Fernando Goncalves, presidente do MISA-Moçambique, considera "estranho" que se pense em rever leis fundamentais em períodos de conflito e frisa que as novas leis da Comunicação Social devem obedecer à Constituição.
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O Governo moçambicano submeteu em dezembro passado ao Parlamento as novas propostas de alteração às leis da Comunicação Social e da Radiodifusão.
Em entrevista à DW África, o Presidente do MISA-Moçambique, Fernando Goncalves, considera "estranho" que se pense em rever leis de garantias dos direitos fundamentais [lei de imprensa], em períodos de conflitos armados no país e adverte que "isto pode ter repercussões negativas".
A violência armada em Cabo Delgado está a provocar uma crise humanitária com mais de duas mil mortes. De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), os deslocados devido ao conflito no norte de Moçambique chegam a quase 700.000.
DW África: Qual é a visão do MISA-Moçambique em relação a estas duas leis submetidas pelo Governo ao Parlamento?
Fernando Goncalves (FG): A nossa visão é que precisam de ser melhoradas. Há muitos aspetos em que se coloca sobre o jornalista a obrigatoriedade de proteger o segredo de Estado, o segredo de Justiça, o sigilo profissional e as demais garantias daqueles direitos. Nós entendemos que o ónus da salvaguarda do interesse do Estado, assim como do segredo de Justiça, não deve recair sobre os jornalistas, mas sim sobre as entidades que têm a obrigação de salvaguardar esses sigilos.
DW África: A realidade mostra que há muitas instituições que não querem divulgar informações sobre pretexto de segredo de Estado, mesmo em situações em que a lei não o prevê.
FG: Há uma lei, que é a lei do Direito à Informação, que foi aprovada em 2014, mas esta lei não está a ser aplicada na sua plenitude, porque muitas vezes evoca-se o segredo de Estado e este segredo de Estado é definido de forma muito avulsa. Qualquer funcionário público pode evocar o segredo de Estado para não dar informação.
DW África: O que tem a dizer sobre a posição de ser o próprio Estado a regular o funcionamento dos órgãos de comunicação social?
FG: Nós pensamos que isso deve ser feito pelo próprio Parlamento e é possível dando mais atribuições ao Conselho Superior da Comunicação Social, [para] que possa ser este o órgão regulador.
DW África: Porquê?
FG: A questão é que estamos em sede de direitos fundamentais, liberdade e garantias fundamentais, que estão consagrados na Constituição da República. Entendemos que a regulação desses direitos é matéria, por excelência, do fórum parlamentar e não do fórum do Executivo.
DW África: Será este um recuo na liberdade de expressão e nos direitos fundamentais dos moçambicanos?
FG: Este processo de revisão da lei está a decorrer desde 2006. A questão que se coloca [tem a ver com o facto de se ter esperado] 15 anos até hoje. Qual é a pressa que se tem agora em aprovar esta lei? Não é normal rever leis dos direitos fundamentais durante um conflito armado. A mudança da legislação sobre questões que têm a ver com direitos fundamentais, como é o caso da Lei de Imprensa, pode ser muito influenciada pelo ambiente de conflito que se vive no país e isso pode ter repercussões negativas. Não estamos a dizer que não se pode rever a lei. As instituições públicas têm a obrigação e o direito de tomar a iniciativas em termos legislativos.
DW África: A proposta de Lei de Rádio e Difusão introduz muitas limitações ao exercício da profissão do jornalista, nomeadamente para os órgãos internacionais. Qual é o entendimento do MISA em relação a isso?
FG: O nosso princípio é que tudo o que a lei faz deve estar em conformidade com a Constituição da República. Se essas proibições interferem no direito do povo à informação, obviamente que estaremos na presença de um instrumento que fere a Constituição da República, e nessas circunstâncias qualquer legislação pode ser impugnada ao nível do Conselho Constitucional. Isso pode vir a acontecer caso esse pacote legislativo, em algum aspeto, ferir a Constituição da República.
