Em entrevista à DW, vice-presidente da UNITA, Raúl Danda, explica como partido pretende cumprir promessa de campanha audaciosa de elevar salário mínimo a 500 dólares, e admite que estado de saúde do Presidente é frágil.
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Aumentar o salário mínimo angolano para 500 dólares e investir em áreas como educação, saúde e emprego são temas centrais no programa de Governo da UNITA, o maior partido da oposição em Angola. Em entrevista à DW África, o vice-presidente da UNITA, Raúl Danda, conta como o partido pretende concretizar suas propostas, e também comenta o que sabe sobre o estado de saúde do Presidente José Eduardo dos Santos.
DW África: No seu manifesto eleitoral a UNITA defende o aumento do salário mínimo para 500 dólares (435 euros), quase cinco vezes mais do valor atual. Como o partido pretende concretizar esta proposta?
RD: Em função do número de trabalhadores que o país tem e que ganham menos do que 500 dólares, no câmbio atual é o equivalente a 83 mil kwanzas. Dez dias da produção anual do petróleo chegariam para poder fazer isso. E achamos que o país pode desfrutar 2% da sua produção petrolífera para dignificar os angolanos. Se nós formos tirar dos gastos do país o dinheiro que anda diluído na corrupção, se nós formos reduzir o valor das obras que temos no país, que são quase sempre superfaturadas, há de haver dinheiro para poder dignificar os angolanos. É isso o que a gente quer. Não podemos estar com uma Angola que se diz rica, mas em contrapartida o povo é sempre pobre.
neu Online Entrevista Raul Danda - MP3-Stereo
DW África: Também no programa de Governo, a UNITA defende a resolução, no curto prazo, dos cinco principais problemas nacionais, nas áreas de Educação, Saúde, Habitação, Emprego e Segurança Social, por meio de novas políticas de recuperação económica. Poderia dar um exemplo destas políticas?
RD: Nós temos vários exemplos. Na área da educação, nós vamos decretar que o ensino primário e o ensino médio, até o ensino secundário, sejam obrigatórios e gratuitos. Hoje, dá-se pouca atenção à saúde. A UNITA quer garantir a todos os cidadãos consultas nos hospitais públicos verdadeiramente gratuitas, portanto não se cobra nada, além de medicamentos gratuitos. E vamos priorizar a medicina preventiva, visto que vale mais prevenir do que curar.
Em termos de habitação, é verdade que nem toda gente pode ter casa própria, mas nós vamos fazer com que se criem condições e facilidades às pessoas para terem acesso ao crédito habitação. Também vamos fomentar o emprego, porque é possível criar vagas, para dar esse suporte às famílias para que tenham suas casas. Há muita gente que está fora do emprego. O governo ficou ancorado na produção petrolífera apenas com fontes de receitas. Se estivermos dispostos a desenvolver a agricultura, que é o que a UNITA quer fazer para diversificar a economia, vamos criar cooperativas agrícolas, para as quais o governo dará gratuitamente os bens agrícolas.
DW África: Agora um tema que está a rondar as eleições. A imprensa internacional tem noticiado que o estado de saúde do Presidente José Eduardo dos Santos é muito frágil. O que a UNITA sabe sobre isto?
RD: Nós também sabemos que o estado de saúde do Presidente é frágil. Infelizmente, o Presidente da República queria estar sempre presente e isso o obrigou a deixar os tratamentos pelo meio e voltar ao país para mostrar que estava bem, mas ele não está bem. Toda a gente sabe que ele não está bem. Muitas vezes, as decisões que são tomadas no país já não são tomadas por ele, mas por outras pessoas que andam a esconder-se por detrás do presidente.
DW África: O Presidente conseguiu aprovar no Parlamento um decreto que coloca sob sua responsabilidade a nomeação dos dirigentes da polícia e dos serviços secretos. Acha que isto é uma forma de deixar "homens de confiança" a vigiar o poder central após as eleições? Vê isto como uma última estratégia de José Eduardo dos Santos?
RD: Isso é verdade. Por um lado, há um negro que não se pode ler do presidente José Eduardo dos Santos agora no fim do mandato, mas por outro lado pensamos que há muita gente que se quer colocar no poder e quer utilizar isso para poder revalidar os seus mandatos. Nós da UNITA votamos contra isso, porque achamos que devia-se deixar aqueles que foram eleitos pudessem ser estes a tomar decisões em vez de ser o governo que está a terminar e em fim de mandato. E ainda é um presidente que está em fim de mandato e nem sequer vai se candidatar que está a tomar essa posições para não estar a armadilhar quem vier a assumir o poder.
José Eduardo dos Santos deixará saudades?
Dos Santos anunciou no início de 2017 que deixará o poder ao fim de 38 anos. Será que os angolanos terão saudades? Os comícios e as manifestações no país e fora de Angola nos últimos anos não deixam chegar a um consenso.
Foto: Getty Images/AFP/A. Pizzoli
Setembro de 2008 - Luanda
Este comício do MPLA em Kikolo, Luanda, foi assistido por milhares de pessoas durante a campanha para as eleições de 2008, as primeiras em 16 anos. O MPLA obteve 82% dos votos, tendo conquistado 191 dos 220 lugares da Assembleia Nacional de Angola.
