Museu Rietberg, em Zurique, na Suíça, foi o curador da exposição "Mestres Africanos". Depois de ter sido exibida em Bona, a mostra seguiu para Amesterdão e Paris.
Foto: DW/Birgit Görtz
Uma máscara guro típica
A etnia guro, que vive no centro da Costa do Marfim, é famosa pelas suas máscaras sacras e profanas. Algumas peças são tão sagradas que estão proibidas às mulheres. Os guro são considerados dançarinos exímios. Alguns são tão celebrados como estrelas da música pop.
Foto: DW/Birgit Görtz
Pelo menos tão tradicional como moderna
O escultor marfinense Jem Robert Koko Bi dá continuação à tradição da arte em madeira do seu país, mas também quebra com ela. Na exposição em Bona foram exibidas obras de Koko Bi: esta escultura é uma de cinco gigantescas figuras do conjunto “Diáspora” em madeira de álamo queimada.
Foto: DW/Birgit Görtz
Visita aos "artistas clandestinos"
Koko Bi (à direita) aprendeu muito com eles: expulso da academia de artes há mais de 20 anos, por não querer renunciar ao trabalho com madeira, foi acolhido pelos escultores de madeira. Estes vêm do interior do país, do Mali e do Burkina Faso, e procuram apenas um local onde se instalar. Mas as autoridades consideram-nos imigrantes clandestinos. Para Koko Bi são os "artistas clandestinos".
Foto: DW/Birgit Görtz
Divisão de trabalho
O primeiro faz o corte em bruto, o segundo esculpe os detalhes. Os seguintes passam o lustre, antes da peça ser pintada. Os "artistas clandestinos" falam sem complexos deste sistema de divisão de trabalho. Só não revelam como dão às obras a aparência de antiguidade.
Foto: DW/Birgit Görtz
Simplesmente bonito
Esta peça vai ser a réplica de uma figura tradicional lobi. Os lobi são uma etnia do norte da Costa do Marfim e do vizinho Burkina Faso. A arte dos lobi só se tornou conhecida muito tarde e desencadeou uma verdadeira mania da arte africana na Alemanha nos anos 70 do século passado.
Foto: DW/Birgit Görtz
Por uma garrafa de gin
O curador Lorenz Homberger diz que as vias percorridas pelas verdadeiras peças de arte que chegam à Europa a à América do Norte são múltiplas e muito suspeitas. Alguns comerciantes encomendaram cópias, convenceram aldeias inteiras de que as novas valiam muito mais e levaram os originais. Que hoje valem muitos milhões.
Foto: DW/Birgit Görtz
Arte africana contemporânea
Não existe um “mainstream”, mas há intersecções. Tole Wéwé é um artista nigeriano. O seu “Elephant Danse” (dança do elefante) mostra a importância para os artistas de abordar temas como a identidade e as raízes culturais.
Foto: DW/Birgit Görtz
Reminiscência
Um homem que renuncia à sua identidade é como uma árvore sem raízes – não só em África. O nome deste conjunto é “Deraciné” – “desenraizado”. Tal como “Elephant Danse” está exposto na “Rotonde das Arts”, em Abidjan, uma galeria patrocinada por um homem de negócios e mecenas marfinense.
Foto: DW/Birgit Görtz
Oásis na selva urbana
A fundação Donwahi em Abidjan é uma verdadeira jóia. Esta galeria financiada por empresas internacionais é uma vitrina para a obra de quatro artistas contemporâneos. A escultura "Os Estigmatizados" de Désiré N'Guessan data de 2013.
Foto: DW/Birgit Görtz
Rótulos inúteis
"Marché Gouro" (mercado da região dos guro) de Pascal Konas é mais uma prova de que não existe UMA arte africana. Illa Donwahi, diretora da galeria, diz com convicção: "Não queremos que nos coloquem rótulos como 'arte africana contemporânea'. A arte contemporânea é universal".