Países africanos que mais violam a liberdade de imprensa
Gana é o país africano mais bem classificado no "<i>Ranking</i> Mundial da Liberdade de Imprensa" dos Repórteres sem Fronteiras. A Eritreia é o pior em África e, a nível mundial, só é melhor que a Coreia do Norte.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
Eritreia - posição 179º lugar
A liberdade de imprensa é considerada "não existente". Em 2001, uma série de medidas repressivas contra <i>media</i> independentes levaram a uma onda de detenções. O Presidente Isaias Afeworki é visto como um “predador” da liberdade de imprensa e usa os meios de comunicação nacionais como seus porta-vozes. Escritores, locutores e artistas são censurados e a informação é escondida dos cidadãos.
Foto: picture-alliance
Sudão - 174º lugar
Na capital Cartum, pratica-se a chamada “censura pré-publicação". O Governo detém jornalistas arbitrariamente e interfere abertamente na produção de notícias. A "Lei da Liberdade de Informação de 2015" é vista como uma outra forma de exercer controlo governamental sobre a informação pública. Os jornalistas têm de passar por um teste e obter uma permissão para trabalhar.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Burundi - 159º lugar
Repressão estatal contra a liberdade de imprensa e intimidação de jornalistas é comum no país. <i>Media </i> controlados pelo Estado substituem cada vez mais estações de rádio independentes, depois de a maior parte delas ter sido forçada a fechar, após uma tentativa de golpe de estado há três anos. Centenas de jornalistas fugiram do país desde 2015. Na foto, protesto de jornalistas no país.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
República Democrática do Congo - 154º lugar
Defensores dos <i>media</i> falam em jornalistas mortos, agredidos, detidos e ameaçados desde que Joseph Kabila sucedeu ao pai na presidência do país em 2001. Orgãos de comunicação internacionais queixam-se que o Governo interfere nos sinais de rádio ou corta mesmo a transmissão. Protestos da oposição levaram as autoridades a interromper ou cortar o acesso à Internet.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Suazilândia - 152º lugar
Esta monarquia absoluta tem a reputação de obstruir o acesso à informação e impedir os jornalistas de fazerem o seu trabalho. Os <i>media</i> estão sujeitos a leis restritivas e repórteres são frequentemente chamados a tribunal pelo seu trabalho. Auto-censura é comum. Um editor saiu recentemente do país depois de fazer uma reportagem sobre negócios obscuros ligados ao Rei Mswati III (na foto).
Foto: picture-alliance/dpa
Etiópia - 150º lugar
O Governo tem uma mordaça sobre os órgãos de comunicação e os jornalistas trabalham sobre condições muito restritivas. Com a Eritreia, este país tem uma das mais altas taxas de jornalistas detidos na África subsariana. Na foto, o jornalista etíope Getachew Shiferaw, que foi condenado a 18 meses de prisão por ter falado com um dissidente.
Foto: Blue Party Ethiopia
Sudão do Sul - 144º lugar
Os jornalistas são obrigados pelo Governo a evitar fazer cobertura do conflito. Órgãos de comunicação internacionais denuciaram casos de assédio e foram banidos deste jovem país, onde pelo menos 10 jornalistas foram mortos desde 2011. Na foto, dois jornalistas do Uganda que tinham sido detidos por autoridades no Sudão do Sul.
Foto: Getty Images/AFP/W. Wudu
Camarões - 129º lugar
O Governo chamou às redes sociais uma “nova forma de terrorismo”, e bloqueia frequentemente o acesso às mesmas. Emissões de rádio e televisão foram bloqueadas duas semanas em março, durante o período eleitoral. Jornais que publicam conteúdos que desagradam políticos no poder são banidos e jornalistas e editores são detidos.
Foto: picture alliance/abaca/E. Blondet
Chade - 123º lugar
Os jornalistas arriscam-se a detenções arbitrárias, agressões e intimidações. Nos últimos meses, o Governo tem vindo a reprimir plataformas de <i>social media</i> e ciber-ativistas. A Internet tem estado bloqueada no país desde 28 de março, no seguimento de um “apagão” da Internet devido a manifestações da sociedade civil e protestos dos órgãos de comunicação num chamado “dia sem imprensa”.
Foto: UImago/Xinhua/C. Yichen
Tanzânia - 93º lugar
Críticos dizem que o Presidente John Magufuli tem vindo a atacar a liberdade de expressão deliberadamente, desde que tomou posse em 2015. Jornalistas foram presos ou dados como desaparecidos. Orgãos de comunicação social foram fechados ou impedidos de publicar durante longos períodos de tempo. Leis que podem ser usadas contra os <i>media</i> foram apertadas.