Movimento Lunda Tchokwe: "Não haverá eleições livres"
António Cascais
1 de agosto de 2017
José Mateus Zecamutchima afirma que os manifestantes do Movimento do Protetorado Lunda Tchokwe, detidos no sábado passado (29.07), não foram libertados. Lembra ainda que nenhum partido fala sobre o "destino das Lundas".
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No sábado passado (29.07) uma manifestação do Movimento do Protetorado Lunda Tchokwe – que exigia autonomia, o fim das prisões arbitrárias e a libertação de militantes - foi reprimida pela polícia angolana. Trinta e oito pessoas foram detidas, das quais 18 em Capenda Camulemba e 20 em Cafunfo. Outras sete ficaram feridas.
Em comunicado, o Comité Politico do Movimento do Protetorado Lunda Tchokwe denunciou "a brutalidade e uso excessivo de força com disparos de AKM47 e lançamento de granadas de gás lacrimogéneo pela polícia nacional e forças armadas de Angola".
Em entrevista à DW África, o presidente do Movimento do Protetorado Lunda Tchokwe, José Mateus Zecamutchima, relata os acontecimentos e afirma que "nunca vão existir eleições livres e transparentes ou isentas" em Angola. O responsável frisa ainda o facto de, mais uma vez, nenhum dos partidos candidatos ao poder se ter pronunciado sobre "qual o destino a dar às Lundas".
DW África: O que aconteceu na manifestação do passado fim de semana?
José Mateus Zecamutchima (JMZ): No sábado, dia 29, saimos em manifestações pacificas, o que resultou, exatamente, em 38 companheiros que estão, neste momento, nas cadeias na localidade de Capenda Camulemba e no município do Cuango. Nessa manifestação, a polícia usou armas e fez lançamento de granadas, o que resultou também em sete companheiros feridos graves.
DW África:E o que é que as autoridades alegam? Quais as razões para tais detenções?
JMZ: Até ao momento, não ouvimos as autoridades angolanas alegarem quais são os motivos. As manifestações estão muito bem patentes na Constituição angolana e as autoridades nunca negaram a nossa saída à rua. Quando saímos, automaticamente, eles reprimem, prendem e disparam. Até agora, não sabemos de nada.
DW África:Vocês dispõem de qualquer informação sobre o estado de saúde dos detidos?
JMZ: A polícia está a torturar os nossos companheiros nas cadeias. Não estão a permitir que as famílias levem comida à unidade policial. Temos pessoas com 65 anos de idade, pessoas mais velhas, camponeses cansados.
DW África:A questão da autonomia do Movimento Protetorado Lunda Tchokwe não está na agenda dos partidos nesta campanha…
JMZ: Lamentavelmente já tivemos encontros com todos os partidos da oposição e também com o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). A União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), Partido de Renovação Social (PRS), Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE) e o MPLA continuam a ignorar o processo da Lunda, nenhum partido angolano que vai às eleições se pronunciou sobre qual o destino a dar às Lundas. Se os partidos não querem nada com as Lundas não estamos a ver porque é que os Lundas tem que ir ao voto.
DW África:O que esperam concretamente dos partidos?
JMZ: Esperamos alguma melhoria. Parece–me que em Angola só se respeita aqueles povos que se revezam por via armada e não aqueles que lutam pelos seus direitos de forma pacifica. Mas, dentro da Lunda, os povos já disseram que querem os seus direitos legítimos, a sua auto–determinação, até porque o Movimento continua a exigir autonomia, enquanto as populações querem independência.
Angola denúncias nas Lundas - MP3-Mono
DW África:A campanha eleitoral para as eleições de 23 de agosto já começou. Acha que há condições para umas eleições livres nas Lundas?
JMZ: Em Angola nunca vão existir eleições livres e transparentes ou isentas. O que assistimos em 2008 e 2012 é a mesma coisa que vai acontecer em 2017. O povo da Lunda foi obrigado e coagido para fazer o registo eleitoral. Os governantes sabem que o povo está cansado deste regime e cansado também dos outros partidos angolanos.
DW África:Quais os problemas concretos nestas eleições, em termos de transparência?
JMZ: A Lunda foi sempre renegada e posta em segundo plano ou mesmo em ultimo plano e o povo, neste momento, não esta disposto a ser humilhado e explorado. Nas Lundas, 90% da população jovem não tem emprego. Não existem fábricas, estradas ou comunicações. O povo vive de subsistência, os jovens quando "se fazem ao garimpo" são mortos. Com estas condições o povo estaria disponível para ir votar? Não há condições.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".