O Fórum de Monitoria do Orçamento, plataforma da sociedade civil moçambicana que atua na área da gestão de finanças públicas, reconhece que não será fácil recuperar os ativos e o dinheiro das dívidas ocultas.
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Não há perspetivas de Moçambique recuperar todos os ativos e dinheiros relacionados com as dívidas ocultas, calculadas em mais de dois mil milhões de dólares. O aviso chega dos membros da sociedade civil.
Apesar da recuperação de mais de 10 milhões de dólares, por parte Procuradoria-Geral da República (PGR) moçambicana, o caminho para que o país recupere de volta o valor na sua totalidade é sinuoso, acrescentam.
Credit Swiss deve ser "condenado e responsabilizado"
O diretor-executivo do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), Adriano Nuvunga, reconhece que este processo é complexo, mas atira as culpas para o banco Credit Swiss.
"A nossa expetativa é que o Credit Swiss seja condenado e a responsabilização em termos da Credit Swiss é de ressarcir Moçambique, porque claramente, este dinheiro foi contraído em clara contradição às regras e não obedeceu ao ordenamento jurídico moçambicano", sublinha.
O diretor-executivo do Observatório do Cidadão para a Saúde, Jorge Matine, afirma que a expetativa era de Moçambique recuperar todo o dinheiro. Mas, Matine alerta para o fato de Moçambique poder sofrer consequências por causa deste caso.
"Eu penso que os processos que estão aqui (Moçambique) e os que estão em Londres, esperamos que tenham resultados positivos a favor de Moçambique. Mas o país pode perder este processo. Nesse caso, Moçambique terá de indemnizar as empresas que estão a pôr o país nos tribunais, porque acham que agiu de má-fé. É um processo muito difícil neste momento", diz.
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Recuperar dinheiro gasto em surbornos
O cenário dos tribunais pode ter outra face da moeda. Quem o diz é o pesquisador do Centro de Integridade Pública (CIP), Borges Nhamire, que acredita que, o país pode recuperar pelo menos, 200 milhões de dólares.
"É dinheiro que terá sido gasto em subornos. Esse suborno foi pago aos colaboradores da Credit Swiss, que facilitaram a contratação das dívidas e já confessaram em tribunal e a alguns funcionários moçambicanos. Então, tudo somado, esse valor de suborno chegou a 200 milhões de dólares", conclui.
O jurista Vicente Manjate refere que não basta a condenação e nem a recuperação de ativos. O mais importante, argumenta, é prevenir que estes casos não voltem a acontecer.
"Será que esta recuperação de ativos vai compensar-nos? Nós é que temos de definir o que queremos com esses processos. O que está em causa aqui. São os arguidos? É a qualidade deles? Ou são factos em si que nos levaram a esta situação", questiona, em jeito de conclusão.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)