Cabinda: Independentistas denunciam prisão de 74 ativistas
Lusa
8 de fevereiro de 2019
Grupo de 74 ativistas do Movimento Independentista de Cabinda (MIC) está detido pela polícia angolana desde o final de janeiro, incluindo o presidente e o vice-presidente, segundo a organização.
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Sebastião Macaia Bungo, secretário para Informação e Comunicação do MIC, referiu, em declarações à agência de notícias Lusa, que as detenções foram feitas à medida que se aproximava o dia em que o movimento se preparava para celebrar, a 01 de fevereiro, com uma marcha, o 134.º aniversário da assinatura do Tratado de Simulambuco.
Contactada na quinta-feira (07.02) pela Lusa, fonte da Polícia Nacional de Angola indicou estar a aguardar por informações oficiais vindas de Cabinda para que se possa, depois, fazer um ponto de situação.
A marcha, que acabaria impedida pelas autoridades policiais angolanas, visava, além de comemorar os 134 anos do tratado assinado em 1885 entre Portugal e os príncipes, chefes e oficiais dos reinos de Cabinda (Makongo, Mangoyo e Maloango), colocando o enclave sob protetorado português, também exigir a independência de Angola.
"Foram presos 74 ativistas e dirigentes, nomeadamente o presidente do MIC, Maurício Bufita Baza Gimbi, e o seu 'vice', António Marcos Soqui, a irmã do presidente, Madalena Gimbi, de 18 anos, e o cunhado João Mambimbi. Quase uma família completa", referiu Sebastião Macaia.
"Caça às bruxas"
A polícia angolana, acrescentou, prendeu antecipadamente os organizadores e ativistas, impedindo-os de exercerem o seu direito de manifestação, que o MIC disse ser legítima, depois de ter entregue o pedido de autorização às autoridades provinciais, que não responderam.
"Em vez de dar luz verde à marcha, [a polícia] lançou uma operação de prisão dos dirigentes e ativistas do MIC, iniciada nos dias 28 e 29 de janeiro, e fez toda uma campanha para dissuadir as pessoas a participar em qualquer marcha", acusou.
Segundo Sebastião Macaia, há também dificuldades em alimentar os detidos, uma vez que a polícia está a impedir os familiares de entregar-lhes comida, mesmo depois de o MIC ter contratado quatro advogados para os defender.
Marcha em Luanda contra a violência de género
02:16
"Muitos dos nossos irmãos estão escondidos porque a polícia tem estado a cercar as suas casas numa caça às bruxas", acrescentou Sebastião Macaia, salientando que os 74 ativistas, três deles mulheres, foram detidos sem mandado de captura e apresentados ao tribunal para legalização da prisão, no prazo legal.
Nesse sentido, Sebastião Macaia disse à Lusa lamentar o "silêncio" das embaixadas de Portugal, Estados Unidos, Alemanha e Bélgica, às quais disse ter feito chegar, pessoalmente, em Luanda, o aviso da marcha em Cabinda.
O porta-voz do MIC acrescentou que o pré-aviso foi também enviado ao Presidente angolano, João Lourenço, às autoridades provinciais e ao bispo da diocese de Cabinda.
À Lusa, Sebastião Macaia enviou a lista com os nomes dos 74 ativistas detidos, entre eles o presidente do MIC, que terá sido detido a 31 de janeiro.
"Os agentes do SIC [Serviço de Investigação Criminal] em Cabinda torturaram os ativistas Maria Deca, de 42 anos de idade, Alberto Puna e Sebastião Buio, ambos de 23 anos de idade. Maria Deca ficou com o rosto inflamado e Alberto Puna apresenta dores de costelas, pelo que não consegue deitar-se", denunciou.
Artivismo: a arte política de André de Castro
O papel político da arte é o mote de "Liberdade Já", a exposição do artista brasileiro André de Castro que lembra, entre outros ativistas, os presos políticos angolanos.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
"Liberdade Já" em serigrafia
A arte pode ter uma missão política - é o que prova esta exposição de André de Castro, a primeira mostra a solo do artista visual brasileiro na Europa. Este primeiro painel à entrada da exposição, em Lisboa, é um tributo aos presos políticos angolanos. O autor deu-lhe o título de "Liberdade Já", slogan que alimentou o movimento de solidariedade internacional pela libertação dos ativistas.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
Debate sobre política internacional
Tanto este projeto "Liberdade Já" (2015) como "Movimentos" (2013-2014) tiveram repercussão mundial. O artista brasileiro destaca, através das suas obras, os jovens presos políticos de Angola, libertados em 2016. As suas imagens acabam por incentivar o debate sobre acontecimentos políticos internacionais.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Os "revús" compõem o painel…
O artista compõe o painel com "monoprints" em serigrafias repetidas. Aqui podem ver-se alguns dos jovens angolanos presos em Luanda, em 2015, por discutirem um livro sobre métodos pacíficos de protesto. Luaty Beirão, Domingos da Cruz, Nuno Álvaro Dala, Nito Alves, Benedito Jeremias e Nelson Dibango, entre outros, foram julgados pelo crime de atos preparatórios para a prática de rebelião.
