"Medea2: dois mundos, uma narração" é uma co-produção entre o Mutumbela Gogo e o Osnabrück Theater. Os dilemas da mulher servem para mostrar o quão iguais podem ser países tão diferentes como Moçambique e Alemanha.
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O belo e o feio que se acredita existirem numa mulher confrontam-se em palco. Na tragédia grega, estilo que inspirou a peça de teatro, Medeia é a esposa estrangeira, indesejada, traída, alvo de zombaria, com a sua liberdade limitada e que mata os seus próprios filhos. Uma história criada há 2.500 anos, que retrata vários dilemas da mulher, e que continua atual, como lembra Manuela Soeiro, diretora do Mutumbela Gogo, grupo moçambicano que participa na co-produção.
Para Soeiro, o tema "reflete o que estamos a passar não só em Moçambique, mas também na Europa - de formas diferentes, a verdade é que ainda existe esse problema, ela [a mulher] ainda tenta conquistar o seu lugar na sociedade, o que é muito difícil. Ela já deu grandes passos, mas a verdade é que os problemas continuam."
O outro lado da co-produção é alemão, com um elenco do Theater Osnabrück. Talvez justamente a participação dos grupos de dois países completamente diferentes tenha permitido à peça ir além da tragédia grega, ao apresentar mais do que uma Medeia. Não é por acaso que o título da peça é "Medea2: dois mundos, uma narração".
Quando a língua deixa de ser uma barreira
Ao todo, são seis atores, três de cada país: duas Medeias, duas Creusas e os dois maridos das Medeias. E algo incomum: duas línguas em simultâneo no palco e sem tradução, o alemão e o português. A convivência linguística é apreciada por Manuela Soeiro, que vê este modelo como uma formação para si e para o seu grupo.
"Nós em Moçambique temos várias línguas e temos o português, que é a língua comum. E isto é uma forma de vermos como é que, não deixando de falar o português, não deixamos de falar as outras línguas. Fazermos sem ficarmos sujeitos a criar dificuldades para as pessoas entenderem a peça, como fazer com que o público participe na peça. São técnicas avançadas que podemos aplicar no nosso trabalho", diz Manuela Soeiro, já de olho no futuro.
Também para o diretor alemão Dominique Schnizer, a variedade linguística foi um dos grandes desafios desta peça. É que o inglês e o rhonga também foram línguas de trabalho.
Mulher no centro de produção teatral moçambicana-alemã
Mas, para Schnizer, uma grande satisfação é ver tanto a sua evolução, como a dos seus parceiros.
"Foi muito bom termos trabalhado com a grande família do Mutumbela Gogo. Conheço o grupo há 15 anos e crescemos juntos, tivemos novas experiências. É muito bom porque notamos que há um desenvolvimento, novos temas e novas formas que desenvolvemos. É uma mais valia para mim e para todos que estão na produção e esperamos que também tenha sido proveitoso para o Mutumbela Gogo", afirmou.
Novos laços, a procura de algo em comum
Mas há também, entre a equipa alemã, participantes que não conheciam o teatro moçambicano até há bem pouco tempo. Peters Jens, dramaturgo do Medea2, era um deles: "Primeiro, fiquei muito curioso para conhecer o grupo e os atores. Em novembro passado, estive pela primeira vez em Moçambique, onde os pude conhecer no palco do Teatro Avenida."
"Tentámos ir de encontro à cooperação, mas perguntava-me que tipo de experiência tinham, o que já tinham feito, que estilos preferiam e em que medida as tradições eram diferentes das nossas e o que era preciso investir para encontrarmos uma linguagem comum", questionava-se o dramaturgo.
O texto de "Medea2: dois mundos, uma narração" foi adaptado pela escritora moçambicana Paulina Chiziane para um projeto de Manuela Soeiro e do diretor alemão Dominique Schnizer, com o apoio do Goethe Institut. Ainda este ano o Medeia2 correrá palcos moçambicanos: Maputo, cidade de Nampula e Ilha de Moçambique. Nos dois últimos lugares, as mulheres têm bastante poder social, pois predominam na região norte as sociedades matriarcais.
Ilha de Moçambique: a "menina dos olhos" de Nampula
Há 200 anos, que a primeira capital de Moçambique foi elevada à cidade. Desde 1991 a ilha é Património Mundial da Humanidade. O arquipélago no norte de Moçambique concentra um incalculável valor histórico e cultural.
Foto: DW/J.Beck
Primeira capital de Moçambique
Situada na Província de Nampula, a Ilha de Moçambique é um destino turístico muito procurado na África Austral pelo seu vasto património histórico e cultural. "Descoberta" pelo navegador português Vasco da Gama, em 1498, aquando da viagem marítima para a Índia, esta ilha foi a primeira capital de Moçambique. É atualmente habitada por cerca de 15 mil pessoas.
Foto: DW/J.Beck
Pequena ilha, grande história
Apesar de ter apenas três quilómetros de comprimento e 400 metros de largura, esta pequena ilha carrega uma grande história. Quando Vasco da Gama a "descobriu", ela já era um importante lugar de trocas comerciais entre os africanos e os povos árabes. Após a chegada dos portugueses, a ilha ganhou uma importância estratégica na rota que ligava Lisboa a Goa, a "Carreira da Índia".
