Casos de violação são tratados como tabu na RDC. As vítimas são deixadas à margem da sociedade. Organização local de ajuda humanitária tenta reverter essa situação.
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Cerca de 20 mulheres sentam-se apertadas numa modesta sala no vilarejo de Munigi, no leste da República Democrática do Congo, perto do vulcão Nyiragongo. Além de mesas e cadeiras, encontram-se aqui apenas duas máquinas de costura, destinadas à formação profissional. Camiões passam junto à porta aberta. Algumas mulheres trouxeram as suas crianças pequenas consigo.
As mulheres contam os seus problemas a dois funcionários da organização de ajuda humanitária Aidprofen. Muitas histórias são semelhantes: as mulheres foram violadas, engravidaram, foram rejeitadas pelas suas famílias e marginalizadas socialmente.
Yvette, que não deseja revelar seu nome verdadeiro, é uma mãe de 20 anos, que usa uma toalha colorida como saia, na ponta da qual o seu filho de quatro anos se segura. "O pai dele morreu", diz ela, em poucas palavras. Passy Mubalama, fundadora da Aidprofen, vestida de calças de ganga e uma blusa preta, está sentada numa cadeira de madeira e ouve. Sabe que a história não é verdadeira.
Coloca a mão no joelho de Yvette e brinca com ela, tentando criar proximidade para que a jovem consiga falar sobre algo que é comum aqui, mas ainda um tabu: a violação. "Diga a verdade!", pede Passy Mubalama.
Conhecer os direitos para defender-se
Mubalama, de 34 anos, sabe fazer as perguntas certas. Era jornalista e trabalhava a reconstruir as histórias de mulheres violadas que viviam em campos de refugiados. A partir desse contato, que muito a impressionou, começou a perguntar-se como poderia ajudar essas mulheres. Em 2014, Passy Mubalama dá início a Aidprofen. "Um programa que informa as mulheres sobre os seus direitos”, diz. "Quem conhece seus direitos, pode defender-se melhor".
Em quase nenhum outro país o risco de violação é tão alto como na República Democrática do Congo. De acordo com um estudo, publicado em 2011 no American Journal of Public Health, publicação destinada a pesquisas na área de saúde: mais de mil mulheres são violentadas por dia no Congo.
Muitas mulheres afetadas estão a passar por um ciclo vicioso de pobreza, doença e prostituição. A Aidprofen-lhes oferece assistência e cuidados psicológicos. Além disso, a organização também prepara estudos sobre, por exemplo, a exploração ilegal de menores em bordéis. Acima de tudo, os cerca de 30 funcionários da Aidprofen, alocados em centros de mulheres como em Munigi, encarregam-se de cuidar das vítimas de violência sexual.
Violada e expulsa
Gradualmente, Yvette abre-se com Passy Mubalama e conta como ela e duas amigas, depois de irem colher feijão, se depararam com dois homens de uniforme. Os dois seguraram Yvette, violaram-na e deixaram-na inconsciente. As amigas conseguiram escapar. Mais tarde, regressaram e levaram Yvette para casa. "Estou só com dor de cabeça", foi o que disse à sua mãe, que logo percebeu que havia algo errado. "Eu estava com vergonha de contar o que aconteceu. Pensei que minha mãe poderia matar-me", lembra Yvette.
Mulheres lutam contra o estigma da violação no Congo
A mãe não acreditou na desculpa da filha. Pelas amigas, soube que Yvette tinha sido violada. "Ela ficou muito, muito chateada", conta Yvette. A filha poderia ter SIDA ou estar grávida. Isso seria uma vergonha para a família e significaria também uma despesa. Através do casamento, a família não recebe apenas vacas e cabras como dote. O marido passa também a ser responsável pelo sustento da mulher e dos futuros filhos.
A mãe de Yvette expulsou-a de casa e disse: "Vai ter com ele, se souber onde a família mora, e diz-lhe que vais ter uma criança dele".
Yvette morou com amigos e conhecidos até que a hospitalidade se esgotava ou sua mãe falava com eles sobre a violação. Não teve escolha senão dormir no chão da cozinha adjacente à casa da mãe. Quando chovia, ficava ensopada. Para ganhar dinheiro, limpou, cozinhou e vendeu o seu corpo. Cobrava 5 mil francos, conta Yvette, pouco mais de três dólares.
