Clima: ciclones mais fortes, mas não mais frequentes
Debora Antunes
25 de julho de 2019
Preocupações com o aquecimento global têm levado muitos a afirmar que os últimos ciclones Idai e Kenneth são consequências de mudanças climáticas. Mas o que a ciência já pode, de fato, dizer sobre a questão?
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Na Europa, os ciclones Idai e Kenneth estão a ser utilizados por alguns ativistas e meios de comunicação, como exemplo dos efeitos negativos do aquecimento global. Em entrevista ao jornal "Hamburger Morgenpost”, por exemplo, a porta-voz do movimento ambiental "Fridays for Future”, Nele Brebeck, afirmou que: "Fenómenos meteorológicos extremos, como os dois últimos ciclones em Moçambique, estão também entre as consequências já visíveis do aquecimento global”.
As pesquisas científicas, no entanto, ainda não produzem resultados tão claros.
A intensidade das chuvas de tempestades tropicais aumenta
Daniela Jacob, diretora da instituição governamental de pesquisa GERICS ("Centro de Serviços Climáticos da Alemanha”), em Hamburgo, explica: "Actualmente, existem pesquisas em curso para tentar descobrir se podemos dizer se os últimos dois ciclones em Moçambique estão relacionados com as alterações climáticas e não está totalmente claro o quão forte eles foram influenciados, mas sabemos que a precipitação que estava a cair durante aquele ciclone foi claramente maior do que sem alterações climáticas."
Jacob salienta que sabemos que a precipitação dentro do ciclone está a ficar cada vez mais forte com as mudanças climáticas. Mas a cientista chama atenção: "Não podemos dizer que exatamente este ciclone não teria acontecido sem mudanças climáticas".
O aumento da temperatura dos oceanos está diretamente ligado às intervenções humanas, mas a ocorrência de ciclones depende também de outros fatores naturais, como explica o professor de Metereologia do Karlsruhe Institute of Technology, na Alemanha, Joaquim Pinto: "Tem a ver, por exemplo, com as condições do vento na atmosfera, que em algumas situações ajudam a que estas tempestades se desenvolvam. São questões naturais influenciadas pelo aumento da temperatura dos oceanos".
O aquecimento global aumenta a temperatura dos oceanos e da atmosfera. E numa atmosfera mais quente, há mais capacidade para armazenar vapor de água. Isto, por sua vez, resulta em chuvas mais fortes, provocando inundações.
Frequência dos ciclones: menor ou igual
Se os estudos indicam que a intensidade dos ciclones e as precipitações devem aumentar com o aquecimento global, o mesmo ainda não se pode afirmar em relação à frequência dos ciclones.
De acordo com o meteorologista Joaquim Pinto, a passagem de Idai e Kenneth por África, num curto espaço de tempo, não significa que houve um aumento na frequência geral de tempestades tropicais no Oceano Índico: "Não se pode dizer, devido apenas um ciclone ou uma época com muitos ciclones que isso de facto tem a ver com as mudanças climáticas. Se nós, por exemplo, agora no próximo anos, tivéssemos a mesma coisa, isso era uma história diferente”.
O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), órgão das Nações Unidas que compila estudos científicos feitos a nível global sobre as mudanças climáticas, indica no seu relatório de 2013, que deverá haver igual ou menor número de ciclones, porém com mais intensidade.
Ventos mais fortes
A principal mudança estaria relacionada à maior quantidade de chuvas. O relatório do IPCC também prevê aumento no pico de intensidade dos ventos dos ciclones.
A pesquisadora Daniela Jacob também afirma que ainda não há dados suficientes para indicar se haverá aumento na frequência, apenas na intensidade: "Não está claro se a frequência vai mudar, pois ainda são necessários estudos. Mas é claro que é mais provável que a intensidade dessas tempestades seja maior com as mudanças climáticas".
Portanto, como as temperaturas globais devem continuar a subir devido às mudanças climáticas, Moçambique deve se preparar para mais ciclones fortes.
África exige justiça ambiental
Cientistas dizem que a Terra poderá aquecer até quatro graus até ao fim do século. A África já sofre com o aquecimento global. Caso não se combata a alteração do clima, as consequências serão desastrosas.
Foto: Getty Images/AFP/S. Maina
Há cada vez menos água em África
Segundo o Banco Mundial, basta um aquecimento do clima de dois graus centígrados para que caia menos um terço de chuva em África. O que terá como consequência um aumento das secas. Na seca extrema de meados de 1990, os pastores etíopes perderam cerca de metade do seu gado.
