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"Não se pode falar em paz ao fornecer armas"

Laianna Janu
19 de abril de 2023

Após declarações polémicas do Presidente brasileiro, Lula da Silva, analista lembra a diferença entre ser contra a guerra e defender a invasão russa da Ucrânia. Diz ainda que apoio militar ocidental a Kiev "é um facto".

Invasão russa da Ucrânia mergulhou a Europa na crise mais grave de segurança desde a Segunda Guerra MundialFoto: AP Photo/Efrem Lukatsky/picture alliance

As declarações do Presidente brasileiro, que acusou a União Europeia e os Estados Unidos de prolongarem a guerra na Ucrânia, têm gerado fortes críticas, incluindo em Washington, Portugal e Bruxelas.

Um oficial norte-americano afirmou que Luís Inácio Lula da Silva estava a "ecoar propaganda russa e chinesa". Já Kiev convidou o chefe de Estado brasileiro a visitar a Ucrânia, para ver que há "uma vítima" e "um agressor", que não podem ser tratados da mesma forma.

Entretanto, o Presidente brasileiro já veio a público esclarecer que não é a favor da invasão russa da Ucrânia, mas é contra a guerra e por uma solução política negociada. É também uma diferença frisada pelo especialista em Relações Internacionais Giovani del Prete.

O analista brasileiro diz que defender a bandeira da paz não significa defender a Rússia. Já a "construção de uma nova governança internacional" seria a pedra no sapato dos Estados Unidos e da Europa. Em entrevista à DW, del Prete afirma ainda que, na relação com a China e outras economias emergentes do bloco BRICS, o Brasil estará a defender os seus interesses.

O Presidente chinês Xi Jinping (à esq.) e o homólogo brasileiro Lula da Silva (à dir.), em PequimFoto: Ken Ishii/Kyodo/AP/dpa/picture alliance

DW África: Quais os interesses do Brasil na relação com a China e outras economias emergentes do bloco BRICS?

Giovani del Prete (GdP): Os países não têm amigos, têm interesses. Acho que Lula da Silva está preocupado com o interesse nacional, que é no desenvolvimento, no caso do Brasil, melhorar as condições de investimento, de saltos tecnológicos. Acho que a visita para a China teve muito esse conteúdo: áreas de cooperação, de alta tecnologia, de informática, também de segurança alimentar. É bom lembrar que antes de ele ir para a China, ele esteve em Washington. Ele foi aos Estados Unidos e não houve grandes acordos que pudessem fortalecer essa perspetiva de desenvolvimento brasileiro.

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DW África: O Presidente brasileiro, Luís Inácio Lula da Silva, tem feito diversas críticas aos Estados Unidos e à Europa. Acusou-os inclusive de quererem prolongar a guerra na Ucrânia. O que sinalizam estas críticas ao Ocidente?

GdP: Ele aponta, na verdade, um facto real, que é o apoio bilionário dos Estados Unidos e da Europa no fornecimento de armas e todo o esforço de sustentar a guerra.

O Centre for Economic Policy Research [uma organização pan-europeia independente, apartidária e sem fins lucrativos que reúne investigadores em política económica] fez um levantamento no último ano, nesse período que cobre a guerra, e os Estados Unidos e a Europa já forneceram 144 mil milhões de euros para a Ucrânia, que têm a ver com ajuda humanitária, financeira e também militar. Mas tudo isso tem a ver com esse contexto da guerra. É também curioso perceber que, desses 144 mil milhões de euros, metade foram os Estados Unidos que forneceram – e [os EUA] nem estão na Europa, que é onde está todo o teatro da guerra. Portanto, não tem como falar em paz se você está fornecendo armas.

Estados Unidos e vários países europeus têm fornecido armas e outro equipamento militar à Ucrânia, após a invasão russaFoto: picture alliance/dpa/AP

DW África: Lula da Silva contraria uma tradição brasileira de neutralidade, aparentemente, ao se aproximar de chineses e russos e se afastar dos Estados Unidos? O que significa para o Brasil esta aparente aproximação à China e à Rússia?

GdP: Diferente de outros momentos, agora há uma guerra com proporções mundiais. O facto de defender a bandeira da paz não significa que está sendo contra os Estados Unidos e completamente em defesa da Rússia. Não é esse o caso.

O que está a ser defendido pelo Governo brasileiro é justamente apoiar a construção de uma nova governança internacional. Lula sempre tem trazido que não é só o caso do Brasil, mas também teria que envolver no debate internacional mais o México, a Turquia, o Egito, outras referências regionais para, de facto, se construir uma saída coletiva.

Então, mais do que o posicionamento brasileiro com a Rússia e a China, tem a ver um posicionamento no reforço da multipolaridade. Como os Estados Unidos e a Europa, mas sobretudo os Estados Unidos, têm uma posição de querer reforçar uma unipolaridade [na qual] o mundo [funciona] à sua maneira, não estão dispostos a construir coletivamente outra agenda que não seja ligada somente aos interesses nacionais dos Estados Unidos. E fica difícil contemplar os Estados Unidos numa agenda multilateral dessa forma.

Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, de visita a Brasília, esta semanaFoto: EVARISTO SA/AFP

DW África:  O Brasil poderá realmente mediar o conflito na Ucrânia ou estas posições de Lula da Silva podem tornar isso mais difícil?

GdP: As declarações do Presidente Lula não são o que os Estados Unidos querem ouvir - ainda mais [vindo] de um país com o peso do Brasil, do tamanho do Brasil, nas Américas. E existe, claro, uma pressão muito grande de vender uma imagem, de desgastar politicamente o Governo brasileiro, o Governo Lula, com essa posição que foi tomada.

Mas, por outro lado, é a posição que todo e qualquer governante no mundo comprometido com a democracia tem que defender, que é o fim da guerra. Então, hoje em dia existe uma narrativa bastante colocada, que é defender a paz, apontando quem são os principais financiadores da guerra. Está errado? Não pode ser.

Nas próprias avaliações estratégicas que o Pentágono faz sobre si, sobre o país, está lá colocado: a Rússia e a China são os principais países que ameaçam a influência dos Estados Unidos no mundo. Portanto, os esforços da política externa têm que estar voltados para dirimir a capacidade desses dois países de diminuir a influência dos Estados Unidos no mundo.

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