Desde maio, Cemitério dos Pretos Novos não recebe verbas da Prefeitura do Rio de Janeiro. Governo exige apresentação de documentos para retomar investimentos. Diretora diz que museu está dependente de doações.
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O maior sítio arqueológico das Américas, que possui um acervo de milhares de ossadas de escravos vindos de África durante o Período Colonial, poderá fechar as suas portas no mês de setembro.
Chamado de Cemitério dos Pretos Novos, o museu é parte integrante do Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN) e está situado na Gamboa - região portuária da cidade do Rio de Janeiro conhecida como "pequena África". Desde maio deste ano que o museu não recebe as verbas da prefeitura da cidade para a manutenção.
De acordo com a diretora do IPN, Maria de La Merced Guimarães, o sítio arqueológico ainda se mantém aberto ao público graças às doações espontâneas da comunidade, tanto do Brasil como do estrangeiro.
"São pessoas que fazem depósitos de 10, 20, 30 reais. Uma menina depositou 30 euros de Portugal, mas quando chegaram à nossa conta os 105 reais, na hora de converter o euro para o nosso dinheiro brasileiro [reais], só o banco levou 100 reais de taxas. Ficámos com cinco reais, dos 105", lamentou a diretora.
Merced explicou que muita gente que vem para visitar o museu acaba doando, além de dinheiro, material de limpeza - como detergentes, desinfetantes, sacos de lixo e papel higiénico.
Atividades limitadas
Há poucos meses, no Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos, eram feitas palestras, exposições e oficinas sobre a história da escravidão no país. No entanto, devido à falta de investimentos do poder público, apenas um projeto está em atividade.
"Estamos levando o projeto 'Circuito de Herança Africana' às escolas. Este é o único projeto, sem verba, que a gente está fazendo. Estamos recebendo visitas e nossas oficinas não têm incentivos, não tivemos patrocinadores", destacou a diretora.
Condições básicas para manter o sítio arqueológico aberto à visitação - como o fornecimento de água e luz - correm o risco de serem cortadas, a qualquer instante, por falta de pagamento.
Museu Pretos Novos - MP3-Stereo
Cultura afro-brasileira pede socorro
Segundo a secretária municipal da Cultura do Rio de Janeiro, Nilcemar Nogueira, o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN) recebia verba da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro. Porém, este acordo terminou em março.
Para voltar a receber dinheiro, é necessário que a direção do museu apresente um planeamento estratégico das ações desenvolvidas dentro da instituição. Este documento terá de ser enviado à Prefeitura do Rio, como explica a titular da pasta.
"Não se passa dinheiro público sem projeto básico e cumprimento de várias prerrogativas, inclusive documentais. Neste momento, é preciso que o próprio IPN tenha um estudo sobre o seu custo, as ações, um planeamento estratégico, para que se possa fazer qualquer tipo de transferência de dinheiro público", disse Nilcemar Nogueira.
Em 2016, durante o Governo do ex-prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos recebeu um financiamento de 80 mil reais (pouco mais de 21 mil euros). Já este ano, a prefeitura afirmou que não dispõe de orçamento para o museu, que terá de se manter, por longos meses, com doações, até que apresente a documentação solicitada e seja aprovada a transferência da verba.
Documentos da vergonha: Peças da escravatura expostas em Portugal
O Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa, apresenta até dezembro a exposição "Escravatura: Memória Africana", que remonta a história até a abolição dos escravos em Portugal.
Foto: DW/J. Carlos
No Museu Nacional de Arqueologia
Ao todo são 43 as instituições, entre museus, bibliotecas e arquivos histórios de Lisboa que conjugaram esforços para mostrar ao público as memórias da escravatura negra em Portugal. Com esta exposição, aberta ao público até dezembro, a organização procura relançar a discussão sobre o tráfico, o combate e a abolição da escravatura, no âmbito dos eventos da Capital Ibero-Americana de Cultura 2017.
Foto: DW/J. Carlos
Coleiras de escravo
Durante 400 anos, Portugal teve um papel central no processo de tráfico de escravos. Neste projeto do Gabinete de Estudo Olisiponenses são apresentados alguns dos instrumentos da repressão e da escravatura, a exemplo destas coleiras de escravo em liga de cobre, do século XVIII. Fazem parte de 30 conjuntos de peças saídas do acervo diversificado do Museu de Arqueologia.
Foto: DW/J. Carlos
Grilhetas e algemas
Neste núcleo estão reunidas grilhetas de mãos ou de pés e algemas. Pertencem a um conjunto de instrumentos de sujeição que terão sido utilizados para prender escravos. É provável que para este fim fosse utilizado o mesmo tipo de instrumentos usados por condenados ou por pessoas em qualquer outra condição de captura e aprisionamento.
