Mulheres marcham contra violência em Angola
25 de novembro de 2017Sob o lema "Parem de Matar as Mulheres", a marcha foi uma iniciativa da Ondjango Feminista, um movimento de emancipação feminina na sociedade angolana, em parceira com outras organizações. Durante o percurso foram exibidos cartazes com dizeres como "surra não", "tenho direito e mereço respeito", "maternidade não é matadoiro", entre outros.
Em marcha, as mulheres também protestaram dizendo "marido vem aqui assumir o teu filho", "general, tira mão do meu terreno" e "polícia, zungueira é tua mãe", uma clara alusão à fuga à paternidade, expropriação de parcelas de terra de camponesas e maus tratos às vendedoras ambulantes. Ao longo da marcha muitas zungueiras juntaram-se à manifestação com os seus produtos sobre a cabeça.
"Estamos a sofrer, aqui a corrida é demais. Batem-nos a toda hora com porrete. Os agentes da polícia e os fiscais dão-nos corrida até na estrada", desabafa a zungueira Julieta Joaquim Carvalho.
Presença de homens
A marcha não contou apenas com mulheres. Os homens também se mostraram solidários com a causa e percorreram as ruas da cidade de Luanda, manifestando o seu repúdio aos atos de violência contra a mulher.
Benedito Umbassanju é técnico de saúde num dos hospitais de capital. Ele explicou as suas razões: "De uma ou de outra forma, todos fazemos parte de uma sociedade que infelizmente está muito agressiva e a mim, enquanto profissional de saúde que atendo todos os dias no meu consultório pessoas vítimas de violência sexual e física, isto preocupa-me porque também me afeta".
O técnico de saúde disse ainda que os casos que recebe são assustadores. "Diriamente eu atendo entre 9 a 10 casos de pessoas abusadas sexualmente e algumas acabaram por resultar em gravidez", revelou.
Filomeno Vieira Lopes, docente universítário e político do Bloco Democrático coligado à Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE), também se juntou à iniciativa. "A marcha tem muita razão de ser. Nós estamos numa sociedade muito violenta, com muitos problemas sociais, como o desemprego. E a violência é uma situação que se instala quase que de maneira natural".
Violência contra a mulher vai ao Parlamento
Em Angola, o debate sobre a violência contra a mulher intensificou-se com o assassinato da jornalista da Televisão Pública de Angola (TPA), Beatriz Fernandes, em outrubro passado.
Para combater este tipo de violência, as mulheres vão fazer algumas exigências às instituições do Estado. Ao Executivo, o grupo de mulheres vai pedir "a observação e cumprimento escrupuloso para eliminar as práticas nocivas assumidas no âmbito do protocolo de Maputo bem como a criação de condições materiais para materializar as medidas administrativas contidas na Lei Sobre Violência Doméstica", segundo o manifesto da Ondjango Feminista.
Também querem que, "no âmbito de funcionamento da Assembleia Nacional, se programe um debate nacional sobre a reforma do setor de segurança pública com vista a permitir uma abordagem e uma política integradora de segurança pública", lê-se ainda no manifesto.
Em declarações a DW África, Navita Ngolo, deputada pela bancada parlamentar da União Nacional para Independência Total de Angola (UNITA), disse que vai intermediar junto da Assembleia Nacional para que o assunto seja discutido no Parlamento.
"Acho que é uma causa que eu devo ajudar e abraçar o grupo de mulheres que vai avançar com esta iniciativa. Podemos fazer parte da recolha de assinaturas para influenciar junto dos grupo parlamentares", disse a deputada que faz parte de um grupo de mulheres parlamentares.
Filomeno Vieira Lopes também afirmou apoiar que a violência contra a mulher seja debatida no Parlamento, "para que se encontrem respostas que possam ser dadas para travar este fenómeno e para que haja maior segurança em relação as mulheres”.
Os próximos passos
Há, em Luanda, alguns movimentos de emancipação mulheres, como o Odjango Feminista e Mulheres Prendadas. Mas Laura Macedo, da organização da marcha, é de opinião que muito ainda deve ser feito.
"Continua a não haver emancipação. As mulheres continuam a ser maltratadas, violadas. Todos os dias há relatos de violação contra a mulher nos becos, nos bairros, na rua, nos candongueiros, e nós não vemos nenhuma tomada de medidas". A ativista pensa que "todos nós temos mãe, todos nós temos irmãs e todos nós temos que as proteger".
Para os próximos dias, está previsto o envio de um manifesto, contendo as preocupações que estiveram na base da realização da marcha, às entidades competentes. A organização lamenta o facto de não ter comparecido nenhuma entidade governamental na marcha.
"É uma pena não encontrar ninguém das autoridades. Esperava encontrá-las aqui para nos ouvir. Porque nós sabemos que muitas destas autoridades acompanham-nos no Facebook e lamentavelmente não está aqui ninguém", lamenta Laura.
O Largo das Heroínas foi o término da marcha em Luanda. No local, foram ouvidas mensagens de repúdio e testemunhos de vítimas de abuso sexual, física e institucional. No final, Laura Macedo estimou que cerca de 300 pessoas, entre mulheres e homens, participaram da atividade, por isso, entende que "adesão superou as pespetivas".