O MPLA aperfeiçoa seu aparelho de captação de voto, diz o analista Nelson Pestana. E João Lourenço já está em pré-campanha. Alienação das consciências através de bens é uma tática esperada, embora em escala reduzida.
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Em Angola o ambiente já é de pré-campanha com vista as eleições de agosto, pelo menos para o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). O cabeça de lista do partido no poder já está na província da Huíla para um comício e inauguração de um hospital, no sábado (18.02). João Lourenço, atualmente ministro da Defesa, é pouco conhecido no seio do eleitorado. Sobre esta fase do processo eleitoral, a DW África entrevistou o académico e analista angolano Nelson Pestana.
DW África: Sendo João Lourenço uma figura pouco conhecida, espera-se dele um esforço adicional no que diz respeito ao contacto com as massas?
Nelson Pestana (NP): O Presidente da República indicou um candidato e agora tem de ser apresentado a massa militante, simpatizantes e apoiantes do MPLA. E tudo isso depois de João Lourenço ter feito em setembro um comício que foi um autêntico fracasso, porque ainda não estava tão claro que ele seria o candidado, inclusive havia ainda resistências internas [dentro do MPLA]. No dia 4 de fevereiro, aqui em Luanda, foi apresentado, e agora tem estado a acontecer uma série de ações no sentido de darem a conhecer esse candidato. E nesse sentido podemos considerar que já há uma pré-campanha. Não há uma atividade semelhante nos outros partidos políticos porque eles não vivem esses mesmos problemas que o MPLA está a viver.
17.02.17. ONLINE Pré-campanha Angola - MP3-Mono
DW África: Tomando em conta o descontentamento da população, devido à tensão política, a crise económica e financeira e os crescentes casos de corrupção, os tradicionais modelos de caça ao voto ainda se mostram eficazes em Angola?
NP: Não acredito que vá haver grandes inovações em relação à caça ao voto. O partido no poder está a fazer uma grande manobra, do tipo grande família que fez em 1992 quando estava numa situação parecida com a atual, de uma grande impopularidade e de muita insatisfação com a sua governação. Neste momento estão a fazer a mesma coisa, embora os instrumentos passem muito pela capacidade distributiva do próprio Estado. E o partido-Estado é que está a ser mobilizado para captar e tornar reféns os cidadãos de uma escolha política na continuidade. E por isso não creio que vá haver grandes mudanças, o que estou a verificar é que há um aperfeiçoamento desse aparelho de captação de voto.
DW África: O uso de bens do Estado por parte do MPLA é algo com que se pode contar novamente neste pleito?
NP: Sem dúvida nenhuma. E já há um plano de endividamento para que consigam distribuir esses bens, porque Angola está sem dinheiro. Estamos numa crise económica provocada por vários fatores, mas o mais importante é o da baixa de preço da única commodity que temos no mercado internacional, o petróleo, e por isso não há dinheiro do petróleo para distribuir na campanha eleitoral. E como não há, vai haver endividamento externo para que esses bens não deixem de ser distribuídos. Não vai ser a festa que foi em 2008 e em 2012, mas não vai deixar de haver distribuição de bens, esse modelo de alienação das consciências através da distribuição de bens.
Pobreza no meio da riqueza no sul de Angola
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul do país. A região é assolada por uma seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser pobres neste ano. Muitos angolanos passam fome.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Sobras da guerra civil
A guerra civil (1976 -2002) grassou com particular violência no sul de Angola. Aqui, o Bloco do Leste socialista e o Ocidente da economia de mercado livre conduziram uma das suas guerras por procuração mais sangrentas em África. Ainda hoje se vêm com frequência destroços de tanques. A batalha de Cuito Cuanavale (novembro de 1987 a março de 1988) é considerada uma das maiores do continente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Feridas abertas
O movimento de libertação UNITA tinha o seu baluarte no sul do país, e contava com a assistência do exército da República da África do Sul através do Sudoeste Africano, que é hoje a Namíbia. Muitas aldeias da região foram destruídas. Mais de dez anos após o fim da guerra civil ainda há populares que habitam as ruínas na cidade de Quibala, no sul de Angola.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Subnutrição apesar do crescimento económico
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul. A região sofre de seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser más no ano 2013. Muitos angolanos não têm o suficiente para comer. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) diz que nos últimos anos pelo menos um quarto da população passou fome durante algum tempo ou permanentemente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
O sustento em risco
Dado o longo período de seca, a subnutrição é particularmente acentuada nas províncias do sul de Angola, diz a FAO. As colheitas falham e a sobrevivência do gado está em risco. Uma média de trinta cabeças perece por dia, calcula António Didalelwa, governador da província de Cunene, a mais fortemente afetada. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) também acha que a situação é crítica.
Foto: DW/A. Vieira
Semear esperança
A organização de assistência da Igreja Evangélica Alemã “Pão para o Mundo” lançou um apelo para donativos para Angola na sua ação de Advento 2013. Uma parte dos donativos deve ser reencaminhada para a organização parceira local Associação Cristã da Mocidade Regional do Kwanza Sul (ACM-KS). O objetivo é apoiar a agricultura em Pambangala na província de Kwanza Sul.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Rotação de culturas para assegurar mais receitas
Ernesto Cassinda (à esquerda na foto), da organização cristã de assistência ACM-KS, informa um agricultor num campo da comunidade de Pambangala, no sul de Angola sobre novos métodos de cultivo. A ACM-KS aposta sobretudo na rotação de culturas: para além das plantas alimentícias tradicionais como a mandioca e o milho deverão ser cultivados legumes para aumentar a produção e garantir mais receitas.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Receitas adicionais
Para além de uma melhora nas técnicas de cultivo, os agricultores da região também são encorajados a explorar novas fontes de rendimentos. A pequena agricultora Delfina Bento vendeu o excedente da sua colheita e investiu os lucros numa pequena padaria. O pão cozido no forno a lenha é vendido no mercado.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Escolas sem bancos
Formação de adultos na comunidade de Pambangala: geralmente os alunos têm que trazer as cadeiras de plástico de casa. Não é só em Kwanza Sul que as escolas carecem de equipamento. Enquanto isso, a elite de Angola vive no luxo. A revista norte-americana “Forbes” calcula o património da filha do Presidente, Isabel dos Santos, em mais de mil milhões de dólares. Ela é a mulher mais rica de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Investimentos em estádios de luxo
Enquanto em muitas escolas e centros de saúde falta equipamento básico, o Governo investiu mais de dez milhões de euros no estádio "Welvitschia Mirabilis", para o Campeonato Mundial de Hóquei em Patins 2013, na cidade de Namibe, no sul de Angola. Numa altura em que, segundo a organização católica de assistência “Caritas Angola” dois milhões de pessoas passaram fome no sul do país.
Foto: DW/A. Vieira
Novas estradas para o sul
Apesar dos destroços de tanques ainda visíveis, algo melhorou desde o fim da guerra civil em 2002: as estradas. O que dá a muitos agricultores a oportunidade de venderem os seus produtos noutras regiões. Durante a era colonial portuguesa, o sul de Angola era tido pelo “celeiro” do país e um dos maiores produtores de café de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Um futuro sem sombras da guerra civil
Em Angola, a papa de farinha de milho e mandioca, rica em fécula, chama-se “funje” e é a base da alimentação. As crianças preparam o funje peneirando o milho. Com a ação de donativos de 2013 para a ACM-KS, a “Pão para o Mundo” pretende assegurar que, de futuro, os angolanos no sul tenham sempre o suficiente para comer e não tenham que continuar a viver ensombrados pela guerra civil do passado.