Não se pode falar de trégua em Moçambique, diz líder do MDM
25 de janeiro de 2017O delegado do MDM, no distrito de Tambara, província de Manica, que estava desaparecido desde 15 de janeiro, foi encontrado morto na segunda-feira (23.01).
Mateus Chiranga terá sido morto a tiro, na sua residência, mas o seu corpo apareceu a mais de 400 quilómetros do local.
O Comando Provincial da Polícia da República de Moçambique, em Manica, centro do país, prefere não falar em crime e promete investigar o caso.
Trata-se de mais um caso de aparente assassinato político de membros da oposição. Já outros elementos do MDM, a terceira força política de Moçambique, e sobretudo da RENAMO, a principal força da oposição, foram mortos, intimidados e perseguidos.
A DW África falou sobre o assunto com o líder do MDM, Daviz Simango, que é também autarca da Beira, a segunda maior cidade de Moçambique.
DW África: Que balanço faz o MDM das vítimas de assassinatos?
Daviz Simango (DS): Contabilizámos à volta de seis. Pelo menos deste [membro do MDM] conseguimos encontrar o corpo. Ele foi assassinado na sua casa em Tambara. Ficámos durante três dias à procura do corpo, vasculhámos quase toda a província. Infelizmente, há três dias acabámos por localizar o seu corpo.
DW África: Na verdade, na sua opinião, vive-se de facto um período de trégua, tendo em conta estes assassinatos que têm decorrido?
DS: Não se pode falar de trégua, porque quando se fala de trégua significa que há tranquilidade, há paz, nem que seja provisória, mas há uma paz que não promove mortes nem assassinatos. O que está a acontecer é tudo ao contrário. Portanto, mata-se, assassina-se, significa que as pessoas que declararam trégua, que pressupunha o calar das armas, não está a acontecer. As pessoas estão a morrer devido às armas. O nosso delegado foi morto por balas. E como se não bastasse, matam num sítio, transportam o corpo para despistar qualquer tipo de situação, e vão deixá-lo num outro canto. Portanto, esta situação é intolerável.
DW África: O que é que pode explicar estes assassinatos aparentemente políticos de membros da oposição, em particular do MDM?
DS: É sabido que o MDM é o despertar do povo, é o grande concorrente aos dois opositores [FRELIMO, no poder, e RENAMO, na oposição]. E, naturalmente, eles procuram fragilizar o MDM. Criam condições para que, de facto, quando se aproximam as eleições, os membros do MDM possam ter medo dos homens armados. Estão a promover uma democracia armada, em que quem tem arma é o mais poderoso. Mas esquecem-se que não se pode construir uma democracia com pessoas poderosas nem com partidos poderosos, mas sim com partidos decentes. Portanto, é preciso que eles, os portadores das armas, ponham definitivamente um ponto final às execuções sumárias, a este genocídio. Esse nosso membro, além de delegado era professor, um educador. São crianças que ficaram sem professor, os seus quatro filhos que ficaram sem pai. Isto cria trauma nas pessoas.
DW África: Existe um clima de intimidação e medo que está a afetar a vida e o trabalho de membros e dirigentes do MDM?
DS: Existe sim, porque a partir da altura em que um [membro do partido] é morto, os outros também ficam com medo. As pessoas até ficam com medo de circular. Esta é uma situação séria. Qualquer tipo de intimidação, violência cria o medo. E, muitas das vezes, quando chegamos a eleições, o povo vota por medo, enquanto nós queremos que o povo vote em consciência.
DW África: Como é que o MDM entende que tem sido a posição da polícia e das autoridades, em geral, em relação a este tipo de casos?
DS: O problema é o seguinte: qualquer polícia ou autoridade como vai agir? Agir contra quem? As autoridades governamentais controlam as Forças de Defesa e Segurança e, nalgum momento, usam essas Forças de Defesa e Segurança para interesses partidários. Então, as Forças de Defesa e Segurança que devem ser apartidárias, republicanas, muitas vezes ficam encurraladas. Elas têm vontade, são competentes, podem agir. Mas enquanto o poder político se quiser sobrepor às Forças de Defesa e Segurança, amputa o exercício de funções dessas forças.
DW África: O que é que o MDM tem feito no sentido de acabar com a crise político-militar em Moçambique?
DS: Tentámos estar na mesa de negociações, mas não nos aceitaram. Apresentámos a nossa proposta de revisão da Constituição da República que foi aceite na mesa de diálogo.No entanto, esse documento tem de passar para o órgão legislativo, que é a Assembleia da República. Infelizmente, o diálogo parou em dezembro. Tínhamos a expetativa de que os sete princípios iriam à Assembleia da República, mas não foram. O MDM quer atuar dentro do sistema legal do país. Não queremos atuar à margem do sistema legal. Nós vamos insistir para que, de facto, haja a revisão da Constituição, haja redução dos poderes na figura do chefe de Estado, haja eleição dos governadores, haja liberdade administrativa e financeira dos magistrados. Portanto, que haja descentralização efetiva e autarquias em todo o canto. Portanto, queremos que haja partilha do poder. Não pode acontecer que quem ganha eleições gerais ganha tudo. É preciso que haja eleições dos presidentes dos municípios, das assembleias, dos governadores. Isso permite que haja partilha do poder. E todos nós contribuímos para o desenvolvimento do país de forma ativa.