Padrão de calcário com mais de 500 anos foi colocado por navegador português na costa do país para demarcar posse. Ministra alemã diz que devolução demonstra responsabilidade da Alemanha por seu passado colonial.
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O Museu de História Alemã, em Berlim, irá restituir à Namíbia um padrão de calcário com mais de 500 anos colocado pelo navegador português Diogo Cão, na costa central do atual território do país. A Namíbia exigia o artefato encimado por uma cruz com as armas da coroa portuguesa desde junho de 2017.
O anúncio da devolução foi feito esta sexta-feira (17.05) pela ministra da Cultura alemã, Monika Grütters. A decisão foi tomada numa reunião da direção do museu realizada esta semana. A restituição foi provocada em parte por discussões numa cimeira em 2018 no museu sobre a história do objeto. Na ocasião, discutiu-se o desejo da Alemanha de enfrentar a responsabilidade moral de seu passado colonial.
Apesar de o padrão ser originalmente europeu, Monika Grütters considerou que a devolução simboliza um "gesto de reconciliação". "A devolução do padrão sinaliza claramente o reconhecimento da necessidade de reavaliar o nosso passado colonial e trabalhar em conjunto com os países de origem dos objetos coloniais para que possamos encontrar formas construtivas de compromisso e respeito uns pelos outros", declarou a ministra.
Para Monika Grütters, a "injustiça deste período" tem sido "suprimida e esquecida há demasiado tempo" na memória cultural coletiva da Alemanha. "A restituição é uma contribuição para a reconciliação e o sentido de entendimento comum com o povo da Namíbia.
Registo do passado colonial
A decisão foi bem acolhida pelo embaixador da Namíbia na Alemanha, Andreas Guibeb. Segundo o diplomata, apenas "o confronto e a aceitação deste passado doloroso libertará os namibianos para consciente e confiantemente poderem confrontar o futuro".
"O regresso da Cruz original é um passo importante para nos reconciliarmos com o nosso passado colonial e o rastro de humilhação e injustiças sistemáticas que deixou", acrescentou.
O museu diz que, embora o objeto não seja uma obra de arte africana, destaca como "descendentes da Europa e de África podem se engajar em um diálogo que faça justiça histórica". Além disso, o objeto irá ajudar no entendimento da história da Namíbia. O presidente do Museu de História Alemã, Raphael Gross, escreveu no jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung que a cruz é "um dos poucos objetos que registra a ocupação do país pelos portugueses e o lento início do domínio colonial no território da atual Namíbia".
Demarcação do território
O padrão de calcário, que tem inscrições em português e latim, foi colocado por Diogo Cão em 1486 na costa central do território que hoje corresponde à Namíbia para reclamar a sua posse por Portugal. O artefato de cerca de dois metros de altura e mais de 350 quilos deu àquela zona o nome de Cabo da Cruz. O monumento assinalava a descoberta do ponto mais meridional alcançado até então pelos europeus em África.
O objeto foi levado à Alemanha em 1893, quando a Namíbia fazia parte do império colonial alemão. O padrão entrou para a coleção do Museu de História Alemã da Alemanha Oriental em 1953, que depois da reunificação do país, passou a se chamar Museu de História Alemã. O objeto faz parte da exposição permanente do museu desde 2006.
A Namíbia foi uma colónia alemã entre 1884 e 1915. A Alemanha demorou a reconhecer plenamente os capítulos mais sombrios de seu passado colonial, mas fez esforços recentes nessa direção. Embora o Governo alemão tenha anunciado um pedido de desculpas pelo genocídio de dezenas de milhares de homens, mulheres e crianças entre 1904 e 1908, o país se recusou a pagar indemnizações.
Racista e cruel, a história colonial da Alemanha
A exposição no Museu Histórico Alemão, em Berlim, é a primeira grande exibição que explora os capítulos do domínio colonial da Alemanha. Uma história da ambição falhada de uma superpotência.
Foto: public domain
A cara do colonialismo
Com o chanceler Otto von Bismarck, o Império Colonial Alemão estabeleceu-se nos territórios da atual Namíbia, Camarões, Togo e em algumas partes da Tanzânia e do Quénia. O imperador Guilherme II, coroado em 1888, tentou expandir os domínios coloniais. O imperador alemão queria um "lugar ao sol", como disse mais tarde, em 1897, o chanceler Bernhard von Bülow.
