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História

A versão feminina do "27 de maio"

João Carlos/Lisboa 27 de maio de 2016

Margarida Paredes publicou um livro no qual desfaz o mito que o “27 de maio de 1977” tenha sido protagonizado apenas por homens. As mulheres militares tiveram um papel de relevo nos acontecimentos.

Foto: DW/J. Carlos

A antropóloga portuguesa, Margarida Paredes, autora do livro “Combater duas vezes: Mulheres na Luta Armada em Angola”, lançado este ano em Lisboa, defende que a revolta foi comandada pelo Destacamento Feminino das FAPLA. Trata-se do braço armado do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido no poder naquele país africano, governado há cerca de 40 anos pelo Presidente José Eduardo dos Santos.

Os acontecimentos de 27 de maio de 1977 ainda hoje são um tabu em Angola. As narrativas que existem sobre esta revolta militar, quando os tanques de guerra saíram do quartel da 9ª Brigada e atacaram a prisão de São Paulo durante a noite, cercando depois a Rádio Nacional pela manhã, são todas feitas no masculino.

A antropóloga Margarida Paredes escreveu um livro sobre este capítulo da História contemporânea de Angola de 1961 a 2002, perenemente conotado com guerras e conflitos internos. Nele, a autora sublinha que a operação militar do “27 de Maio” foi dirigida por mulheres do Destacamento Feminino: “Foram a “Virinha” e a “Nandi”. A “Nandi” esteve no ataque à prisão de São Paulo. Tenho um testemunho no meu livro do Justino Pinto de Andrade [um dos sobreviventes e atual professor da Universidade Católica de Angola], onde ele narra que estava preso como militante da Revolta Ativa, se não me engano, e só não foi morto nesse ataque do “27 de Maio” porque a “Nandi” se opôs. Portanto, ele diz que deve a vida à “Nandi”, que era a vice-comandante do Destacamento Feminino”.

Mulheres fuziladas

O livro de Margarida Paredes é dedicado às mulheres combatentes em AngolaFoto: DW/J. Carlos

Fernanda Digrinha Delfino (“Nandi”) e Elvira da Conceição “Virinha” – filha de Maria Gabriela Monteiro, já falecida, que viveu quase 40 anos com a mágoa de a sua filha ser acusada de “criminosa” ou “fraccionista” – são apontadas pela antropóloga como dois exemplos de mulheres que pagaram caro a revolta: “Elas eram as comandantes, eram jovens estudantes liceais. A “Nandi” inclusive comandou esse ataque à prisão grávida de oito meses” A autora conta que “Nandi” teve o filho na prisão: “Mal a criança nasceu pegaram-na de volta, deixaram o filho abandonado na maternidade e levaram-na para a prisão e foi fuzilada. A “Virinha” também foi fuzilada”.

A investigadora e professora na Universidade Federal da Bahia, no Brasil, afirma que não há dúvidas de que foi o Destacamento Feminino que comandou o golpe. A opressão que se seguiu ao “27 de Maio” foi uma tragédia, acrescenta. Familiares e testemunhas falam de pelo menos 80 mil pessoas chacinadas. O MPLA, partido no poder em Angola desde a independência, mantém que o número de vítimas não ultrapassou os três mil.

Pesquisa muito difícil

Margarida Paredes, que viveu parte da sua juventude em Angola, encontrou durante a sua pesquisa muitas dificuldades para obter os testemunhos. Teve de negociar com algumas das vítimas na base de confiança para falarem do que sofreram; algumas pediram anonimato por receio de represálias. Margarida Paredes garante que até à data não foi vítima de nenhuma represália.

Mas passados todos estes anos, continua por esclarecer a quem cabe a responsabilidade pelos crimes cometidos no “27 de Maio”: “Curiosamente, algumas das mulheres que eu entrevistei apontaram o dedo e acusaram os seus algozes, dando os nomes de alguns deles. Há um que é apontado por mais que uma das entrevistadas, que é o comandante Evadi. Acho que há uma rua em Luanda que tem o nome dele e, no entanto, ele mandou matar uma jovem no sul, no Lubango, porque acho que quis que ela casasse com ele”. Segundo a autora, algumas das entrevistadas também acusam esse comandante de estupro: “No entanto, ele é considerado um herói nacional”.

Responsabilidades por apurar?

Que responsabilidades pelos massacres do "27 de Maio" cabem a Agostinho Neto?Foto: casacomum.org/Documentos Dalila Mateus

Mas o verdadeiro e principal responsável, segundo os testemunhos recolhidos por Margarida Paredes, foi Agostinho Neto, primeiro Presidente da República de Angola. Mas este é um assunto sobre o qual não se fala muito: “Foi ele que permitiu que a segurança e as forças militares exercessem uma repressão sem limites quando, sobretudo, declarou nos jornais e na rádio que nem sequer iriam fazer julgamentos. Eu acho que isso não pode ser esquecido porque ensombra completamente o papel do Agostinho Neto como o Pai da Nação”.

A autora da investigação ainda está na posse de muitos outros depoimentos importantes, que, segundo revelou à DW África, irá publicar em artigos académicos.

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