Foto: DW/J. Carlos
… e multiplicam-se pelo mundo digital
O luso-angolano Luaty Beirão foi escolhido como símbolo do ativismo político, dando força à exposição, com a curadoria da Muxima. Os retratos multiplicaram-se no mundo digital, foram reproduzidos em t-shirts e posters. A venda das serigrafias expostas em mostras coletivas em Lisboa e Nova Iorque, em 2016, reverteu integralmente a favor das famílias dos presos políticos angolanos.
Foto: DW/J. Carlos
Além de Angola...
Em dezembro, André de Castro comemorou com as irmãs a abertura da exposição em Lisboa, que também apresenta rostos de ativistas como José Marcos Mavungo, advogado e ativista de Cabinda. Além de Angola, o artista desafia os visitantes a revisitar o movimento da Primavera Árabe. Dá a conhecer as pessoas e as suas lutas, propondo um ângulo mais pessoal e humano na narração do momento histórico.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Arte como ator social
No interesse do público e das comunidades, o artista brasileiro assume ser um promotor social. "Ao expor 'Movimentos' e 'Liberdade Já' juntos, a mostra permite um recorte da arte como ator social, questionando intenção, receção, apropriação e estética nas ruas e na internet", afirma André de Castro. É o que mostra a coleção "Movimentos", colocada na outra parede da sala.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Coragem para mudar o mundo
Nesta segunda parede, André de Castro imortaliza várias causas em diversas partes do mundo. São mulheres e homens que recusam aceitar a forma como são tratados pelos respetivos Estados. Acreditam, tal como o autor da exposição, que o mundo pode ser muito melhor. Por isso, com coragem, decidiram sair à rua.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Identidade política dos manifestantes…
Este primeiro projeto de André de Castro, em 2013, foi selecionado para a 11ª Bienal Brasileira de Design Gráfico e visto por mais de 40 mil visitantes, passando por Miami (2013), Nova Iorque (2014) e Brasília (2015). As serigrafias, que resultam de entrevistas realizadas através das redes sociais, retratam as identidades políticas dos manifestantes de diferentes países.
Foto: DW/J. Carlos
… e cultura das manifestações
Através das serigrafias, o artista procurou valorizar a força da ação individual dos manifestantes. Cada participante enviou uma foto de rosto, usando as redes sociais, e respondeu a uma série de perguntas sobre a sua identidade política. Assim, foram criados retratos políticos individuais que, em conjunto, formam uma mini etnografia da cultura material e imaterial das manifestações.
Foto: DW/J. Carlos
Do outro lado do mundo
Em Nova Iorque, no Zuccotti Park, a sugestão original foi ocupar Wall Street, símbolo dos capitais financeiros internacionais. Porque, afinal, foi a especulação de capitais que deu origem à crise que atormentou o mundo há anos. Questiona Daniel Aarão Reis, ao apresentar a exposição: "Como aceitar que os responsáveis não ficassem com o fardo principal das medidas de superação desta mesma crise?"
Foto: DW/J. Carlos
Novos dispositivos de mobilização
A arte política de André de Castro, que também evoca figuras como Ghandi e Martin Luther King, faz lembrar a tradição dos grandes movimentos dos anos 1960, que dispensava partidos e sindicatos. Ao invés disso, surgiram novos dispositivos de mobilização e de ação.
Foto: DW/J. Carlos
Espelho D’ Água valoriza as serigrafias
A exposição, que também será posteriormente exibida no Porto (a norte de Portugal), encontra-se no Espaço Espelho D’Água, em Lisboa. A calçada deste espaço, tipicamente portuguesa, foi construída com base numa obra do autodidata artista plástico angolano, Yonamine, que tem vivido em diversos países de África, Europa e América do Sul.