Foto: DW/J.Beck
Habitações com história
A Ilha de Moçambique está dividida em duas partes: a “cidade de pedra e cal” e a “cidade de macuti“. Na primeira (à direita da rua), eram construídas as casas que pertenciam às camadas mais altas da sociedade, onde estavam os palácios e fortalezas. Na segunda (à esquerda da rua), viviam as pessoas de classes mais baixas.
Foto: DW/J.Beck
Cidade de "macuti"
Na chamada “cidade de macuti“ viviam os mais pobres - os pescadores, por exemplo. É nesta parte da cidade que se encontram, como o nome indica, as construções mais precárias cobertas por macuti - as tradicionais folhas de coqueiro espalmadas.
Foto: DW/J.Beck
Património Mundial da Humanidade
Foi em 1991 que a ilha de Moçambique passou a integrar a lista dos destinos considerados Património Mundial da Humanidade da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO. De passagem pela ilha há vários monumentos que não pode deixar de visitar.
Foto: DW/J.Beck
Fortaleza de São Sebastião
Construída no século XVI pelos portugueses, a Fortaleza de São Sebastião visava dar proteção e apoio aos barcos que navegavam na chamada Carreira da Índia. É um dos mais representativos exemplos da arquitetura militar portuguesa na costa oriental de África.
Foto: DW/J.Beck
Capela de Nossa Senhora do Baluarte
A Capela de Nossa Senhora do Baluarte, construída em 1522 na extremidade norte da ilha, é hoje o único exemplo da arquitetura manuelina em Moçambique. O manuelino, ou também gótico português tardio, é um estilo que se desenvolveu no reinado de D. Manuel I nos séculos XV e XVI. O acesso à capela faz-se apenas pelo interior da Fortaleza de São Sebastião.
Foto: DW/J.Beck
Palácio de São Paulo
Construído em 1610, o Palácio de São Paulo, também conhecido como Palácio dos Capitães-Generais, funcionou primeiro como Colégio da Companhia de Jesus, tendo sido depois convertido no palácio do governador - função que manteve até a Ilha de Moçambique deixar de ser a capital do país, em 1898. No palácio podemos hoje visitar o Museu da Marinha e o Museu-Palácio de São Paulo.
Foto: DW/J.Beck
Outros locais de interesse turístico
O monumento dedicado ao poeta português Luís Vaz de Camões, que viveu entre 1567 e 1569 na Ilha de Moçambique, é outro dos locais que os visitantes da Ilha não podem deixar de conhecer, assim como a Igreja da Misericórdia e Museu de Arte Sacra e a Capela de São Francisco Xavier. Todos estes edifícios históricos estão localizados na Cidade da Pedra.
Foto: DW/J.Beck
Um destino multicultural
Apesar da clara influência do povo português, cabem na ilha de Moçambique apontamentos de muitas outras geografias mundiais. Encontramos aqui um largo número de culturas e religiões diferentes. Ao caminharmos pelos diferentes bairros da ilha, cruzamo-nos com várias igrejas e capelas, mas também com mesquitas e um templo hindu.
Foto: DW/J.Beck
Escola Maometana
A maioria dos habitantes da ilha pertence à religião muçulmana. A "Escola Maometana / The Mohamedia Madresa School" localiza-se ao lado da "Mesquita Central Seita Sunni" próximo do centro da Ilha de Moçambique. A ilha foi marcada durante séculos pela cultura suaíli e o islão dos povos da África Oriental, como também acontece na vizinha Tanzânia.
Foto: DW/J.Beck
Ilha em risco – um futuro incerto
Nos últimos anos, muitos são os especialistas que chamam a atenção para a possibilidade deste pequeno paraíso poder vir a desaparecer por causa das alterações climáticas. Teme-se que, devido à erosão costeira, um dia a ilha possa acordar no fundo do mar. Até ao momento já foram consumidas várias áreas pequenas.
Foto: DW/J.Beck
Fecalismo a céu aberto
Mas para além do câmbio climático, há outros problemas mais profanos no dia a dia da ilha. Muitos habitantes usam as praias como casa de banho, o que ameaça a saúde pública e coloca em perigo os atrativos turísticos da ilha. Para melhorar o saneamento básico, foram construídos sanitários públicos em vários lugares da ilha.
Foto: DW/J.Beck
Degradação apesar de Património Mundial
Apesar da classificação em 1991 como Património Mundial pela UNESCO, encontram-se muitos prédios em ruínas na Ilha de Moçambique. A recuperação é lenta. Desde que a capital do país passou para Maputo, no sul de Moçambique, os investimentos públicos concentram-se no sul do país. O norte e a Ilha de Moçambique perderam protagonismo político.
Foto: DW/J.Beck
Esforços em torno da preservação
No entanto, e apesar do património histórico omnipresente na ilha, ela quer continuar a ser um lugar para se viver. Por isso, o Governo de Moçambique e parceiros internacionais têm vindo a unir esforços para criar melhores condições sócio-económicas. E, claro, para preservar o património histórico e cultural da ilha.