Níger: Jornalistas e ativistas queixam-se de repressão
Jan-Philipp Wilhelm | mjp
15 de abril de 2018
Protestos proibidos, manifestantes detidos, meios de comunicação encerrados: nigerinos denunciam ataques à liberdade de expressão. Autoridades rejeitam acusações. E não devem temer críticas da Europa, dizem analistas.
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Desde que o Governo do Níger anunciou uma nova lei das finanças, milhares de pessoas protestam regularmente nas ruas da capital, Niamey. A reforma financeira visa preencher os requisitos para aderir à união monetária da África Ocidental, mas os manifestantes condenam os novos impostos, temendo o aumento do custo de vida e o agravamento da pobreza.
No final de março, o Governo proibiu uma marcha de protesto, alegando razões de segurança. Ainda assim, os manifestantes saíram à rua. A polícia usou gás lacrimogéneo para dispersar o protesto. 23 jornalistas e ativistas foram detidos, entre eles o conhecido representante da sociedade civil Moussa Tchangari e o ativista dos direitos humanos Nuhu Arzika.
Também Ali Idrissa, figura influente da sociedade civil e proprietário do canal de televisão e rádio Labari, está desde 27 de março na prisão. As autoridades ordenaram o encerramento da emissora durante vários dias e os funcionários só puderam voltar ao trabalho após duas ordens judiciais.
Governo: Situações "absurdas”
Em entrevista à DW, o ministro do Interior do Níger, Bazoum Mohamed, rejeita acusações de que as acções do Governo vão contra a liberdade de imprensa.
"Têm de apresentar outras provas, além do encerramento desta emissora”, frisa, acrescentando que as autoridades não prenderam "nenhum jornalista”.
"Quando acontecem estas situações absurdas, não se pode generalizar e falar sobre ‘a' imprensa e ‘os' jornalistas. Temos muitos jornais violentos que insultam as autoridades de uma forma que não vemos em mais nenhum lugar do mundo. Os nossos jornalistas sofrem de incapacidade intelectual e moral”, acusa.
Violações da lei
Os Repórteres Sem Fronteiras veem com preocupação os últimos acontecimentos no Níger. Segundo a lei de imprensa adoptada em 2010, os jornalistas só podem ser multados por irregularidades no exercício da profissão. Mas a realidade é outra, diz Arnaud Froger, responsável pelo departamento africano dos Repórteres Sem Fronteiras: "O que as autoridades nigerinas fazem regularmente é contornar a lei de imprensa. Usam outras acusações para perseguir os jornalistas e foi isso que aconteceu a Baba Alpha”.
Níger: Jornalistas e ativistas queixam-se de repressão
Baba Alpha, um conhecido jornalista da televisão do Níger – e abertamente crítico do regime - esteve um ano detido por alegadamente usar documentos falsos para obter a cidadania nigerina. Saiu em liberdade no dia 3 de abril e foi imediatamente deportado para o vizinho Mali "por razões de segurança do Estado”, segundo o Governo. Os pais do jornalista são malianos, mas Baba Alpha cresceu no Níger.
Mousa Mudi, da SYNATIC, a associação de jornalistas do Níger, diz que a expulsão tem motivos políticos: "Vamos contestá-la na justiça. Este jornalista não foi condenado por nenhum tribunal. Foi uma decisão tomada por um ministro que não o quer no Níger”.
Europa fecha os olhos
E o que dizem os parceiros internacionais? Segundo Jannik Schritt, investigador do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais, o Governo do Presidente Mahamadou Issoufou não tem nada a temer quanto a críticas e sanções da Europa.
"Ao tornar-se um parceiro estratégico da União Europeia e da Alemanha na luta contra o terrorismo, bem como no combate à migração ilegal, Issoufou está ciente do seu poder”, considera o analista. O Presidente do Níger, diz Schritt, "sabe que pode levar a cabo esta repressão sem ser publicamente denunciado e sem sofrer sanções, porque o Níger é simplesmente muito importante”.
O Níger é há vários anos um parceiro-chave da União Europeia. Por um lado, devido ao combate aos grupos extremistas islâmicos no Sahel. Tanto os Estados Unidos como França têm bases militares no Níger. E os líderes europeus estão a apoiar a criação da nova força militar conjunta do G5 Sahel, composta por soldados do Burkina Faso, Chade, Mali, Mauritânia e Níger.
Por outro lado, a cidade nigerina de Agadez está no centro da rota da migração africana rumo à Europa, o que, segundo Jannik Schritt, explica o interesse da União Europeia no Níger. É aqui que os migrantes dão início à perigosa travessia do Sahara a caminho da costa mediterrânica da Líbia.
"Por outras palavras, o que é muitas vezes descrito como ‘eliminação das causas da fuga', no Níger significa mais ajuda financeira e reforço das patrulhas nas fronteiras. A guarda fronteiriça está a ser treinada e equipada com as últimas tecnologias para que a migração não chegue ao Mediterrâneo – onde será mais visível ao público do que no Sahara”, explicaJannik Schritt.
