"Não sou contra a Ucrânia": Histórias de desertores russos
28 de setembro de 2023A Oktoberfest é uma festa muito tradicional na Alemanha, reconhecida internacionalmente pelas imagens estereotipadas de mulheres a servir cervejas a pessoas embriagadas. Enquanto a festa decorria em Munique, encontramos "Wassilij", ou Vasily, num parque tranquilo nos arredores da cidade alemã onde acontece o evento.
O russo está na Alemanha há quase um mês e é um dos primeiros desertores que conseguiram entrar legalmente no país. O jovem diz que se sente seguro agora, mas teme pela família que ficou no país. É por isso que prefere omitir o seu nome verdadeiro. Pode ser condenado até 15 anos de prisão por deserção na Rússia, onde é procurado pelas autoridades.
"Não luto contra o meu próprio povo"
Vasily estudou na academia militar e alistou-se no exército. Há muito que está desiludido com o exército, mas as tentativas de deixá-lo não tiveram sucesso. Quando a Rússia atacou a Ucrânia, ele recebeu ordens para ir para a frente de guerra.
"Eles disseram-me: prepare-se, já estamos a ficar sem gente", lembra Vasily. Mas ele recusou-se. "Sou de origem ucraniana", disse ao seu superior. "O meu pai é ucraniano, não vou lutar contra o meu próprio povo", conta.
Ameaças
Apesar de todas as ameaças, Vasily não foi para a frente de guerra, mas também não foi dispensado da sua unidade.
Como Vasily e outros desertores disseram à DW, não era fácil deixar o exército mesmo antes de 21 de setembro de 2022, quando o Presidente Vladimir Putin anunciou uma mobilização parcial.
Depois disso, segundo relatam, tornou-se completamente impossível. As penalidades por deixar o quartel sem permissão e por deserção foram aumentadas para dez e 15 anos de prisão, respetivamente.
"Não havia saída", diz Vasily, "recebi uma ligação do comando e eles disseram: ou vai para a guerra, ou abriremos um processo criminal contra si e irá para trás das grades, de onde será enviado para a guerra de qualquer maneira." A única alternativa que encontrou foi fugir, deixando assim a Rússia.
"Era impossível recusar"
De acordo com estimativas do projeto Go by the Forest ("Vá pela floresta"), que ajuda russos a não serem convocados para a guerra, mais de 500 desertores deixaram o país depois da mobilização ter sido anunciada. Mas este número refere-se apenas aos que procuraram os ativistas de direitos humanos, o que implica que o número real é provavelmente muito maior.
A maioria dos homens foge principalmente para o Cazaquistão ou para a Arménia. Um deles é Viktor, um oficial de comunicações que também não quer revelar o seu nome verdadeiro. Ao contrário de Vasily, no entanto, ele participou nas operações militares russas contra a Ucrânia.
Através de uma chamada de vídeo da capital do Cazaquistão, Astana, Viktor diz que também tentou demitir-se do exército, mas em fevereiro de 2022 foi convidado a participar num exercício na península ucraniana da Crimeia, anexada pela Rússia. Assim, em 24 de fevereiro, a sua unidade participou da invasão russa.
"Eles acordaram-nos às 5 da manhã, alinharam-nos em colunas e disseram: 'Aqui vamos nós! Mas não disseram para onde íamos", lembra Viktor.
"Naquele momento, era simplesmente impossível recusar. Se corresse para frente, os ucranianos teriam atirado, e se fosse para trás, o próprio povo apanhava-nos", conta.
Viktor ficou em território ucraniano até ao verão de 2022. "Vi prisioneiros de guerra a ser executados e ouvi as ordens do comandante da unidade. Mas não houve nada parecido como o que aconteceu em Butscha", desabafa.
Diz ter tomado conhecimento dos massacres de civis na Ucrânia pela primeira vez no final de abril de 2022, quando conseguiu aceder à internet. "Depois disso, repensei muitas coisas", relata.
Yevgeny: "Estou pronto para ser julgado"
Yevgeny, oficial de uma unidade especial, também foi enviado para a fronteira russa com a Ucrânia para um exercício em fevereiro de 2022. O jovem vem de uma família humilde e o exército ofereceu-lhe uma promoção social.
Em 24 de fevereiro do ano passado, ele e a sua unidade cruzaram a fronteira com a Ucrânia e chegaram até Browary, perto de Kiev. "Para nós, tudo foi muito triste. Em 30 de março, quase toda uma companhia foi morta", diz sobre os combates.
"Quando estávamos perto de Kiev, não fizemos prisioneiros porque não havia como levá-los para a Rússia, então eles foram mortos. O lado ucraniano agiu da mesma forma", conta.
Mas o jovem garante que não esteve envolvido nos assassinatos. "Estou pronto para ser julgado, a minha consciência está limpa. Sim, eu lutei, sim, eu atirei, mas também fui alvejado e também quero viver", diz.
Extradição
Após o fracasso da ofensiva russa perto de Kiev, a unidade de Yevgeny foi transferida para Donbass. Para fugir de lá, ele disparou contra a própria perna. "Nós ferimo-nos perto das posições ucranianas e dissemos que os ucranianos haviam atirado contra nós. Eles acreditaram e levaram-nos para um hospital na Rússia", disse Yevgeny.
Viktor recebeu licença em meados de agosto de 2022. De volta ao seu quartel, ele tentou demitir-se, mas não conseguiu. Ambos os oficiais acabaram por fugir para o Cazaquistão.
Como os processos criminais contra eles estão em andamento na Rússia, não conseguem arranjar emprego oficial lá e até os cartões SIM e contas bancárias estão em nome de outras pessoas. Também temem que o Cazaquistão possa extraditá-los para a Rússia.
Já Vasily, o jovem ouvido pela DW na cidade alemã de Munique, foi um dos primeiros desertores que conseguiu ir do Cazaquistão para a Europa sem passaporte. O jovem conseguiu um emprego como programador numa empresa de IT na Alemanha.
A embaixada alemã no Cazaquistão emitiu uma autorização de viagem temporária para estrangeiros com um visto de trabalho. Não foi fácil encontrar uma empresa que aceitasse um desertor sem passaporte, admite Wassilij. Mas foi ainda mais difícil deixar o Cazaquistão.
Entre os três desertores, Yevgeny relata como a sua percepção mudou. "Acreditávamos que não haveria esta guerra", lembra o jovem sobre aquele fevereiro de 2022. "Pensávamos que Putin poderia ser um assassino e ladrão, mas não um fanático que iniciaria uma guerra", desabafa.