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Neto vs. Savimbi: "Também há feridas por sarar na UNITA"

30 de maio de 2019

Escritor angolano Lopito Feijó diz que não foi só o MPLA que cometeu atrocidades em Angola - a UNITA, então liderada por Jonas Savimbi, também o fez. E há muitas "feridas" por sarar para a efetiva reconciliação no país.

Lopito Feijó lembra a chamada "Queima das Bruxas" realizada pela UNITA, então liderada por Jonas SavimbiFoto: DW/J. Carlos

Também há feridas por sarar no seio da União para a Independência de Angola (UNITA) de Jonas Savimbi. O aviso é de Lopito Feijó, que lembra, em entrevista à DW África, que não foi só o Movimento de Libertação de Angola (MPLA) que cometeu atrocidades em Angola e tem contas a ajustar com a sociedade angolana.

"A propósito de Savimbi aconteceram outras coisas, que também têm que ser conversadas dentro da própria UNITA", afirma o escritor angolano nas vésperas das cerimónias fúnebres dos restos mortais do líder histórico do partido, morto em combate em 22 de fevereiro de 2002.

Feijó cita a "Queima das Bruxas" ou o "Setembro Vermelho", em que foram queimadas pessoas vivas na Jamba, acusadas de feitiçaria. Este foi um dos vários acontecimentos sangrentos na história da guerra civil em Angola, que também afetou muitas famílias angolanas.

Neto vs. Savimbi: "Também há feridas por sarar na UNITA"

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"Há familiares que estão na UNITA e há deserções, há problemas no partido que também ainda não estão totalmente [resolvidos]; feridas que não estão saradas e cuja culpa é atribuída pessoal e individualmente ao doutor Savimbi", acrescenta o escritor.

A DW África falou com o autor angolano a propósito dos crimes bárbaros cometidos pelo regime de Agostinho Neto, histórico líder do MPLA, na sequência da alegada tentativa de golpe de Estado de 27 de maio de 1977, que resultaram em milhares de mortes, cujos corpos são até hoje reclamados pelas famílias das vítimas.

"Pai da Nação"

No entanto, Lopito Feijó não questiona o direito de Agostinho Neto a ter uma estátua erguida na capital angolana, apesar desses acontecimentos. "Ninguém funda nada sozinho, muito menos uma nação, mas Agostinho Neto é tido por nós como o 'pai da Nação'. Portanto, vamos admitir que Agostinho Neto, tal como outros milhares de heróis e partícipes da luta de libertação dos nossos países africanos de língua portuguesa e não só, têm o seu lugar na sociedade".

Memorial Agostinho Neto, em LuandaFoto: P.B. Ndomba

Feijó argumenta, no entanto, que "o próprio Agostinho Neto, que escreveu em poesia que as honras são para os generais, provavelmente não estaria muito interessado nisto, em saber se merece estátua ou não merece estátua". E, como as honras são para os generais, o escritor não exclui igualmente o lugar de Jonas Malheiro Savimbi na história de Angola, "como todos os outros que lutaram pela libertação de Angola do jugo colonial".

Violência na luta de libertação

O académico congolês Jean Michel Mabeko-Tali, que investiga sobre o processo político em Angola, lembra que a "violência sangrenta" foi transversal a todos os movimentos durante o período da luta de libertação. "A gente sabe das revoltas que houve quer dentro da FNLA [Frente Nacional de Libertação de Angola], quer dentro do MPLA ou da UNITA. Portanto, não há neste processo nenhum movimento que não tenha cometido atrocidades".

De acordo com Mabeko-Tali, a violência decorreu "das conjunturas e em função das lutas quer internas, quer entre os diversos movimentos, porque, como a gente sabe, nunca chegaram a formar uma frente para enfrentar os portugueses [durante a guerra colonial]".

O autor do livro "Guerrilhas e Lutas Sociais. O MPLA perante si próprio (1960/1977)", que serviu de mote para um debate na quarta-feira (29.05) em Lisboa, considera que cabe à sociedade angolana refletir se se deve dar "uma certa visibilidade" aos outros atores políticos na História de Angola.

Jean Michel Mabeko-Tali, académico congolêsFoto: DW/J. Carlos

"Porque, por mais que eu não concorde com Holden Roberto como dirigente [da FNLA], há uma coisa que ninguém me vai convencer do contrário - ele foi um nacionalista, à sua maneira. Um nacionalismo talvez conservador ou reacionário, como a gente quiser. Agora caberá à sociedade angolana debater essas coisas, se Holden [Roberto] merece ou não uma estátua. Savimbi é muito mais controverso, por razões que a gente sabe, a sua colaboração com os portugueses, etc... aí também caberá aos angolanos decidir qual o lugar a dar a Savimbi em termos de monumento nacional. Mas Agostinho Neto foi fundador deste Estado-Nação, por isso é legítimo que ele tenha direito a uma estátua. Agora, qual o lugar dos outros?"

Feridas do passado

Estas feridas do passado têm que ser resolvidas, reconhece o historiador radicado nos Estados Unidos, que sugere um debate no seio da sociedade angolana, "porque não é por decreto que o Presidente João Lourenço vai dizer: agora quero uma estátua de Savimbi. Daí o debate à volta do enterro de Savimbi".

Segundo Jean Michel Mabeko-Tali, "se a abertura que o Presidente João Lourenço acaba de iniciar, que é de abrir espaço para um debate nacional, essa abertura significa que vai ser necessário que se alargue esse debate".

Lopito Feijó diz, em tom reconciliador, que "a sociedade angolana tem que se reencontrar". Cabe agora à nova geração a transformação da sociedade, que ele deseja "culta e sã". A referida geração, sublinha, tem a responsabilidade de corrigir os erros do passado e fomentar novos valores a pensar numa nova Angola.

"O mundo da política angolana tem que resolver os seus problemas, para que esses problemas não voltem de forma incidente a afetar o mundo social e cultural dos angolanos".

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