Foto: picture-alliance/AP Photo/DW
Colónias alemãs
Foram conquistados territórios no Pacífico (Nova Guiné, Arquipélago de Bismarck, Ilhas Marshall e Salomão e Samoa) e na China (Tsingtao). A Conferência de Bruxelas em 1890 determinou que o imperador germânico iria obter os reinos do Ruanda e Burundi, ligando-os à África Oriental Alemã. No final do século XIX, as conquistas coloniais alemãs estavam praticamente completas.
Foto: picture-alliance / akg-images
Um sistema de desigualdades
A população branca nas colónias era uma minoria, raramente representava mais de 1% da população. Uma minoria privilegiada, contudo. Em 1914, cerca de 25 mil alemães viviam nas colónias, menos de metade no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia). Os 13 milhões de nativos das colónias alemãs eram vistos como subordinados, sem recurso ao sistema legal.
Foto: picture-alliance/dpa/arkivi
O primeiro genocídio do século XX
O genocídio contra os povos Herero e Nama no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia) é o mais grave crime na história colonial da Alemanha. Durante a Batalha de Waterberg, em 1904, a maioria dos rebeldes Herero fugiram para o deserto, onde as tropas alemãs bloquearam sistematicamente o acesso à água. Estima-se que morreram mais de 60 mil Hereros.
Foto: public domain
A culpa alemã
Apenas cerca de 16 mil Hereros sobreviveram ao extermínio. Foram depois detidos em campos de concentração, onde muitos acabaram por falecer. O número exato de vítimas continua por apurar e é ponto de controvérsia. Quanto tempo terão sobrevivido os Hereros depois de fugirem para o deserto? Eles perderam todos os seus bens, os seus meios de subsistência e as perspetivas de futuro.
Foto: public domain
Reformas em 1907
Depois das guerras coloniais, a administração das colónias alemãs foi reestruturada com o objetivo de melhorar as condições de vida. Bernhard Dernburg, um empreendedor de sucesso (na imagem, transportado na África Oriental Alemã), foi nomeado secretário de Estado dos Assuntos Coloniais em 1907 e introduziu reformas nas políticas coloniais da Alemanha.
Foto: picture alliance/akg-images
A ciência e as colónias
Com as reformas de Dernburg foram criadas instituições científicas e técnicas para lidarem com assuntos coloniais. Assim estabeleceram-se faculdades nas atuais universidades de Hamburgo e Kassel. Em 1906, Robert Koch dirigiu uma longa expedição à África Oriental para investigar a transmissão da doença do sono. A imagem demonstra amostras coletadas nessa expedição.
Foto: Deutsches Historisches Museum/T. Bruns
Uma das maiores guerras coloniais
De 1905 a 1907, uma ampla aliança de grupos étnicos rebelaram-se contra o poder na África Oriental Alemã. Cerca de 100 mil locais morreram na Revolta de Maji-Maji. Apesar de raramente discutido, este continua a ser um importante capítulo da história da Tanzânia.
Foto: Downluke
A perda das colónias
Derrotada na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha assinou o tratado de paz de Versalhes, em 1919, que previa que o país renunciava a soberania sobre as colónias. Cartazes como este demonstram o medo dos alemães de, como consequência, perderem poder económico e viverem na pobreza e na miséria no seu país.
Foto: DW/J. Hitz
Ambições coloniais do "Terceiro Reich"
As aspirações coloniais voltaram a surgir com o nazismo e não apenas em relação à colonização da Europa Central e Oriental, através do genocídio e limpeza étnica. O regime nazi pretendia também recuperar as colónias perdidas em África, como demonstra este mapa escolar de 1938. Os territórios eram vistos como fonte de recursos para a Alemanha.
Foto: DW/J. Hitz
Processo espinhoso
As negociações para uma declaração conjunta do genocídio dos povos Herero e Nama entraram numa fase difícil. Enquanto a Alemanha trava quanto a compensações financeiras, há também deficiências nas estruturas políticas internas da Namíbia. Representantes Herero apresentaram, recentemente, uma queixa à ONU contra a sua exclusão nas negociações em curso.