"Não se pode negociar a vitória do PAIGC nas legislativas"
2 de junho de 2020
Os partidos guineenses ainda não chegaram a um consenso sobre a formação de um novo Governo. Em entrevista à DW, a vice-presidente do PAIGC exige que seja respeitada a vontade do povo, como solução para o impasse.
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Termina a 18 de junho o prazo dado pelo Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, aos partidos políticos com assento parlamentar para que cheguem a um consenso sobre a formação de um novo Governo de base alargada.
O chefe de Estado guineense admitiu esta terça-feira (02.06) que pode dissolver o Parlamento caso o presidente da Assembleia Nacional Popular não encontre uma solução para a situação política no país até àquela data.
Sob a mediação do presidente do Parlamento, Cipriano Cassamá, os partidos políticos mostram-se incapazes de se entender após várias negociações. Mas todos querem liderar o futuro Governo.
O Partido Africano pela Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) diz que não é da competência do líder do Parlamento assumir o papel de negociador e que o Presidente da República apenas deveria respeitar a Constituição, devolvendo o poder ao PAIGC, na qualidade de vencedor das eleições legislativas de 2019.
A DW África falou sobre o impasse político na Guiné-Bissau com Odete Semedo, a vice-presidente do PAIGC, que lidera a equipa de negociação do partido.
DW África: Por que razão entende que o presidente da Assembleia Nacional Popular (ANP) não deveria assumir o papel do chefe do Estado ou da CEDEAO?
Odete Semedo (OS): Quando o presidente da ANP, que é um deputado - não se esqueça que é um deputado do PAIGC - foi eleito presidente da ANP, ele aceita assumir essa responsabilidade que não é dele. Devia devolver-se à CEDEAO a questão que ainda continua por resolver. Daí falarmos num erro de paralaxe: há um lápis, há um copo, há água e tudo está ali. Agora colocaram o presidente da ANP na situação de observação daquele copo. Se tiver um erro de paralaxe aí, se ele não observar bem se o lápis continua com o seu formato, então vai-lhe ser imputada a culpa da não resolução desta questão. Se conseguir resolver, aí quem vai colher os louros não será o presidente da ANP, vai ser com certeza o senhor Sissoco Embaló, que vai dizer: "eu consegui resolver por esta via". Então, aí o PAIGC diz: "Atenção, senhor presidente da ANP. Atenção, que pode ser uma cilada dura".
DW África: Neste momento, o PAIGC exige a liderança do futuro Governo. Caso isto não aconteça nas negociações, o PAIGC vai voltar atrás e volta a não reconhecer Sissoco como Presidente?
OS: O que o PAIGC está a fazer até aqui é considerar que se a CEDEAO sugeriu que se opte pela resolução política da questão, então que essa resolução política seja colocada num pacote único. Nós ganhamos as eleições legislativas, que nos seja dado um mandato para finalizar esta legislatura. E no que concerne a um litígio que está nos tribunais, deixar que isso corra os seus trâmites legais até se saber o que é que os tribunais vão dizer sobre a questão das eleições presidenciais. O que nós dissemos foi: se por acaso se entender que o caminho para tirar o país deste marasmo for entregar o poder legislativo ao PAIGC e solicitar ao PAIGC que reconheça Sissoco enquanto Presidente da República colocado e reconhecido pela CEDEAO, o PAIGC é capaz de abrir mão também disso. Essa hipótese foi falada a nível da direção superior do PAIGC, não são palavras de Odete Semedo, mas é algo que foi ponderado. Agora o que não será justo é a CEDEAO nos apontar uma solução política e na volta ao PAIGC é recusado o seu mandato e, ainda por cima, é obrigado a aceitar o golpe de Estado já consumado.
DW África: Mas há uma luz verde para chegar a um entendimento até dia 18 de junho?
OS: Bom, o caminho está muito tortuoso, mas nós continuamos com as portas abertas, como dissemos sempre, para conversar e para mostrar que quando se trata da Constituição da República, quando se trata de leis, não há negociação. O PAIGC ganhou. Mesmo que seja um Governo de base alargada que se possa negociar, não se pode negociar a vitória do PAIGC, que ganhou as legislativas. Não tem como negociar isso, a não ser que se faça pela via da força como se tem feito até aqui.
Artigo atualizado às 19h15 (Tempo Universal Coordenado) desta terça-feira (02.06).
Farpas e elogios: Frases das eleições na Guiné-Bissau
Principais partidos políticos, sociedade civil e comunidade internacional acompanham de perto contagem de votos na Guiné-Bissau. CNE só divulga resultados na quarta-feira (13.03), mas PAIGC já canta vitória.
Foto: Getty Images/AFP/SEYLLOU
PAIGC
O PAIGC declarou-se, na segunda-feira (11.03), vencedor das eleições legislativas de 10 de março na Guiné-Bissau. O porta-voz do partido João Bernardo Vieira garantiu que o povo conferiu ao PAIGC os destinos do país. No domingo, após votar, o líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira, disse que estas eleições representam "um momento de viragem" para que, na Guiné-Bissau, "o império da lei vingue".
