Climatologista moçambicano e um dos autores do relatório da ONU sobre as mudanças climáticas, Isidine Pinto alerta que as alterações no clima estão a exacerbar as "grandes desigualdades" em África.
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Izidine Pinto é climatologista e um dos autores do relatório do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado na última segunda-feira (09.08), e que é "uma espécie de último aviso para a humanidade", uma vez que concluiu que "é indiscutível que as atividades humanas estão a causar mudanças climáticas, tornando eventos climáticos extremos mais frequentes e mais severos".
Em entrevista à agência Lusa, o investigador na Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul, reconheceu este sábado (14.08) que, apesar das evidências científicas explanadas no documento, "existirá sempre alguém que vai dizer que o clima não está a mudar, como atualmente existem indivíduos que não acreditam em vacinas".
"Perante as evidências científicas e o mais recente relatório do IPCC, não há como negar a participação humana no processo de aquecimento global", referiu.
E explicou: "A mudança climática já esta a afetar quase todas as regiões do mundo, contribuindo para muitas das mudanças observadas nos eventos extremos do tempo e clima. Alguns destes eventos extremos incluem ondas de calor ou frio, cheias, secas, ciclones tropicais que poderão ser mais frequentes e intensos no futuro, de acordo com o último relatório do IPCC. A mitigação e adaptação a essas mudanças é um grande desafio".
"Eventos extremos"
Izidine Pinto sublinha que, tal como o relatório indicou, "a menos que haja reduções imediatas, rápidas e em grande escala nas emissões de gases de efeito de estufa e o limite do aquecimento a 1.5ºC abaixo dos níveis pré-industriais esses eventos extremos vão continuar e com resultados catastróficos".
Segundo o climatologista, o continente africano é "um dos mais afetados pelos efeitos das mudanças climáticas, por causa da sua fraca capacidade de adaptação e resposta aos eventos extremos do clima".
O relatório do IPCC, para o qual Izidine Pinto trabalhou no capítulo sobre "Clima e eventos climáticos extremos num clima em mudança", indica que as ondas de calor e secas na região da África Austral irão ser mais frequentes e os ciclones tropicais de categoria 4-5 vão aumentar.
"Essas mudanças terão um efeito negativo nos países que geralmente são afetados por estes fenómenos, como é o caso de Moçambique", país de origem de Izidine Pinto. Com um aumento de temperatura de 2ºC acima dos níveis pré-industriais, as consequências poderão ser mais severas, especialmente no setor agrícola e hídrico por exemplo.
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Isso deve-se à "localização geográfica e à capacidade de adaptação de alguns países, influenciada por vários fatores, como o nível de desenvolvimento económico, de educação e a fraca capacidade de prevenção de eventos extremos".
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Resposta dos países
Izidine Pinto considera que, em matéria climática, ser um país rico ou um país em desenvolvimento faz toda a diferença na resposta a estes fenómenos, "por causa da capacidade de adaptação, prevenção e resposta a eventos extremos nesses países".
"Os países em África são maioritariamente não desenvolvidos e isso faz com o que a vulnerabilidade às mudanças climáticas seja maior e a capacidade de adaptação baixa, em comparação a países desenvolvidos", adiantou.
Por outro lado, prosseguiu, "a localização geográfica de alguns países - como por exemplo Moçambique e Madagáscar - faz com estes estejam expostos a ciclones tropicais que são afetados quase todos os anos".
"O aumento da temperatura e mudanças nos padrões de eventos extremos irá afetar vários setores socioeconómicos sensíveis ao clima, causando assim um abrandamento do desenvolvimento sustentável".
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Desigualdades
Para o climatologista, "as alterações climáticas estão também a exacerbar as grandes desigualdades já existentes nos países em África" e por isso recomenda que os Governos tomem "medidas urgentes para combater e responder à pressão adicional das alterações climáticas e seus impactos".
Izidine Pinto identifica "grandes lições" que se podem tirar da pandemia de Covid-19, as quais "podem ser usadas no combate e adaptação às mudanças climáticas".
E justifica: "Após os diagnósticos dos primeiros casos de contaminação pelo vírus, as autoridades competentes dos países adotaram políticas, medidas e protocolos de prevenção. Existem políticas, medidas e protocolos semelhantes, que podem ser implementados para o combate e adaptação às mudanças climáticas".
"O estímulo financeiro para apoiar no combate e prevenção da pandemia pode ser formulado de modo a abordar, em simultâneo, as alterações climáticas", defendeu, referindo que "as mudanças climáticas têm um impacto negativo no meio ambiente e na biodiversidade, o que também é um fator que multiplica o risco de pandemias".
Mudanças climáticas: motivo de mais chuvas e inundações na Beira
A Beira está ameaçada pelas alterações climáticas. A segunda maior cidade de Moçambique tem de se adaptar, já que as inundações são cada vez mais frequentes. Para isso, conta com o apoio da Alemanha.
