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ConflitosLíbia

Muammar Kadhafi foi assassinado há dez anos na Líbia

Kersten Knipp
20 de outubro de 2021

Há dez anos, o ditador líbio Muammar al-Kadhafi foi assassinado. Desde então, o país não tem sido capaz de sair da crise. As eleições parlamentares marcadas para dezembro deste ano foram adiadas.

Libyen Führer Muammar al-Gaddafi
Foto: ADEM ALTAN/AFP/Getty Images

Lembrar as palavras do porta-voz do Conselho Nacional de Transição (CNT) na Líbia lembram-nos do contexto político vivido no país no início dos anos 2010: "Anunciamos ao mundo que Kadhafi morreu nas mãos da revolução. Este é o fim da tirania e da ditadura na Líbia", disse Abdel Hafez Ghoga, ao anunciar a morte do homem forte líbio Muammar Kadhafi a 20 de outubro de 2011. 

Alguns meses antes, em fevereiro de 2011, os líbios, inspirados pelo levante popular na vizinha Tunísia, iniciaram revoltas contra o regime em vigor desde 1969, aquando de um golpe de Estado.

Os rebeldes tinham aliados fortes. Em março daquele ano, as Nações Unidas aprovaram uma operação militar na Líbia. O objetivo anunciado, em particular, era a proteção da população civil. Os ataques então lançados pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO, na sigla em inglês) contra os militares de Kadhafi contribuíram significativamente para enfraquecer o ditador.

Fim sangrento

Após meses em fuga, Kadhafi escondeu-se finalmente na cidade de Sirte, no norte do país, cerca de 450 quilómetros a leste de Trípoli. Rodeado por adversários, o "líder revolucionário", conhecido pela sua aparência excêntrica, tentou escapar por um esgoto, mas foi apanhado. Os rebeldes mataram-no rápida e brutalmente, e uma imagem do cadáver ensanguentado foi compartilhada pelo mundo.

Segundo Hager Ali, pesquisadora do Departamento de Estudos do Médio Oriente do Instituto GIGA, em Hamburgo, acha que a insatisfação de grandes setores da população com o regime arbitrário de Kadhafi tinha razões económicas e sociais - tais como o aumento do preço dos alimentos e o elevado desemprego na juventude.

No entanto, desde o início dos protestos, houve exigências por democracia e fim das violações dos direitos humanos, bem como de esclarecimento de violações graves dos direitos humanos - incluindo o massacre na prisão de Abu Salim, em Tripoli, em 1996, em que mais de 1200 reclusos foram mortos. "Este crime foi simbólico para o período de Kadhafi", diz Hager Ali, que é especialista em estudos sobre a Líbia.

Fuga inútil: o cano de esgoto no qual Gaddafi foi encontrado de acordo com rebeldesFoto: imago/Xinhua

À época, as esperanças de um novo começo eram imensas, mas havia palavras que pediam alguma prudência. O secretário-geral da ONU na altura, Ban Ki-moon, advertia: "O caminho para a Líbia e o seu povo será difícil e cheio de desafios. Todos os líbios devem trabalhar em conjunto para que isso aconteça. Os líbios só podem concretizar o futuro promissor através da unidade nacional e da reconciliação", advertiu Ban Ki-moon.

A revolta contra Kadhafi levou a anos de guerra civil a partir de 2014.

Unidos apenas na insurreição

Segundo Hager Ali, as causas da revolta estavam em grande parte no aparelho de poder que Kadhafi tinha construído. De facto, uma das grandes preocupações de Kadhafi era uma possível revolta militar. Sua estratégia de proteção era manter os membros dos altos escalões das forças armadas satisfeitos, colocá-los em posições importantes. O líder líbio fazia o mesmo com integrantes da sua família.

"Ele também comprou a proteção de mercenários estrangeiros, mantendo as fileiras inferiores do exército líbio fora do poder", diz Ali. Isto criou rivalidades que continuaram anos após a sua morte, para além de gerar conflitos de interesse a nível regional e tribal.

Durante a revolta, os diferentes grupos estavam unidos a curto prazo pelo desejo de derrubar Kadhafi. Mas, após a sua queda, as alianças romperam. "Isto deveu-se também ao facto de não haver uma arena política civil funcional em que as diferenças pudessem ser resolvidas e negociadas", diz Hager Ali. As eleições múltiplas também não conseguiram produzir a unidade nacional.

Rivais ferozes durante anos: Khalifa Haftar (esq.) e Fajis al-Saraj

Estado falhado

Como resultado, a Líbia experimentou o destino típico dos estados falhados, onde o poder do Estado fica completamente desintegrado. Em pouco tempo, dois governos foram criados: um na capital Tripoli e outro na cidade costeira de Tobruk, no extremo oriente do país. Para proteger ou impor os seus interesses, cada vez mais atores estrangeiros intervieram na guerra civil - incluindo Rússia, Turquia, Egipto e Emirados Árabes Unidos (EAU). Tropas mercenárias financiadas por Estados estrangeiros permanecem em algumas áreas do país até aos dias de hoje.

O Presidente turco Recep Tayyip Erdogan, por exemplo, tentou fazer cumprir as reivindicações turcas sobre depósitos de gás no Mediterrâneo através de uma aliança com o chefe de Governo internacionalmente reconhecido na altura, Fajis al-Saraj. A Rússia, o Egipto e os EAU, por outro lado, apoiaram o chamado Governo no exílio em Tobruk, que está ligado ao poderoso comandante Khalifa Belqasim Haftar.

Ao cooperar com Haftar, o Governo do Cairo, em particular, esperava controlar as forças islâmicas, especialmente a Irmandade Muçulmana. Os europeus, por sua vez, estavam interessados, desde o início, em manter afastados os migrantes e refugiados que chegavam através da Líbia. Esta é uma das razões pelas quais o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Heiko Maas, declarou em fevereiro de 2020 que era importante envolver os Estados vizinhos da Líbia nas conversações.

Maas (dir.) em conversações com o primeiro-ministro Abdul Hamid DbeibaFoto: Michael Sohn/AFP

Esforços para estabilidade

Consequentemente, houve numerosas iniciativas para pôr fim à guerra, que estava associada a muitas violações dos direitos humanos, e para estabelecer uma nova estabilidade no país. Vários enviados especiais da ONU tentaram levar opositores de guerra para a mesa de negociações. Após, várias iniciativas, houve sucesso – nomeadamente nas duas conferências da Líbia organizadas pela Alemanha em Berlim em 2020 e 2021.

Em fevereiro deste ano, os atores líbios concordaram com a instituição de Abdul Hamid Dbeiba como primeiro-ministro interino. Sob a sua égide, as eleições presidenciais e parlamentares deveriam ser realizadas a dezembro deste ano. Mas as eleições parlamentares foram recentemente adiadas por um mês. A desejada reconciliação está a progredir lentamente, na melhor das hipóteses.

Muitos dos problemas do país continuam por resolver, diz Hager Ali. Um dos desafios fundamentais de um futuro Governo é o controlo das forças armadas. "Há o risco de as forças armadas não serem controladas ou serem insuficientemente controladas e não obedecerem às ordens", diz a pesquisadora. Além disso, segundo Hager Ali, existem ainda vários grupos fortemente armados que poderiam anular qualquer resultado eleitoral. Dez anos após a morte de Kadhafi, a democracia, a estabilidade e a independência dos poderes externos continuam a ser uma visão bastante distante do futuro na Líbia.

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