Foto: DW/J. Carlos
Coleira de pescoço
Esta coleira de pescoço em ferro é constituída por dois aros idênticos, articulados através de um encaixe em elo para permitir mobilidade, rematados por terminais de forma ovalada e vazada, por onde passaria uma corrente ou um sistema de fecho. Peças como esta encontram-se em pinturas em vários países europeus, mas muitos poucos museus têm o objeto, segundo a curadoria da exposição.
Foto: DW/J. Carlos
Algemas de mão
À medida que fixamos o olhar em cada uma das composições da exposição procuramos imaginar ou entender como era o dia-a-dia dos escravos, a maneira como viviam, mas sobretudo o sofrimento pelo qual passaram, presos a algemas como estas. Feitas em ferro, são constituídas por dois aros com estrangulamento mediano e extremidades extravasadas, rematadas por terminais em argola.
Foto: DW/J. Carlos
Cruzeta e manilhas
Nesta vitrina mostra-se um conjunto de objetos que integraram os sistemas pré-monetários utilizados na África subsariana, no âmbito das trocas comerciais em geral e também no comércio e tráfico de escravos realizado a partir do século XVI, na costa ocidental africana. Em cima, vê-se uma cruzeta de cobre que servira de meio de troca no tráfico de escravos.
Foto: DW/J. Carlos
Objetos de troca comercial
As manilhas, feitas em ligas de bronze, eram produzidas em diversas cidades da Inglaterra, França e Alemanha. Semelhantes na forma a braceletes, adorno muito apreciado entre as populações africanas como símbolo de estatuto, riqueza e poder, as manilhas-braceletes também se tornaram num dos objetos de troca mais difundidos no comércio entre a Europa, África e as Américas.
Foto: DW/J. Carlos
Soldados e mulher de tanga
Abstraindo-se dos elementos com cunho de escravização, a coleção mostra várias figuras de cerâmica pintada, representando soldados africanos e mulheres negras de tanga com cestos portugueses, colares e outros adornos, como missangas, usados também como acessórios rituais ou como moeda no comércio de escravos e de outras mercadorias.
Foto: DW/J. Carlos
Documentos valiosos
Além das mais de 200 peças, há documentos valiosos relacionados com a escravatura. Em primeiro plano, vê-se um manuscrito de 1579. Ao lado, a obra de Manuel Heleno, que escreveu sobre os escravos de Portugal, na sua tese de doutoramento em Ciências Históricas apresentada na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1933).
Foto: DW/J. Carlos
Grilhão ou prisão de escravos
Este é um dos objetos que evoca a escravatura no Museu de Etnologia. Trata-se de um grilhão ou prisão dos escravos, uma das raras peças existentes em Portugal que ilustra uma particular violência e desumanidade. Aprisionando conjuntamente punhos e tornozelos, resulta na imobilização e subjugação total do escravo. Um dos testemunhos de uma história sombria.
Foto: DW/J. Carlos
Tambor proibido
Dando um salto ao Museu da Música, o tambor africano distingue-se entre as peças ali expostas. É um instrumento de percussão disseminado pelo continente africano, habitualmente associado a danças e rituais religiosos. Mas, no período da escravatura, era muitas vezes proibido o seu uso por receio de estar associado a formas de comunicação entre escravos ou para atacar os donos brancos.
Foto: DW/J. Carlos
Do tráfico à abolição
O tráfico de escravos africanos adquiriu grande amplitude com a fixação dos primeiros entrepostos portugueses na África Ocidental, na primeira metade do século XV. No entanto, a decisão de Marquês de Pombal de libertar todos os escravos que entrassem no Reino encontrou oposição dos traficantes. A Marinha Portuguesa teve de envolver-se na abolição do tráfico de escravos nos domínios de Portugal.
Foto: DW/J. Carlos
O combate à escravatura
Aos poucos o tráfico de escravos foi encontrando resistência, conforme relatam os muitos documentos expostos no Arquivo Histórico Cordoaria Nacional. Aqui está o modelo de corveta mista “Rainha de Portugal”, navio da Marinha Portuguesa que prestou serviço ao longo do último quartel do século XIX, na costa ocidental de África, sobretudo em ações de vigilância e interceção do tráfico negreiro.
Foto: DW/J. Carlos
Abolição definitiva
O decreto de 25 de fevereiro de 1869 aboliu a escravidão em todas as colónias portuguesas. Os escravos existentes passariam a libertos, tendo tal condição cessado definitivamente em 1878. Este é o símbolo do fim da escravatura numa das praças de Lisboa, em homenagem a Sá da Bandeira, figura que se destacou pelos esforços incessantes a favor do movimento abolicionista.