"Nós vamos conseguir": Famosa frase de Merkel 10 anos depois
31 de agosto de 2025
"Nós vamos conseguir", uma frase que se tornou um símbolo mundial da postura acolhedora da Alemanha em relação aos refugiados.
Quando a então chanceler Angela Merkel, da ala centro‑direita (CDU), proferiu estas palavras a 31 de agosto de 2015, centenas de milhares de pessoas estavam a caminho da Alemanha. Muitas fugiam da guerra em países como a Síria, Afeganistão e Iraque.
Foram acolhidas com uma onda de solidariedade e vontade de ajudar. Na época, as palavras de Merkel expressaram otimismo e confiança de que a Alemanha, 70 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial e o terror do Holocausto, havia mudado e estava preparada para oferecer assistência humanitária a pessoas que fugiam de conflitos e perseguições.
Mas, dez anos depois, prevalecem o ceticismo e a rejeição. A imigraçãotornou-se um tema sensível.
Uma década depois de Angela Merkel ter dito "nós vamos conseguir", como está a Alemanha em matéria de asilo e integração? Como esta vaga de imigração mudou a Alemanha?
1. Quantas pessoas chegaram à Alemanha à procura de refúgio?
Entre 2015 e 2016, 1,2 milhões de pessoas chegaram à Alemanha e pediram asilo. Nos anos seguintes, o número de requerentes de asilo reduziu-se significativamente. Nenhum outro país da União Europeia (UE) acolheu tantos refugiados.
No entanto, pedir asilo não significa automaticamente que todas as pessoas foram reconhecidas como refugiadas e autorizadas a permanecer no país. Em média, nos últimos 10 anos, a Alemanha aprovou mais de metade (56%) dos pedidos de asilo na primeira instância, o que perfaz cerca de 1,5 milhões de pessoas a quem foi concedido o direito de permanecer.
Em comparação com outros países europeus, a taxa de aprovação da Alemanha foi superior à média da UE. A Alemanha é um dos poucos países no mundo cujas leis consagram legalmente o direito de asilo para pessoas perseguidas por motivos políticos.
Além desses casos, pessoas consideradas refugiadas nos termos da Convenção de Genebra ou com direito a estatuto de “proteção subsidiária” (por exemplo devido a uma situação de guerra no país de origem) estão autorizadas a permanecer. Atualmente, vivem na Alemanha cerca de 3,5 milhões de pessoas à procura de proteção.
2. De onde são as pessoas que pediram asilo na Alemanha?
Entre 2015 e 2016, a maioria dos requerentes vinha da Síria, Afeganistão e Iraque, países marcados por anos de guerra e conflito.
Metade de todos os sírios residentes na Alemanha chegou entre 2014 e 2016 devido à guerra civil. Cerca de um quinto já obteve a nacionalidade alemã e um em cada dez nasceu na Alemanha.
Desde a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia, em 2022, muitas pessoas procuraram a Alemanha para fugirem do conflito. Atualmente, cerca de 1,3 milhões de pessoas a procurar refúgio na Alemanha são ucranianas.
3. Homens, mulheres, crianças: Quem procurou proteção na Alemanha?
Dos 1,2 milhões que chegaram em 2015 e 2016, cerca de metade tinha entre 18 e 34 anos, sendo três quartos do sexo masculino.
Se alguém é reconhecido como refugiado, esse direito estende-se também ao cônjuge e aos filhos menores. Se aprovado, podem deslocar-se à Alemanha e têm direito a permanecer ao abrigo do programa de reunificação familiar.
Entre 2015 e meados de 2017, 230.000 pedidos de reunificação familiar foram aprovados, segundo a Associação Alemã de Municípios (DStGB). Contudo, para refugiados com estatuto de proteção limitado, a reunificação familiar foi suspensa durante dois anos em julho de 2025.
4. Quão bem integrados estão hoje os refugiados?
Um dos indicadores mais importantes de sucesso na integração é a participação no mercado de trabalho.
Os números revelam uma tendência positiva: no final de maio de 2025, a taxa de desemprego era a mais baixa, e a taxa de emprego a mais alta, desde janeiro de 2015 para pessoas provenientes dos oito países de origem mais comuns dos requerentes de asilo (Afeganistão, Paquistão, Irão, Iraque, Síria, Somália, Eritreia e Nigéria).
5. Os refugiados aprendem a língua alemã?
Outro indicador relevante de integração é o domínio da língua alemã, essencial para muitos empregos.
Há diferenças significativas entre géneros: uma sondagem de 2020 revelou que 34% das mulheres tinham um bom nível de alemão (certificado B1), enquanto entre os homens esse valor foi de 54%. Esta diferença também se reflete nos números do mercado laboral.
6. Quantos refugiados de 2015 adquiriram cidadania alemã?
Desde 2016, cerca de 414.000 pessoas, dos oito principais países de origem, tornaram-se cidadãos alemães. Dessas, 244.000 são oriundas da Síria.