Foto: DW/F. Tchumá
MADEM-G15
Após o anúncio do PAIGC, o Movimento para a Alternância Democrática frisou que ninguém ganhou as eleições com maioria absoluta e que também fará parte do próximo Governo do país. As declarações de Braima Camará no domingo, dia das eleições, foram das mais críticas, pois o líder do MADEM-G15 acusou o primeiro-ministro de "usar dinheiro público para corromper líderes de opinião no dia de reflexão".
Foto: DW/J. Carlos
PRS
O Partido da Renovação Social disse, esta terça-feira, que "é falsa a informação da maioria folgada que o PAIGC sustenta para semear a confusão"."Nenhuma das forças políticas atingiu sequer a barra dos 40 deputados", disse Vítor Pereira. No domingo, depois de votar, Alberto Nambeia, líder do PRS, disse que esta votação constitui um "balão de oxigénio" para o povo, que quer mudanças no país.
Foto: DW/B. Darame
FREPASNA
Baciro Djá considera que era o candidato com mais experiência nestas eleições e, por isso, o justo vencedor. No entanto, esta segunda-feira, o líder do partido Frente Patriótica para a Salvação Nacional (FREPASNA) foi o primeiro a reconhecer a derrota no pleito. "Consideramos que o nosso resultado foi péssimo e a responsabilidade máxima é minha, enquanto presidente do partido", disse.
Foto: Presidency of Guinea-Bissau
Comissão Nacional de Eleições (CNE)
Pouco depois do arranque do pleito, no domingo, José Pedro Sambú, presidente da CNE, disse aos jornalistas que o processo estava a decorrer num "clima de transparência e sem sobressaltos". O mesmo cenário foi reportado pela porta-voz da comissão, ao final do dia. Felizberta Vaz garantiu ainda que os "pequenos problemas" que surgiram foram resolvidos. A CNE divulga os resultados esta quarta-feira.
Foto: CNE
Presidente da República
Em declarações aos jornalistas, depois de votar, no domingo, José Mário Vaz garantiu que os observadores estavam "surpresos" pela positiva com a Guiné-Bissau. O Presidente guineense pediu à imprensa para que passasse lá para fora essa "grande imagem" da Guiné-Bissau como um país onde "não há problemas". "Considero a Guiné-Bissau hoje campeã da liberdade", disse.
Foto: Getty Images/AFP/Seyllou
Primeiro-ministro guineense
Também no domingo, o primeiro-ministro guineense disse estar emocionado com a concretização de um processo eleitoral "difícil e intenso", no qual foi "necessária a intervenção da comunidade internacional". Aristides Gomes acrescentou ainda que, apesar das dificuldades, este foi um processo cheio de "pedagogia".
Foto: Präsidentschaft von Guinea-Bissau
Organização das Nações Unidas
David McLachlan-Karr, enviado das Nações Unidas à Guiné-Bissau, tem estado a reportar, com frequência, o ambiente vivido no país nestas eleições, nas redes sociais. Esta segunda-feira, o representante da ONU deu os parabéns à população guineense que, "em todo o país, saiu [às ruas] para votar pacificamente e com muito orgulho cívico".
Foto: DW/B. Darame
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
Também a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), na pessoa de Luiz Villarinho Pedroso, acompanhou de perto a votação. No domingo, dia da eleição, o chefe da missão da CPLP disse que estas eleições foram um "exercício cívico exemplar", que decorreu com a "maior tranquilidade e normalidade". O balanço preliminar do escrutínio será feito ao longo desta terça-feira (12.03).
Foto: DW/N. dos Santos
CEDEAO
À semelhança da ONU e da CPLP, também a CEDEAO deu nota positiva às eleições guineenses. Numa conferência de imprensa, esta segunda-feira (11.03), Kadré Désiré Ouedraogo, chefe da Missão de Observação da CEDEAO, disse que as legislativas no país decorreram "de forma pacífica e transparente". Acrescentou ainda que espera que "todos [os partidos] aceitem os resultados".
Foto: DW/B. Darame
União Africana
Após o encerramento das urnas na Guiné-Bissau, Rafael Branco, chefe da Missão de Observação Eleitoral da União Africana destacou a forma tranquila com que decorreu o processo e salientou a "participação cívica notável".
Foto: DW/Nélio dos Santos
Liga Guineense dos Direitos Humanos
Também as organizações locais fizeram chegar elogios. À semelhança do que foi dito pela CNE, Augusto Mário da Silva, presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, disse ter havido registo de "algumas falhas", mas "que foram imediatamente supridas". Tirando os atrasos na abertura das urnas em algumas mesas e trocas de cadernos eleitorais, "o processo decorreu de forma regular", disse.
Foto: DW/B. Darame
Sociedade Civil
Por último, a Célula de Monitorização do Processo Eleitoral salientou, esta segunda-feira, que "os eleitores compareceram em massa para exercer o seu direito de voto". Este grupo de monitorização das eleições, composto por 420 pessoas, espalhadas por todo o país, saudou também "a boa presença das forças de segurança nos centros de votação observados".