Foto: DW/J. Beck
A força do mar
O quebra-mar destruído no bairro das Palmeiras mostra a força das ondas do Oceano Índico, na costa da Beira, a segunda maior cidade de Moçambique. Mesmo em condições normais, o nível do mar varia sete metros entre maré baixa e maré alta. Quando há ciclones e ondas criadas por tempestades, essa diferença é ainda maior. E as mudanças climáticas elevam ainda mais o nível do mar.
Foto: DW/J. Beck
Bairros inteiros ameaçados
Alguns bairros da cidade da Beira já estão tão perto do mar que algumas casas já nem podem ser habitadas. É o que acontece em Ponta-Gêa e Praia Nova. As residências já foram parcialmente destruídas pelas ondas. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), o nível do mar deverá subir de 40 a 80 centímetros até 2100.
Foto: DW/A. Sebastiao
Aposta na proteção
Novos canais e mais cancelas, como aqui no bairro das Palmeiras, deverão proteger a Beira de inundações nas partes baixas da cidade. Em caso de chuvas fortes, a cancela abre-se e auxilia na drenagem da água. Até agora, a água das chuvas ficava acumulada - por vezes durante semanas. Um local ideal para a reprodução dos mosquitos transmissores de malária.
Foto: DW/J. Beck
Centro da cidade protegido de inundações
Está a ser construída mais uma cancela perto do porto de pesca. A ideia é melhorar o controlo da entrada e saída das águas na foz do rio Chiveve. O canal de entrada no porto já não precisará de ser dragado com tanta frequência. O projeto de cooperação para o desenvolvimento é financiado pelo banco estatal alemão de desenvolvimento KfW. O valor é 13 milhões de euros.
Foto: DW/J. Beck
Daviz Simango quer mudar a Beira
A luta do edil Daviz Simango para conseguir o dinheiro necessário para a transformação do rio Chiveve levou mais de cinco anos. O presidente da Câmara da Beira, que é do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), da oposição, queixou-se várias vezes da falta de apoio do Governo de Maputo.
Foto: DW/J. Beck
Limpar e mudar o percurso do rio
O rio Chiveve deverá ser limpo e o seu percurso mudado, de forma a passar por um parque urbano. A ideia é que o rio assuma melhor o seu papel natural na drenagem da cidade. Isso protegerá a Beira de inundações, após fortes chuvas, ajudando também a cidade a adaptar-se às mudanças climáticas.
Foto: DW/J. Beck
Área verde no centro da cidade
Depois do rio, a próxima fase do projeto será fazer um parque em torno do Chiveve. O rio é o único espaço verde no centro da cidade da Beira, que tem cerca de 600 mil habitantes - o que a torna a segunda maior cidade de Moçambique. Localizada no centro do país, a Beira tem sido considerada cinzenta e desinteressante.
Foto: DW/J. Beck
Arborizar os mangais
Para fazer as planeadas mudanças no rio, foi necessário retirar muitas árvores dos mangais. Por isso, é necessário um reflorestamento após o final do projeto. Mudas de diferentes espécies já estão a ser cultivadas para esse fim. Elas são muito importantes para a preservação do ecossistema local. Apenas estas espécies sobrevivem tanto em água doce quanto salgada.
Foto: DW/J. Beck
Construtora chinesa
A empresa chinesa CHICO (China Henan International Cooperation Group ) venceu o concurso para pôr em prática os planos para o rio Chiveve. Os meios vêm do banco estatal alemão de desenvolvimento KfW e da cidade da Beira. Além de engenheiros chineses, a CHICO também emprega diversos moçambicanos, tanto homens como mulheres.
Foto: DW/J. Beck
Poluição no rio continua
O projeto de limpeza no rio Chiveve pode estar ameaçado. Não muito longe do centro fica o bairro informal do Goto. Parte do lixo e esgotos dos quase 12 mil habitantes dessa localidade vão parar ao rio. A tão sonhada área verde poderá nunca existir.
Foto: DW/J. Beck
Recolha do lixo com carrinhos de mão
Com a ajuda da agência alemã do desenvolvimento GIZ, a Beira implantou um sistema de recolha de lixo no bairro do Goto. Até agora, os moradores tinham que levar o lixo para os arredores do bairro, para depositá-lo em contentores próprios. Agora, funcionários munidos de carrinhos de mão vão até às ruas estreitas do bairro e recolhem-no. O objetivo é que menos lixo vá parar ao rio.
Foto: DW/J. Beck
Adaptação às alterações climáticas, saúde e parque
No entanto, ainda é difícil imaginar como o Chiveve estará após a finalização do projeto em 2016. Se tudo correr bem, a Beira estará mais preparada para lidar com as mudanças climáticas e sofrerá menos com doenças como a malária. Além disso, o centro seria mais bonito com áreas arborizadas e um parque em torno do Chiveve.