Quando mais desprotegidas numa sociedade, mais as mulheres sofrem em situações de crise como é a atual pandemia. Em entrevista à DW África, a ativista Antónia Adamá Djaló fala da situação das mulheres na Guiné-Bissau.
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A pandemia provocada pelo novo coronavírus está a exacerbar a desigualdade de género na Guiné-Bissau. Aqui, como em muitos outros países do mundo, as mulheres sofrem mais insegurança e discriminação no mundo do trabalho. Em casa, são elas que geralmente assumem a responsabilidade pelos cuidados com os filhos, e outros familiares idosos ou doentes.
A pandemia trouxe sobrecargas no que já era uma situação de desigualdade em casa. Outro problema que agravou com o confinamento resultante da pandemia é a violência doméstica. Antónia Adamá Djaló, presidente da Associação Guineense das Mulheres em Atividades Económicas (AMAE), chama a atenção para as dificuldades que atravessam as mulheres no seu país.
DW África: Como é que a pandemia afetou a vida das mulheres na Guiné-Bissau?
Antónia Adama Djaló (AAD): Essa pandemia afeta muito a mulher guineense e a mulher africana de um modo geral. Sabemos que a mulher africana tem a responsabilidade da casa. Sabemos que as mulheres educam as crianças em casa. Então a pandemia é muito difícil para as mulheres. Há quase três meses que as pessoas estão em casa.
DW África: As creches e as escolas estão fechadas. Tomar conta dos filhos é mais uma sobrecarga para as mulheres?
AAD: Além dos filhos, elas vão ao mercado, buscar alimento para os filhos. Têm duplo trabalho. Além da sobrecarga das crianças, têm que providenciar a alimentação das crianças.
DW África: E muitas vezes também são as mulheres que tratam de familiares idosos ou doentes.
AAD: Em África não abandonamos os idosos. As pessoas cuidam dos idosos. Mesmo os familiares do marido são tarefa das mulheres.
DW África: Qual foi o impacto desta pandemia no trabalho das mulheres?
AAD: A primeira coisa é a dificuldade da venda. As mulheres levantam-se às seis horas da manhã para ir ao mercado e depois têm que lá ficar até às duas horas da tarde. Isso abalou muito as mulheres.
DW África: Um pouco por todo o mundo constata-se um aumento da violência doméstica, sobretudo contra mulheres, por causa do confinamento. Isso também acontece na Guiné-Bissau?
AAD: Neste momento aumenta muito a violência contra as mulheres. Começam logo por ser vítimas de assaltos e violações quando saem muito cedo de casa para ir para o mercado. Isso também faz parte.
DW África: E há casos de violência no seio da própria família?
AAD: Quando nem o marido nem a mulher têm o que comer, surgem bastantes problemas dentro de casa.
DW África: Já há muitos anos que as mulheres em África, em geral, e também na Guiné-Bissau, lutam por mais igualdade. A pandemia está a dificultar essa luta?
AAD: A pandemia vai dificultar. Antes da pandemia, as mulheres estavam a lutar. Há uma organização, de nome PPM [Plataforma Política das Mulheres], que estava a lutar por dar às mulheres maior poder de decisão. Tudo isso está paralisado. Quando se envereda por um caminho, e de repente não há como continuar, isso complica tudo.
Ser mulher na Guiné-Bissau significa vida dura
A maioria das mulheres guineenses tem uma vida difícil. Têm de percorrer dezenas de quilómetros para ir buscar lenha. Muitas morrem ainda jovens. A taxa guineense de mortalidade materna é uma das mais altas do mundo.
Foto: DW/B. Darame
Primeira a acordar, última a ir dormir
No campo, uma mulher trabalha a dobrar. Costuma acordar antes dos restantes membros da família e é a última a deitar-se no final do dia. São as mulheres que têm de caminhar até à mata para procurar lenha e água, às vezes em zonas de difícil acesso, a vários quilómetros da aldeia, como nesta fotografia na vila de Quinhamel, na região de Biombo, no norte da Guiné-Bissau.
Foto: DW/B. Darame
Vender para sustentar a família
Com um pano estendido no chão, as vendedoras vão expondo os seus legumes, malaguetas verdes, pepinos, cenouras, alfaces. São cultivados em quintais ou em pequenos campos. "Vender para sustentar a família" é o lema das mulheres guineenses. Mais de metade vende em feiras improvisadas, como aqui no Mercado de Bandim, o maior mercado de céu aberto da cidade de Bissau.
