Mudança na política migratória afeta africanos no Brasil?
15 de janeiro de 2019Do reconhecido posto de nação acolhedora, o Brasil dá passos em direção a uma política migratória mais restritiva. No dia 8 de janeiro, o governo do recém-empossado presidente Jair Bolsonaro anunciou a saída do Pacto Global de Migração da ONU, um conjunto de boas práticas, sem efeito legal assinado por mais de 160 nações. Justamente pelo pacto não estabelecer nenhuma obrigação aos signatários, a desassociação brasileira não deve ter impactos imediatos. Mas, diante desse cenário, surge a questão: o que a guinada na postura brasileira acarreta na recepção a imigrantes e refugiados?
Tradicionalmente, o Brasil não tem forte presença na rota de imigração mundial. A Polícia Federal brasileira estima em 0,4% o percentual de imigrantes no total da população. Apesar disso, nas últimas décadas o país registou um boom na chegada de africanos.
No começo dos anos 2000, pouco mais de mil viviam legalmente em território brasileiro. Hoje, são quase 35 mil. Os angolanos lideram a lista: são cerca de 8 mil. Na sequência, aparecem os senegaleses, nigerianos e guineenses. Nos últimos sete anos, do total de pedidos por reconhecimento da condição de refugiado, 30% vieram de imigrantes africanos de Angola, Senegal, Nigéria, República Democrática do Congo e Gana.
Para o advogado Cleyton Abreu, que já coordenou o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados, os imigrantes africanos que vivem no Brasil não precisam temer a saída do Pacto Global da ONU. Apesar da decisão brasileira, o país ainda tem uma legislação que protege o imigrante.
"O Brasil tem um histórico de boa legislação, de boas práticas em relação à imigração. A gente tem uma constituição garantidora de direitos, uma nova lei de migrações também garantidora de direitos. Não há o que se temer para o migrante", afirma o advogado.
Lei de migração em risco?
A legislação a que se refere o advogado tem como ponto central a lei de migração, sancionada há menos de dois anos, sob aplausos de organizações de direitos humanos. A norma deixou de considerar o imigrante como uma ameaça à segurança nacional. O pesquisador da Universidade de São Paulo, Allan Rodrigo de Campos Silva, que estuda a imigração africana para o Brasil, acredita, porém, que a lei fica no olho do furacão, com a nova sinalização do governo federal no que diz respeito à política migratória."Nada impede que uma nova lei seja estudada já o quanto antes. O governo Bolsonaro centra muito fogo na questão ideológica e um dos fundamentos dessa oposição ideológica depende muito da xenofobia, esse tipo de nacionalismo regressivo que estamos vendo no mundo inteiro. Acho que é uma bandeira que o Bolsonaro está levantando e eu espero que o próximo passo seja uma nova lei migratória, de caráter mais reacionário e anti-humanitário”, diz.
Aumento da xenofobia
Pelo Twitter, o presidente Jair Bolsonaro comunicou que o Brasil jamais recusará ajuda aos que precisam, mas, segundo ele, a imigração não pode ser indiscriminada. Quem imigrar para o Brasil deverá, nas palavras de Bolsonaro, "estar sujeito às nossas leis, regras e costumes, bem como deverá cantar nosso hino e respeitar nossa cultura”. A declaração se alinha ao já conhecido tom nacionalista adotado desde as eleições pelo atual presidente. A defesa de um patriotismo exacerbado pode acentuar a xenofobia já vivida por imigrantes e refugiados no país, como alerta o advogado Cleyton Abreu:
"Ela auxilia o agravamento da situação, porque algumas pessoas acabam se sentindo à vontade para cometer esse tipo de violência. Mas xenofobia é crime. Continua sendo crime.”
Africanos em busca de uma vida melhor
Para os pesquisadores, são variados os motivos que levam africanos a imigrarem para o Brasil. Uma motivação recorrente está relacionada à presença económica brasileira em países como Angola e Moçambique. Além do conforto de encontrarem falantes da mesma língua, os imigrantes oriundos desses países se apegam à ideia do Brasil como uma potência económica, pronta a lhes oferecer um bom posto de trabalho.
A expectativa, no entanto, é frustrada por uma realidade marcada por condições precárias e até mesmo análogas à escravidão. O geógrafo Allan Rodrigo de Campos Silva explica que muitos imigrantes africanos permanecem no Brasil por longo tempo em um processo de avaliação para concessão da condição de refugiado. Nessa situação, eles chegam a ter uma carteira de trabalho brasileira, mas acabam restritos a empregos temporários.
"O Brasil cria esse tipo de limbo jurídico, que acaba sendo muito apropriado para um determinado setor da economia brasileira, que faz um uso agressivo dessa força de trabalho em situação vulnerável. É um arranjo muito problemático, muito violento para o trabalhador. Há denúncias que demonstram que esses trabalhadores ficam sujeitos a condições de trabalho análogas a escravos, quando eles são obrigados a cumprir segunda e terceira jornada de trabalho não-remunerado" explica o pesquisador.