De vítima à mediadora
No bairro de Yvette, corriam boatos de que uma certa "Mama Acheni" ajudava as mulheres rejeitadas através da Aidprofen. Yvette procurou-a. Acheni Fitina, de 37 anos, que mora numa pequena cabana da área, aparenta ser mais velha do que realmente é. Já deu à luz a nove filhos - o sexto foi fruto de uma violação. "O meu marido odiava-me por isso", diz Acheni. "A criança foi discriminada em relação aos outros filhos".
Depois de ouvir a sua história, Acheni visitou a mãe de Yvette frequentemente. Falou com ela sobre a condição precária da saúde da rapariga e explicou que as mulheres violadas têm valor. Também a criança poderia, um dia, tornar-se uma boa pessoa, talvez até um membro do Parlamento e um bom chefe de família.
Acheni luta para que outras mulheres não tenham de enfrentar sozinhas o duro confronto com a família. Ao fazê-lo, age estrategicamente: "Pergunto sempre às mães solteiras com qual membro da família se sentem confortáveis e a quem a mãe ouve. Então, vamos juntas aos pais da mãe solteira", explica.
No final, Mama Acheni conseguiu convencer a mãe de Yvette e incentivá-la a romper com a convenção de expulsar a filha violada. Yvette foi autorizada a deixar a cozinha no quintal e a voltar para a casa da mãe. "Minha mãe hoje aceita que eu durma com a criança ao lado dela", conta.
O dia-a-dia no leste do Congo
Há cinco anos, os rebeldes do M23 invadiram Goma, no leste da República Democrática do Congo. Na região multiplicavam-se os confrontos entre o grupo e o exército congolês e milícias de autodefesa. Hoje é muito diferente.
Foto: DW/Flávio Forner
Amanhece em Goma
Amanhece cedo em Goma, a capital de Kivu do Norte, no leste da RD Congo. As ruas enchem-se de comerciantes e do vaivém das motos. Esta é uma área de comércio junto à fronteira com o Ruanda. Muitos congoleses e ruandeses atravessam diariamente a fronteira para compras e trabalho. Goma vive um relativo clima de paz desde que o grupo rebelde de origem tutsi M23 foi desmantelado em 2013.
Foto: DW/Flávio Forner
Peixes do Lago Kivu
Ao nascer do sol, começa a azáfama em Goma. Nesta foto, mulheres colocam ao sol peixes frescos do Lago Kivu para preparar a refeição do dia num abrigo que acolhe crianças e adolescentes que estiveram envolvidos em grupos armados no leste do Congo. O abrigo fica num subúrbio de Goma, numa área populosa chamada Keshero.
Foto: DW/Flávio Forner
Trabalho de braços
O sol está a pique, mas o trabalho não pára. Junto à vila de Sake, trabalhadores retiram areia de um canteiro em redor da base militar da Missão de Paz das Nações Unidas na República Democrática do Congo, a MONUSCO. A vila de Sake, com uma população empobrecida, fica a uma hora (25km) a leste de Goma. Muitos dos seus habitantes dependem do comércio na cidade.
Foto: DW/Flávio Forner
Estrada de volta à vida
Estrada de terra que liga Goma a Kiwanja. Camiões cheios de trabalhadores e militares percorrem diariamente os 70km que separam as duas cidades. O trajeto demora em média quatro horas. Há menos de cinco anos, a estrada que corta a zona sul do Parque Nacional Virunga era extremamente perigosa devido aos ataques das milícias Mai-Mai e do grupo rebelde M23.
Foto: DW/Flávio Forner
Estradas esburacadas
Área rural junto à vila de Sake. As estradas que ligam as vilas e as cidades em Kivu do Norte estão esburacadas. Só veículos todo-o-terreno são capazes de passar por aqui, mesmo para trajetos curtos. Nesta foto, uma carrinha transporta passageiros e, no tejadilho, um homem aconchega-se entre um colchão e maços de folhas de mandioca que são vendidas em mercados em Goma.
Foto: DW/Flávio Forner
Fonte de sustento
Mulheres e crianças vendem folhas de mandioca na beira da estrada. A cidade de Kiwanja é circundada por áreas de cultivo de legumes. Muitas famílias dependem da venda de alimentos para garantir o seu sustento.
Foto: DW/Flávio Forner
Trabalho social
Militares do Batalhão de Operações Especiais da Guatemala, que integram a Missão de Paz da ONU no Congo, ajudam igrejas e centros comunitários na vila de Sake, a 25km de Goma. As crianças da vila recebem material escolar e brinquedos.
Foto: DW/Flávio Forner
Desnutrição infantil e materna
Bebés que sofrem de desnutrição são internados no Hospital Muungano La Résurrection, nos arredores de Goma. O hospital depende de doações e tem falta de medicamentos e suplementos alimentares. Muitas mães também estão desnutridas e chegam a ficar internadas dez dias.