Milhares de migrantes atravessam Níger rumo à Europa
São jovens oriundos da África Ocidental e fazem tudo para chegar à Europa. Estão mesmo dispostos a arriscar a vida, atravessando o deserto, rumo ao Mediterrâneo. Mas nem todos são bem sucedidos.
Foto: DW/A. Cascais
Apoio aos "menos bem sucedidos"
Em Niamey existe um centro de acolhimento da Organização Internacional para as Migrações (OIM). Aqui são acolhidos os jovens "revenants", que não conseguiram atravessar o deserto e se veem obrigados a regressar aos seus países de origem. A OIM, que faz parte do sistema das Nações Unidas, dá-lhes abrigo provisório, alimentação e apoio na obtenção de passaportes e outros documentos.
Foto: DW/
À espera do regresso a casa
Os jovens que procuram apoio no centro da OIM vêm dos mais diferentes países: Guiné-Conacri, Mali, Senegal, Gâmbia ou Guiné-Bissau, movidos sobretudo por objetivos económicos. Muitos tiraram cursos superiores, mas não arranjam trabalho. Muitas famílias apostam na emigração de pelo menos um filho. Caso esse filho seja bem sucedido poderá eventualmente apoiar economicamente o resto da família.
Foto: DW/A. Cascais
Frustrados por terem falhado a Europa
Muitos investiram todas as suas economias, pediram dinheiro a familiares e perderam tudo. Agora esperam pelo regresso aos seus países com a sensação de terem sofrido grandes derrotas pessoais. Os assistentes sociais falam de casos em que os jovens não se atrevem a voltar ao seio das suas famílias, "por sentirem vergonha". Precisam de apoio psicológico, mas esse apoio não existe.
Foto: DW/A. Cascais
Otimismo apesar das derrotas
Alguns dos migrantes sofrem lesões e contraem doenças durante a travessia do deserto, mas mesmo assim não perdem o ânimo. Em muitos casos, os jovens tentam várias vezes, ao longo da vida, atingir a terra prometida: a Europa. Muitos nunca o conseguem, mas não perdem o otimismo. Em 2016, a OIM prestou apoio a mais de 6 mil "revenants" - migrantes que não foram bem sucedidos no Níger.
Foto: DW/A. Cascais
Espancado na Líbia
Dumbya Mamadou, de 26 anos de idade, oriundo do Senegal, conseguiu atingir a Líbia, depois de uma "odisseia de 5 dias e 5 noites" pelo deserto do Níger. Mas na Líbia foi maltratado. "Os líbios apontaram-me armas e espancaram-me, não têm respeito pelo ser humano", afirma o jovem. Dumbya volta ao seu país de origem com um sentimento de derrota: "Queria estudar na Europa, agora não sei o que fazer".
Foto: DW/
Roubado no Burkina Faso
Mamadou Barry, de 21 anos, oriundo da Guiné-Conacri, tinha um sonho: aplicar em França os seus conhecimentos de marketing e os seus talentos musicais. Mas a viagem rumo à Europa correu-lhe mal. "Fui roubado no Burkina Faso, o primeiro país pelo qual passei", conta. Mesmo assim, Mamadou aprendeu uma grande lição para a vida: "coisas que nunca teria aprendido se nunca tivesse saído de Conacri".
Foto: DW/A. Cascais
Rap contra a frustração
Mamadou Barry tenta digerir as suas derrotas e decepções através da música. Há três anos que o jovem canta e interpreta temas de rap e hiphop de sua autoria. O seu último tema foi escrito em Niamey, capital do Níger, e tem a seguinte letra: "A migração arrasou-me / e ninguém me pode consolar / O Mar Mediterrâneo já matou muitos / e nós cá continuamos: sem comida, sem cama, sem saúde".
Foto: DW/
Central de autocarros de Niamey: uma placa giratória
É da estação de autocarros de Niamey que partem diariamente centenas de furgonetas, muitas delas repletas de jovens migrantes, em direção ao norte. Os migrantes tornaram-se um fator relevante para a economia do Níger. Há muita gente que ganha a sua vida prestando diversos serviços aos migrantes: viagens pelo deserto, alimentação e mesmo cuidados médicos.
Foto: DW/A. Cascais
Mais migrantes tentam atravessar deserto do Níger
O número de migrantes que viajam através dos vastos territórios desérticos do Níger para chegar ao norte da África e à Europa não pára de aumentar, tendo alcançado os 200 mil em 2016, segundo estimativas do escritório da Organização Internacional para as Migrações. Outras fontes falam de 10 mil migrantes que atravessam o Níger por semana. A situacão geográfica do Níger é o fator determinante.
Foto: DW/A. Cascais
Agadez, o "olho da agulha"
Agadez, cidade desértica no Níger, é um dos principais pontos de trânsito no Saara para os imigrantes em fuga de nações empobrecidas do oeste da África. As "máfias" do tráfico humano têm beneficiado do caos na Líbia para transportar dezenas de milhares de pessoas para o continente europeu em embarcações precárias. Os migrantes muitas vezes sofrem abusos dos passadores.