Foto: picture-alliance/ dpa
Março de 2011 - Angola
No entanto, e apesar da maioria conseguida nas eleições de 2008, nos anos seguintes realizaram-se várias manifestações, em Angola, e não só, contra o Governo. A 7 de março de 2011, teve início no país uma onda de manifestações inspiradas na Primavera Árabe. Na organização destas manifestações estava o Movimento Revolucionário de Angola, também conhecido como "revús".
Foto: picture-alliance/dpa
Março de 2011 - Londres
No mesmo dia (7 de março), cerca de 30 pessoas sairam às ruas em Londres para protestar contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Os manifestantes exigiram a saída do pai de Isabel dos Santos gritando "Zédu fora!" e "Zé tira o pé".
Foto: Huck
Fevereiro de 2012 - Benguela
Em 2012, ano de eleições no país, o número de manifestações organizadas pelos não apoiantes de José Eduardo dos Santos continuou a crescer. O protesto retratado na fotografia teve lugar em Benguela, a 13 de fevereiro. "O povo não te quer", gritaram os manifestantes.
Foto: DW
Junho de 2012 - Luanda
A 23 de maio de 2012, o presidente angolano anuncia que as eleições legislativas se irão realizar a 31 de agosto. Sensivelmente um mês depois, a 23 de junho, o Estádio 11 de Novembro, em Luanda, encheu-se de militantes e simpatizantes do MPLA para aplaudir José Eduardo dos Santos e apoiar a sua candidatura.
Foto: Quintiliano dos Santos
Julho de 2012 - Viana
Cartazes a favor de dos Santos num comício da campanha para as eleições de 2012 em Viana, arredores de Luanda. A 31 de agosto, o MPLA vence as eleições com mais de dois terços dos votos. Depois de uma mudança da Constituição, o Presidente já não é eleito diretamente, mas sim indiretamente nas legislativas. Como cabeça de lista do MPLA, José Eduardo dos Santos é eleito Presidente de Angola.
Foto: Quintiliano dos Santos
Maio de 2015 - Benguela
Nos anos seguintes continuaram os protestos contra o Presidente. Foram-se somando episódios de violência e detenções. 2015 torna-se-ia um ano complicado no que às críticas a JES diz respeito. No aniversário do "27 de maio", em Benguela, por exemplo, 13 ativistas foram detidos minutos depois de começarem um protesto. No mesmo dia, também houve detenções em Luanda.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Junho de 2015 - Luanda
Em junho de 2015, tem início um dos episódios da governação de José Eduardo dos Santos mais criticados. 15 ativistas angolanos, entre eles Luaty Beirão, foram detidos sob acusação de planeaream um golpe de Estado. Para além de terem despoletado muitas manifestações, estas detenções tiveram mediatismo um pouco por todo o mundo devido às greves de fome levadas a cabo por muitos dos detidos.
Foto: DW/P. Borralho
Julho de 2015 - Lisboa
No dia 17 de julho realizou-se, em Lisboa, a primeira manifestação em Portugal a favor da libertação destes jovens. "Basta de repressão em Angola", ouviu-se na capital portuguesa. Dias mais tarde, em Luanda, a polícia reagiu violentamente contra algumas dezenas de manifestantes que protestaram no Largo da Independência.
Foto: DW/J. Carlos
Agosto de 2015 - Luanda
A 2 de agosto e sob o lema "liberdade já", cerca de 200 pessoas, entre as quais vários artistas angolanos - poetas, políticos, atores e artistas plásticos - juntaram-se, em Luanda, para pedir a libertação dos 15 ativistas angolanos detidos. Sanguinário, Flagelo Urbano, Toti, Jack Nkanga, Sábio Louco, Zwela Hungo, Mona Diakidi, Dinameni, Fat Soldie e MCK foram alguns dos artistas presentes.
Foto: DW
Agosto de 2015 - Luanda
Dias mais tarde foi a vez das mães dos ativistas se fazerem ouvir. Nas ruas de Luanda, pediram a libertação dos seus filhos, mesmo depois da manifestação ter sido proibida pelo Governo.
Foto: DW/P. Ndomba
Agosto de 2015 - Lisboa
Nem no dia do seu aniversário (28 de agosto), José Eduardo dos Santos teve "descanso". Cidadãos descontentes, quer em Lisboa, quer em Angola, voltaram às ruas. Na capital portuguesa, voltou a pedir-se liberdade para os ativistas. Exigiu-se ainda liberdade de movimento, de pensamento, de expressão e de imprensa em Angola.
Foto: DW/J. Carlos
Novembro de 2015 - Luanda
No dia em que se celebraram os 40 anos da independência de Angola, proclamada a 11 de novembro de 1975, pelo então Presidente António Agostinho Neto, vários jovens voltaram a fazer ouvir-se. 12 manifestantes foram detidos.
Foto: DW/M. Luamba
Março de 2017 - Cazenga
No início de 2017, José Eduardo dos Santos anunciou a saída da Presidência. O cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais deste ano será o atual ministro de Defesa João Lourenço. O candidato foi recebido por centenas de apoiantes naquele que foi o seu primeiro ato de massas da pré-campanha, no município do Cazenga, em Luanda, a 4 de março.