Foto: Getty Images/AFP/S. Maina
Chuva a mais
Futuramente as chuvas poderão aumentar no leste da África. Mas serão chuvas torrenciais concentradas em poucos dias e não regulares e distribuídas pelo ano. Em 2011, a cidade portuária tanzaniana Dar-es-Salam foi surpreendida por fortes quedas de chuva, que submergiram bairros inteiros. Pelo menos 23 pessoas morreram, outras 10 000 tiveram que abandonar as suas casas.
Foto: cc-by-sa-Muddyb Blast Producer
Colheitas falhadas
Em África cerca de 90% dos produtos agrários são cultivados por pequenos agricultores. Caso não se reforce marcadamente a sua resistência contra o aumento de secas e enchentes, mais 20% pessoas do que hoje vão passar fome, alerta a Organização das Nações Unidas.
Foto: Getty Images/AFP/A. Joe
Riscos para a saúde
Já hoje a alimentação deficiente por causa de colheitas fracas representa um problema em muitos países. Muitas pessoas mudam-se para os bairros de lata das grandes cidades, onde doenças como a cólera se espalham rapidamente. Um aumento da temperatura poderá fazer disparar a incidência de doenças como a malária, inclusive nos planaltos africanos, onde, até agora, a maleita não existe.
Foto: Getty Images/S. Maina
Extinção das espécies
O aumento da temperatura influencia eco sistemas completos. Muitos animais e plantas não se conseguem adaptar suficientemente depressa. Segundo um relatório do Conselho Mundial do Clima, entre 20% a 30% de todas as espécies estão ameaçadas de extinção por causa da mudança do clima.
Foto: CC/by-sa-sentouno
O Kilimanjaro sem neve
A manta de neve do monte Kilimanjaro tem 12 000 anos. Nos últimos 100 anos derreteu mais de 80% do seu gelo. Caso prevaleçam as condições atuais, o gelo no Kilimanjaro desaparecerá entre 2022 e 2033, calcula uma equipa de cientistas do Estado federado do Ohio, nos Estados Unidos da América. A seca e a falta de chuva levam a que o gelo derreta rapidamente.
Foto: Jim Williams, NASA GSFC Scientific Visualization Studio, and the Landsat 7 Science Team
Só quando a última árvore for abatida ...
A mudança do clima deve-se, sobretudo, aos carros, centrais de energia e fábricas na Europa, América e Ásia. Mas o abate de árvores em muitas florestas africanas, por exemplo, para produzir carvão vegetal, aumenta o CO2 na atmosfera e contribui para o esgotamento dos solos. Em tempos, um terço da superfície do Quénia era floresta, hoje são apenas 2%.
Foto: Getty Images/AFP/T. Karumba
Muda a muda cresce a floresta
Hoje, muitas pessoas já se aperceberam da necessidade de medidas para contrariar este desenvolvimento nefasto. Há algumas décadas, cidadãos empenhados no Quénia começaram a plantar novas árvores, contribuindo para que a superfície florestal crescesse para 7%. As árvores impedem que a chuva leve a preciosa terra arável e retiram os gases de efeito de estufa da natureza.
Foto: DW/H. Fischer
Proteção através da diversidade
As monoculturas são vulneráveis a secas e animais daninhos. Se forem plantadas diversas frutas lado a lado, a colheita fica assegurada, mesmo que uma espécie falhe. Segundo o Programa Ambiental das Nações Unidas, a agricultura ecológica aumenta também bastante mais a resistência às consequências da mudança do clima do que a agricultura convencional.
Foto: Imago
Menos palavras, mais ação
Reservas subterrâneas de água da chuva, seguros contra o risco de colheitas falhadas: há muitas maneiras de, pelo menos, amenizar as consequências do aquecimento global. A assistência ao desenvolvimento e a protecção do clima não podem ser separadas, exigiram, recentemente, os delegados numa conferência das Nações Unidas. Mas não houve promessas concretas de assistência.
Foto: picture alliance/Philipp Ziser
Paris desperta expectativas
“Justiça ambiental, já!” exigiram os manifestantes na Conferência do Clima das Nações Unidas em Durban, na África do Sul, em 2011. Agora o mundo aguarda a conferência que se realiza em Paris no fim de 2015. Está planeada a assinatura de um acordo global sobre o clima, com o objetivo de limitar o aquecimento global a dois graus centígrados e reduzir as consequências nefastas da mudança do clima.