“Muitos dos que fugiram dos seus países em 2015 estão agora a obter cidadania alemã. Alguns dos sírios consideram regressar à Síria, embora talvez já tenham cidadania. Frequentemente decidem permanecer porque abriram negócios, estão estabelecidos, ou porque os seus filhos frequentam a escola na Alemanha”, afirma o investigador Hannes Schammann, da Universidade de Hildesheim.
7. Quanto custou à Alemanha acolher tantos refugiados?
As estimativas do custo variam muito, conforme apontado pelo "Migration Media Service". Dependendo do método de cálculo usado, os custos oscilam entre 5800 mil milhões de euros ou uma poupança anual futura de 95 mil milhões de euros.
O facto é que, quando uma pessoa em busca de proteção chega à Alemanha, o Governo primeiro arca com os custos antes que o país possa se beneficiar do seu potencial económico.
Foi assim que as "despesas relacionadas com refugiados" do orçamento federal alemão no ano de 2023 chegaram a cerca de 30 mil milhões de euros. Os benefícios sociais foram o maior componente disso.
O número de estrangeiros que receberam benefícios de renda básica aumentou significativamente em 2022. Esse foi o ano em que muitas pessoas fugiram da Ucrânia para a Alemanha e, devido a uma lei especial, tiveram direito imediato ao benefício básico. O pagamento é um benefício social financiado pelo Governo para pessoas que procuram trabalho ou não conseguem cobrir os seus próprios custos de vida.
No mesmo período, o número de alemães que receberam o benefício diminuiu ligeiramente. Apesar disso, os cidadãos alemães continuam a ser o maior grupo de pessoas (52%) que recebem benefícios de rendimento básico.
8. Alemanha continua aberta a receber refugiados?
Enquanto a maioria dos alemães estava bastante aberta a receber refugiados em janeiro de 2015, uma pesquisa com eleitores elegíveis 10 anos depois revelou que 68% achavam que a Alemanha deveria receber menos refugiados.
Foi em 2023 que essa opinião atingiu maioria nos inquéritos. Nesse mesmo ano, um estudo encomendado pela Fundação Bertelsmann descobriu que a imigração passou a ser vista de forma negativa.
De acordo com esse relatório, 78% das pessoas citaram encargos adicionais para o Estado e 73% citaram conflitos entre alemães nativos e imigrantes. Apenas 63% dos entrevistados concordaram que a imigração era importante para a economia.
9. Existe risco elevado de criminalidade entre refugiados e requerentes de asilo?
Alguns casos mediáticos de atividades criminosas violentas por parte de pessoas que fugiram para a Alemanha contribuíram para a mudança de opinião e alimentaram receios mais generalizados em relação ao terrorismo. Esses receios permitiram que o partido de extrema-direita e anti-imigração Alternativa para a Alemanha (AfD), ganhasse capital político. Embora os serviços secretos alemães tenham classificado parte do partido como extremista de direita, o AfD como um todo tornou-se o segundo maior partido no Bundestag, o parlamento alemão.
As estatísticas da polícia mostram que os não alemães são suspeitos em cerca de 35% de todos os casos, embora representem apenas cerca de 15% da população total. De acordo com especialistas, no entanto, as estatísticas não mostram definitivamente se os refugiados, por si só, cometem crimes com mais frequência do que os alemães.
10. Como a política de imigração mudou desde 2015?
As políticas de imigração da Alemanha mudaram significativamente desde a declaração de Merkel, "Nós vamos conseguir", a 31 de agosto de 2015. Essa tendência também se reflete no estado de espírito dos refugiados: 57% se sentiram muito bem-vindos no ano da sua chegada, mas mais de sete anos depois, apenas 28% ainda tinham essa sensação, de acordo com um relatório do Instituto de Investigação do Emprego (IAB), o instituto de investigação da Agência Federal de Emprego (BA) da Alemanha.
A mudança política começou rapidamente, disse Daniel Thym, investigador de migração da Universidade de Konstanz. "Já no outono [europeu] de 2015, as leis estavam a ser significativamente endurecidas, os benefícios dos requerentes de asilo estavam a ser reduzidos, novos países de origem seguros foram declarados e a reunificação familiar estava a ser restringida"
Desde que o novo Governo de coligação assumiu o poder em 2025, os legisladores têm-se concentrado principalmente na limitação e repatriação de migrantes, com controles fronteiriços mais rigorosos e mais deportações.
Refletindo sobre o apelo de Merkel de 2015, o atual chanceler Friedrich Merz, também da CDU, disse que a Alemanha "obviamente não teve sucesso".
O investigador em imigração Hannes Schammann tem uma opinião diferente. "Acredito que, em grande parte, cumprimos a tarefa que tínhamos em 2015", defende. Agora, diz Schammann, trata-se de encontrar soluções politicamente inteligentes e "não olhar constantemente para 2015, mas sim olhar para a frente e perguntar: como lidamos com isso?"