Foto: DW/Flávio Forner
No hospital
Nos corredores do Hospital Panzi, em Bukavu, capital de Kivu do Sul. Fundado pelo conhecido ginecologista congolês Denis Mukwege, o hospital fica na zona de Ibanda e tornou-se uma referência no tratamento de vítimas de violência sexual e reparação de fístulas obstétricas. Desde que foi fundado em 1999, a equipa médica já tratou 85.000 pacientes, incluindo 50.000 vítimas de violência sexual.
Foto: DW/Flávio Forner
Festa no hospital
Este adolescente congolês vestiu-se a rigor para participar nas atividades culturais do Hospital Heal Africa, no centro de Goma. Esta foto foi tirada no Dia Internacional da Criança Africana (16 de junho). O hospital promoveu neste dia uma série de apresentações de dança e teatro.
Foto: DW/Flávio Forner
Publicidade "VIP"
Nas ruas de Bukavu, Kivu do Sul, destaca-se a publicidade de um cabeleireiro para homens. O 'Salon VIP' tem nas paredes uma pintura com o rosto de Patrice Lumumba (à esq.) e Nelson Mandela (à dir.). Mandela simbolizou a luta anti-apartheid na África do Sul; Lumumba foi o pai da independência do Congo Belga e primeiro-ministro do recém país independente, tendo sido assassinado em 1961.
Foto: DW/Flávio Forner
De volta da escola
De uniforme, Pierre de 7 anos exibe o seu manual escolar e uma garrafa de plástico que serve como estojo para guardar os lápis. Tinha acabado de regressar da escola e seguia a pé para a sua casa na pequena vila de Mumosho, no interior de Kivu do Sul. O ensino público no Congo não é gratuito. Para manter uma criança na escola, as famílias têm de conseguir pagar cerca de 300 dólares por ano.
Foto: DW/Flávio Forner
Curso para mulheres no interior
Mulheres participam em cursos de empreendedorismo na vila de Mumosho, a 50 minutos de Bukavu. Muitas sofreram violência doméstica e abriram agora o seu próprio negócio, ganhando dinheiro com atividades artesanais e agricultura. Os cursos são oferecidos pela organização Women for Women International, que também realiza sessões para homens da comunidade com debates sobre o respeito pelas mulheres.
Foto: DW/Flávio Forner
Futebol em Goma
Os congoleses amam futebol. Ao final da tarde, depois do trabalho, muitos reúnem-se em campos de terra batida em bairros próximos do centro de Goma para jogar partidas de futebol.
Foto: DW/Flávio Forner
Missão de Paz
Capacetes azuis da MONUSCO são responsáveis por patrulhar as ruas de Goma. Esta foto foi tirada no alto do Monte Goma, no centro da cidade. O Uruguai tem uma base militar no topo da colina, um ponto estratégico. Ao fundo fica o vulcão Nyiragongo, 20 km a norte da cidade - o vulcão mais ativo de África. A sua última erupção foi em 2002 e arrasou Goma.
Foto: DW/Flávio Forner
Uma geração de crianças de rua
Centenas de crianças de rua deambulam pelas ruas de Goma. Segundo os Médicos Sem Fronteiras (MSF), há mais de 2.000 crianças sem tecto, muitas delas perdidas ou abandonadas pelas famílias, que vivem de esmolas e roubos. De dia, vagueiam pelas ruas do centro e, de noite, abrigam-se em terrenos baldios ou debaixo dos buracos de esgoto das principais rotundas.
Foto: DW/Flávio Forner
Clínica móvel para crianças de rua
Os Médicos Sem Fronteiras (MSF) têm uma clínica móvel, o 'Bobo Mobile', para atender os meninos órfãos ou que foram expulsos de casa. "Goma é um hub humanitário, mas surpreendeu-me que não havia nenhum projeto dedicado às crianças de rua", disse Carla Melki, coordenadora deste projeto dos Médicos Sem Fronteiras na RDC (República Democrática do Congo).
Foto: DW/Flávio Forner
Inspiração para os mais novos
De farda e boina cobrindo os dreadlocks, o artista congolês Wanny S-king conversa com crianças de rua em Goma. O rapper costuma dedicar-lhes canções. Conhecido entre os mais novos, Wanny é dos poucos que, sem medo, lida diariamente com eles e faz concertos, divulgando uma mensagem de paz. Inspirados pelo rapper, muitos começaram a compor letras e sonham ter a sua própria banda.