Foto: DW/B. Darame
Economia dominada por homens
À beira das estradas, as mulheres sentam-se em bancos e mesas de madeira e vendem laranjas, mangas, bananas e outros frutos - como aqui em Bissack, bairro nos arredores de Bissau. As vendedoras têm uma receita que ronda os 10 euros diários. Em média, uma guineense consegue ganhar 907 dólares por ano, bastante menos que os homens que conseguem em média 1.275 dólares.
Foto: DW/B. Darame
Recolher areia para sobreviver
Tia Nhalá não sabe que idade tem, mas sabe que todos os dias deve acordar cedo, às 05h00, para recolher areia no bairro de Cuntum, em Bissau. Sem qualquer proteção no rosto, sem luvas e pés descalços, Nhalá, que aparenta ter 67 anos, trabalha duramente durante largas horas. Recolhe areia que depois vende a pessoas que a usam em obras de construção civil.
Foto: DW/B. Darame
Venda ambulante em condições perigosas
No Bairro de Belém, em Bissau, meninas deambulam de porta em porta para vender frutas. Organizações da sociedade civil denunciaram já várias vezes que as vendedoras ambulantes correm riscos, como o de serem violadas sexualmente, pois estão muito expostas e vulneráveis. Também há denúncias de que algumas mulheres são forçadas a fazer esse trabalho.
Foto: DW/B. Darame
Vender peixe é um bom negócio
As vendedoras de peixe geralmente possuem arcas velhas para a conservação do pescado. Colocam-nas nos portos - como aqui na Ilha de Bubaque (Bijagós) - para servir de local de armazenamento quando receberem peixe fresco dos pescadores. Nos últimos anos, a venda de peixe tornou-se num dos negócios mais rentáveis para as mulheres guineenses.
Foto: DW/B. Darame
Um dos piores países para ser mãe
As condições precárias nas zonas rurais da Guiné-Bissau têm reflexos nas estatísticas: em 126 partos morre uma mulher, segundo dados das Nações Unidas. Em comparação, no Japão, em 20.000 partos morre uma mulher. A taxa de mortalidade materna na Guiné-Bissau é uma das mais altas do mundo. Ainda assim, não existe no país uma estratégia política dirigida à mulher no meio rural.
Foto: DW/B. Darame
País difícil para as crianças
Cada mulher guineense tem em média cinco filhos. O país tem uma das taxas de fecundidade mais altas do mundo. Mas muitas crianças não chegam a celebrar o seu quinto aniversário. Segundo dados das Nações Unidas, 129 de 1.000 crianças morrem até aos cinco anos de idade, muitas durante no parto, o que torna a Guiné-Bissau um dos piores países do mundo para se nascer.
Foto: DW/B. Darame
Trabalhos domésticos no feminino
Em Mansoa, região de Oio, norte da Guiné-Bissau, as casas de adobe agrupadas debaixo de enormes árvores desenham intricados caminhos onde secam redes de pesca, peles de antílopes e roupas rasgadas de criança. A comida prepara-se num fogão improvisado a lenha, em frente da casa. Trabalhos domésticos como cozinhar, cuidar das crianças ou limpar cabem tradicionalmente às mulheres.
Foto: DW/B. Darame
Carregar à cabeça é a única solução
Nas zonas mais recônditas da Guiné-Bissau, como na aldeia de Suru, região de Biombo, a cerca de 20 quilómetros de Bissau, não há uma rede de estradas que facilite o transporte das mercadorias. Não há carros que façam as ligações entre as aldeias. Carregar à cabeça, por vezes mais de cinco quilos, é a única solução para que essas mulheres possam fazer chegar os produtos ao destino.
Foto: DW/B. Darame
Lenha e água a quilómetros de distância
Nas mais de 80 ilhas e ilhéus completamente isolados e sem grande presença do Estado guineense, as populações vivem no regime do "salva-se quem poder". As mulheres percorrem dezenas de quilómetros para ir buscar lenha e água potável. Em muitos casos - como aqui na Ilha de Bubaque (Bijagós) - atravessam rios caminhando, com os pés descalços, sem roupas adequadas e carregadas.
Foto: DW/B. Darame
Ultrapassando rios e braços de mar
Devido à falta de barcos nas aldeias insulares do arquipélago dos Bijagós, o fornecimento e o transporte de bens é extremamente difícil. É recorrente ver mulheres atravessando rios ou braços de mar bastante profundos. Estes caminhos para procurar lenha e água doce são bastante perigosos para quem não sabe nadar.
Foto: DW/B. Darame
Desigualdade começa na educação
A maioria das mulheres guineenses vive em situação de extrema pobreza. Em médias, as mulheres frequentaram a escola apenas 1,4 anos, menos de metade do que os homens guineenses, que têm em média 3,4 anos de escolaridade, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas. Só investindo na educação e na saúde será possível melhorar a situação das mulheres da Guiné-Bissau.